São Paulo, sábado, 14 de março de 2009

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Volta da violência assombra Irlanda do Norte

Após atentados que mataram três, população teme ruptura de uma paz ainda incipiente entre católicos e protestantes

Líderes foram incisivos em condenar ataques e isolar extremistas que tentam reavivar conflito encerrado em 1998 após 3.500 mortes

PEDRO DIAS LEITE
DE LONDRES

"Ainda em Guerra", diz a pichação no muro, a alguns metros de onde um policial foi morto por terroristas na Irlanda do Norte. A imagem, que trazia a sigla do IRA-C (o IRA da Continuidade, uma das três dissidências católicas que não abriram mão da luta armada), tomou as páginas dos principais jornais do Reino Unido durante a semana que passou.
A "guerra" acabou faz 11 anos, quando um acordo pôs fim aos confrontos entre católicos e protestantes na Irlanda do Norte. Mas os assassinatos de dois soldados e de um policial em 48 horas, entre o último sábado e segunda-feira, levantaram a pergunta entre os britânicos: a violência voltou?
Durante mais de 30 anos, do fim dos anos 60 até o fim dos anos 90, católicos e protestantes lutaram uma guerra marcada por assassinatos, atentados a bomba e confrontos -um dos mais famosos é o Domingo Sangrento, de 1972, que virou música do U2- com saldo de mais de 3.500 mortos.
De um lado, os católicos lutavam pela unificação da região com o restante da ilha, dividida no início dos anos 20, com a fundação da República da Irlanda, majoritariamente católica. De outro, os protestantes defendiam a separação, com a manutenção da união da Irlanda do Norte com o Reino Unido (formado também por Inglaterra, Escócia e País de Gales).
As mortes dos últimos dias provocaram forte reação numa população ainda mal acostumada à ideia de paz. Os dois soldados estavam a horas de viajar para o Afeganistão e foram mortos enquanto recebiam uma pizza. O policial ia se aposentar em dois anos e sobreviveu à era de violência sectária.
O principal temor agora é que os ataques dos extremistas católicos provoquem uma reação do lado protestante, levando a uma escalada da violência e a um colapso do processo de paz, ainda recente. O governo de união nacional, com participação dos dois lados em conjunto, tem menos de dois anos.
"Estão tentando ressuscitar o cadáver da violência política, em busca de uma reação dos extremistas unionistas [protestantes] e do governo britânico", disse à Folha Michael Kerr, professor da London School of Economics and Political Science (LSE), estudioso do tema.

Extremistas isolados
A reação dos políticos foi unânime em tentar isolar os extremistas e buscar unir o país pela paz. Num ato de grande peso simbólico, o vice-premiê da Irlanda do Norte, Martin McGuinness, chamou os autores dos atentados de "traidores" -McGuinness foi um alto comandante militar do IRA (Exército Republicano Irlandês, desmobilizado), a principal força católica durante "Os Problemas", como o período de violência é conhecido.
Durante a semana, manifestações em vários pontos do Reino Unido reuniram milhares pela paz. Ontem, moderados dos dois lados foram ao enterro do policial para pedir paz.
Nas ruas, o temor é que os apelos não sejam suficientes. "Eu adoraria acreditar que tudo ficou no passado, mas a verdade é que gerações cresceram com ódio nos seus genes. O ímpeto econômico dos últimos anos reprimiu o ódio, mas, agora que a depressão e a miséria da recessão voltaram como uma vingança, não é surpresa que as pessoas tenham retomado os velhos hábitos", diz o arquiteto irlandês Gilles Bruce, que mora em Londres.
Nos últimos dias, os serviços de inteligência britânicos monitoraram os grupos extremistas protestantes, que por ora se contiveram. A notícia de que uma bomba teria sido levada da Irlanda para a Irlanda do Norte, pelos extremistas católicos, pôs as autoridades em alerta.
Segundo o professor da LSE, os extremistas não somam mais que algumas dezenas em cada grupo e não representam a maioria que quer a paz. "O país não está à beira do abismo."
O equilíbrio que permitiu a paz permanece, mas ninguém sabe o que poderia detonar "Os Problemas" de novo.


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