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Volta da violência assombra Irlanda do Norte
Após atentados que mataram três, população teme ruptura de uma paz ainda incipiente entre católicos e protestantes
Líderes foram incisivos em condenar ataques e isolar extremistas que tentam reavivar conflito encerrado em 1998 após 3.500 mortes
PEDRO DIAS LEITE
DE LONDRES
"Ainda em Guerra", diz a pichação no muro, a alguns metros de onde um policial foi
morto por terroristas na Irlanda do Norte. A imagem, que trazia a sigla do IRA-C (o IRA da
Continuidade, uma das três
dissidências católicas que não
abriram mão da luta armada),
tomou as páginas dos principais jornais do Reino Unido durante a semana que passou.
A "guerra" acabou faz 11 anos,
quando um acordo pôs fim aos
confrontos entre católicos e
protestantes na Irlanda do
Norte. Mas os assassinatos de
dois soldados e de um policial
em 48 horas, entre o último sábado e segunda-feira, levantaram a pergunta entre os britânicos: a violência voltou?
Durante mais de 30 anos, do
fim dos anos 60 até o fim dos
anos 90, católicos e protestantes lutaram uma guerra marcada por assassinatos, atentados a
bomba e confrontos -um dos
mais famosos é o Domingo
Sangrento, de 1972, que virou
música do U2- com saldo de
mais de 3.500 mortos.
De um lado, os católicos lutavam pela unificação da região
com o restante da ilha, dividida
no início dos anos 20, com a
fundação da República da Irlanda, majoritariamente católica. De outro, os protestantes
defendiam a separação, com a
manutenção da união da Irlanda do Norte com o Reino Unido
(formado também por Inglaterra, Escócia e País de Gales).
As mortes dos últimos dias
provocaram forte reação numa
população ainda mal acostumada à ideia de paz. Os dois soldados estavam a horas de viajar
para o Afeganistão e foram
mortos enquanto recebiam
uma pizza. O policial ia se aposentar em dois anos e sobreviveu à era de violência sectária.
O principal temor agora é
que os ataques dos extremistas
católicos provoquem uma reação do lado protestante, levando a uma escalada da violência
e a um colapso do processo de
paz, ainda recente. O governo
de união nacional, com participação dos dois lados em conjunto, tem menos de dois anos.
"Estão tentando ressuscitar
o cadáver da violência política,
em busca de uma reação dos extremistas unionistas [protestantes] e do governo britânico",
disse à Folha Michael Kerr,
professor da London School of
Economics and Political Science (LSE), estudioso do tema.
Extremistas isolados
A reação dos políticos foi
unânime em tentar isolar os extremistas e buscar unir o país
pela paz. Num ato de grande
peso simbólico, o vice-premiê
da Irlanda do Norte, Martin
McGuinness, chamou os autores dos atentados de "traidores" -McGuinness foi um alto
comandante militar do IRA
(Exército Republicano Irlandês, desmobilizado), a principal força católica durante "Os
Problemas", como o período de
violência é conhecido.
Durante a semana, manifestações em vários pontos do Reino Unido reuniram milhares
pela paz. Ontem, moderados
dos dois lados foram ao enterro
do policial para pedir paz.
Nas ruas, o temor é que os
apelos não sejam suficientes.
"Eu adoraria acreditar que tudo ficou no passado, mas a verdade é que gerações cresceram
com ódio nos seus genes. O ímpeto econômico dos últimos
anos reprimiu o ódio, mas, agora que a depressão e a miséria
da recessão voltaram como
uma vingança, não é surpresa
que as pessoas tenham retomado os velhos hábitos", diz o arquiteto irlandês Gilles Bruce,
que mora em Londres.
Nos últimos dias, os serviços
de inteligência britânicos monitoraram os grupos extremistas protestantes, que por ora se
contiveram. A notícia de que
uma bomba teria sido levada da
Irlanda para a Irlanda do Norte, pelos extremistas católicos,
pôs as autoridades em alerta.
Segundo o professor da LSE,
os extremistas não somam
mais que algumas dezenas em
cada grupo e não representam a
maioria que quer a paz. "O país
não está à beira do abismo."
O equilíbrio que permitiu a
paz permanece, mas ninguém
sabe o que poderia detonar "Os
Problemas" de novo.
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