São Paulo, domingo, 14 de março de 2010

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Diálogo com Cuba não mina repressão

No melhor momento diplomático na região desde 1959, regime mantém criminalização da oposição

Falta de coordenação entre EUA, UE e latinos favorece regime; engajamento de Lula não cabe em "situações extremas", diz analista


FABIANO MAISONNAVE
DE CARACAS
FLÁVIA MARREIRO
DA REPORTAGEM LOCAL

Beneficiada por governos simpáticos na América Latina, Cuba atravessa hoje seu melhor momento diplomático desde a implantação do regime castrista, em 1959. No entanto, o menor isolamento, que incentivaria maior abertura política segundo a tese defendida pelo governo Lula, não abrandou a máquina repressora do Estado, dizem analistas ouvidos pela Folha.
Devido em grande parte à atuação brasileira, Cuba foi abrigada no Grupo do Rio, em 2008, e ratificada como integrante da futura Comunidade da América Latina e do Caribe. Além disso, no ano passado, a OEA anulou o ato que suspendeu o país caribenho da entidade, após 47 anos de vigência.
No país, porém, a intolerância com a oposição prossegue. Se não há mais pelotões de fuzilamento -que eliminaram ao menos 7.000 opositores nos primeiros anos do regime- e se desmobilizaram os campos de trabalho forçado e um presídio para presos políticos que chegou a abrigar 20 mil pessoas, a ditadura dos Castro continua criminalizando todas as formas de dissenso político.
No mês passado, o péssimo histórico de direitos humanos do regime voltou ao noticiário porque o dissidente Orlando Zapata Tamayo, 42, condenado a 30 anos de prisão por "desacato" e "desordem", iniciou greve de fome para exigir melhores condições carcerárias.
O protesto de Zapata, então um dos quase 60 "prisioneiros de consciência" de Cuba listados pela Anistia Internacional, se estendia praticamente sem repercussão externa. Mas, a poucos momentos da chegada do presidente Luiz Inácio Lula da Silva a Cuba, em fevereiro, ele morreu, após quase três meses de jejum.
"O histórico de direitos humanos em Cuba não tem melhorado desde 2003", afirma Nik Steinberg, encarregado de monitorar a situação do país na ONG Human Rights Watch, em referência ao ano que Lula chegou à Presidência.
"O governo continua impondo o conformismo político com espancamentos, assédio, detenções de curto e longo prazo, falta de oportunidade de trabalho e outras táticas. O governo Raúl Castro prendeu dezenas de pessoas por exercitar suas liberdades fundamentais e permitiu vários outros prisioneiros políticos presos sob Fidel a continuar detidos."
Por outro lado, Steinberg critica o embargo econômico americano, que, segundo ele, prejudica a população cubana, gera solidariedade ao regime castrista e isola os EUA diplomaticamente. Para o analista, a pressão externa não tem funcionado em parte por falta de coordenação entre Washington, Europa e América Latina.
A cubano-americana Marifeli Pérez-Stable, do influente think tank americano Inter-American Dialogue, afirma que é favorável a abordagens como as de Brasil e Espanha para lidar com Cuba. No entanto, avalia que há limites na estratégia.
"O regime não tem como reagir de forma inteligente a uma medida como essa de Zapata", afirma. E quando desenlaces como o de Zapata ocorrem, diz, a "linha dura do exterior dá as mãos à linha dura do regime" para que nada aconteça, prejudicando o ensaio de reaproximação entre EUA e Cuba, peça central do xadrez.
À morte do dissidente seguiu-se um novo protesto: o jejum do opositor Guillermo Fariñas em louvor a Zapata e pela libertação de 26 presos políticos que estariam doentes. Questionado, Lula atacou o jejum, dizendo que greve de fome não pode ser "pretexto" para obter libertações.
Manuel Desdín, fundador da revista on-line "Cubaencuentro", baseada em Madri, diz que o Brasil falha ao não ser mais duro em momentos críticos. "Lula tem tentado se manter à margem dos temas dos direitos humanos em Cuba, talvez cultivando uma posição de mediador com uma equidistância dos EUA e de Venezuela, Bolívia e Cuba", afirma.
"Essa posição pode ser mantida enquanto não haja situações extremas, como a atual, em que a rebelião pacífica em favor da liberação dos presos políticos alcança tons trágicos. Não vale dizer que não sabe quem é A ou B. Nenhum criminoso sacrificaria a vida por presos de consciência", diz.


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