São Paulo, segunda-feira, 14 de março de 2011

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TRAGÉDIA NO JAPÃO

Casal de idosos escapa minutos antes de mar de lama cobrir bairro

Em comunidade pesqueira, habitantes seguiram orientação do governo para tsunamis; ninguém morreu

Região nordeste ainda está isolada do resto do Japão, com estradas fechadas e longas filas nos postos de gasolina

DO ENVIADO A NAKAMINATO (JAPÃO)

A professora aposentada Kasuko Kurosawa, 75, nunca havia presenciado um tsunami. Mas, quando a onda gigante chegou a Nakaminato, na última sexta-feira, ela sabia exatamente o que fazer.
Kurosawa e o marido moram a cerca de cem metros do cais dessa pequena comunidade pesqueira localizada 250 km ao sul de Sendai, a cidade mais atingida pelas ondas gigantes.
Os barcos virados e os carros empilhados tão longe do epicentro revelam o enorme alcance do maior terremoto registrado pelo Japão.
Os dois estavam em sua casa quando ocorreu o terremoto, pouco antes das 15h. Em seguida, os alto-falantes da vila avisaram sobre o risco de tsunami.
Kurosawa diz que agiu como previsto pelo treinamento fornecido pelo governo: o casal agarrou uma mochila previamente preparada com barras energéticas, água, roupa e bolinhos de arroz e caminhou 500 metros até a escola, o prédio mais próximo da vizinhança.
Minutos depois, um mar de lama cobriu o bairro em cerca de meio metro, arrastando, barcos, carros e muito entulho.

ESPÍRITO DO JAPÃO
Dois dias após o tsunami, a região está bastante limpa, e a maioria já dorme em casa, embora ainda faltem água e luz. Na rua principal, o lixo empilhado deixa o cenário mais parecido a um fim de feira do que de tsunami.
A reportagem encontrou Kurosawa no final da tarde ontem. Com uma vitalidade que a fazia parecer dez anos mais jovem, ela e o marido limpavam o sótão enlameado. Era a última tarefa para deixar a casa, construída para aguentar terremotos, praticamente como estava antes da tragédia. Em Nakaminato, ninguém morreu.
"Todos os vizinhos nos juntamos para limpar a rua e até as casas vazias, de pessoas que estão no asilo. Esse é o espírito do Japão", afirma Kurosawa.
Apesar do esforço dos moradores, há ainda sinais da força das águas. Diante da casa de Kurosawa apareceu um escritório pré-fabricado que ninguém sabe de onde veio. Peixes de diversos tamanhos foram encontrados nos quintais e até no para-brisa de um carro.

ISOLAMENTO
A região nordeste continua bastante isolada do restante do país. Serviços de trem e avião estão interrompidos, e as duas principais rodovias de acesso à região continuam bloqueadas, desviando o trânsito para estradas secundárias.
A reportagem precisou de cerca de quatro horas para percorrer de carro uma distância que, em linha reta, é de 66 quilômetros.
No caminho, as filas nos poucos postos de gasolina ainda abertos aumentam à medida que se avança ao norte, ao epicentro -a maior tinha cerca de um quilômetro. A venda do combustível é racionada: apenas cerca de 14 litros por pessoa, o equivalente a 2.000 ienes (R$ 40).
Nas lojas de conveniência, as prateleiras de comida rápida e sanduíche frio estavam completamente vazias.
No hotel onde a reportagem se hospedou, em Mito (115 km ao norte de Tóquio), a gerência obrigava os hóspedes a assinar termo de responsabilidade isentando a empresa em caso de terremoto. O elevador estava parado -para transitar, apenas a escada de emergência. No quarto, as paredes revestidas de gesso estavam rachadas.
As réplicas do tremor não param. Só ontem à noite, o hotel da reportagem foi sacudido quatro vezes.
(FABIANO MAISONNAVE)


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