São Paulo, domingo, 14 de março de 2004

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Novos líderes políticos enterram a Guerra Civil

DO COLUNISTA DA FOLHA

Pela primeira vez nos 25 anos de história da democracia espanhola, os dois principais candidatos a presidente do governo (nome oficial do cargo de premiê) são jovens que não têm como referência a participação ou a oposição à ditadura do general Francisco Franco Bahamonde, que governou o país do fim da Guerra Civil, em 1939, até morrer, em 1975.
Quando Franco morreu, Mariano Rajoy (PP, Partido Popular, centro-direita) tinha 20 anos e só ocuparia cargos político-eletivos seis anos depois. Em contrapartida, nos 22 anos seguintes, jamais deixaria de ocupá-los.
José Luis Rodríguez Sapatero (PSOE, Partido Socialista Operário Espanhol) é ainda mais jovem (43 anos), mas tem uma ligação familiar marcante com a guerra civil: seu avô, o capitão Juan Rodríguez Lozano, foi executado pelas tropas franquistas em 1936.
Rajoy e Zapatero substituem as duas figuras predominantes na Espanha pós-franquista. O candidato conservador foi indicado pelo atual presidente do governo, José María Aznar, que preferiu retirar-se depois de duas vitórias eleitorais consecutivas, apesar de todas as pesquisas indicarem um novo triunfo de seu partido.
Zapatero (ou ZP, Zapatero Presidente, como dizem seus cartazes eleitorais) lidera desde o ano 2000 um partido que foi comandado, antes como depois da redemocratização, por Felipe González, carismático primeiro-ministro durante 12 anos (1982-96).
González ficou nas Cortes, o Parlamento espanhol, durante 27 anos, mas, neste ano, não se candidatou.
Os dois novos líderes têm mais de uma coincidência: são ambos formados em direito, estão ambos há cinco legislaturas nas Cortes, passaram ambos pelo Colégio das Discípulas de Jesus em León (norte da Espanha) e são ambos avessos à estridência.
No perfil de Zapatero que produziu para a revista semanal do jornal "El País", José Luis Barberia descreveu-o assim: "O premiê britânico, Tony Blair, um espelho que Zapatero olha com o rabo do olho, se torna até um político meridional, em contraste com o caráter nórdico do líder socialista espanhol".
De Rajoy, na mesma publicação, Jesús Rodríguez foi ainda mais longe: "As regras do jornalismo ditam que, na hora de iniciar uma reportagem (tipo perfil), convém dispor de uma declaração contundente ou de um episódio com gancho que amarre o leitor desde a primeira linha. Com Rajoy, isso é impossível. Nenhum desses cenários se dá em sua trajetória política".
Até nos slogans que cada partido escolheu para a eleição, há certa semelhança: "Juntos vamos a más", diz o do PP, acenando com a continuidade das políticas de Aznar, mas com a inescapável promessa de um pouco mais. Já o PSOE preferiu "Merecemos uma Espanha melhor".
Em qualquer caso, não há nem nos slogans nem nas promessas de campanha acenos de ruptura. A única grande diferença está na política externa. O PP se aliou incondicionalmente aos EUA e defende que a Europa se aproxime cada vez mais da única superpotência existente.
Zapatero promete retirar as tropas espanholas do Iraque e uma política muito mais europeísta.
No mais, são "diferenças mais de enfoque quanto ao gasto social e questões de cultura e costumes", diz Josep Fradera, catedrático de história moderna e contemporânea da Universidade Autônoma de Barcelona.
É fácil explicar a escassa diferenciação. "A margem é muito reduzida pela integração à União Européia e sua ortodoxia em política econômica e de imigração, entre outros assuntos", completa Fradera.
Ganhe quem ganhar hoje, portanto, parece em desuso um verso do ícone da poesia espanhola, Antonio Machado, que dizia: "Españolito que vienes al mundo,/ te guarde Dios./ Una de las dos Españas/ha de helarte el corazón".
As duas Espanhas fizeram a guerra, mas seus novos líderes já não gelam o coração dos adversários. (CR)


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