São Paulo, domingo, 14 de abril de 2002

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Ricos festejam queda do presidente

DO ENVIADO ESPECIAL A CARACAS

Chuca Taberna de Obregón, 50, mulher de um dos maiores empresários do ramo imobiliário de Caracas, é a típica venezuelana por trás da deposição do presidente Hugo Chávez.
Católica fervorosa e descendente de espanhóis, Chuca deixou que suas duas filhas fossem às manifestações de dezembro passado e a da última quinta-feira "desde que levassem celular e se o motorista as levasse e as trouxesse de volta".
O ódio de Taberna a Chávez é tamanho que, ao voltar de uma temporada em Miami na última sexta-feira, juntou-se a outros venezuelanos que hostilizaram o ex-chanceler Luis Alfonso Davila no aeroporto Simon Bolívar, nos arredores de Caracas.
Alfonso Davila perdera o cargo enquanto voltava da reunião do Grupo do Rio, na Costa Rica. Como não havia carro oficial para apanhá-lo no aeroporto e os taxistas negavam-se a levá-lo, com medo de terem seus carros depredados, o chanceler foi xingado por uma multidão que embarcava e desembarcava de vôos internacionais.
"Esse aí deveria pedir asilo em Cuba, onde moram os amigos dele", disse Chuca, referindo-se às ligações estreitas entre Chávez e o governo cubano. Para Chuca, que ocasionalmente faz trabalho voluntário na escola de sua filha mais nova, o presidente do México, Vicente Fox, é exemplo ideal do líder que a Venezuela deveria ter. "Ele é sério, um empresário de sucesso, parceiro dos maiores líderes mundiais, e não amigo de Fidel Castro. Estamos em 2002, tenho até vergonha de lembrar que os amigos do presidente do meu país são Fidel Castro e Sadam Hussein [ditador iraquiano visitado por Chávez no ano passado em Bagdá]."
A maior queixa que Chuca tem contra Chávez é seu discurso de ódio. "Esse governo jogou pobres contra ricos durante três anos. Chávez ficava repetindo aos pobres que aqueles que têm dinheiro são ladrões, desestimulando-os a trabalhar quando o trabalho é o único instrumento de ascensão social. Se Chávez era tão bom para os pobres, por que os pobres não saíram para defendê-lo?"
A mulher do empresário parece ter certa razão. Foi um fim melancólico para um governo que se propôs a exercer um diálogo direto com a massa de empobrecidos do país - que somam entre 70% e 85% da população e não estão registrados nos sindicatos que atuaram contra Chávez.
A não ser por poucos panelaços e manifestações esparsas em favor do presidente deposto em alguns bairros de Caracas e diante do quartel ao qual fora levado inicialmente, em Caracas, os pobres, a quem Chávez dizia dedicar seu governo, não saíram às ruas para defendê-lo.
No bairro humilde de El Valle, que lembra uma favela, grupos de dez a 15 manifestantes defendiam Chávez, dizendo que "os pobres estão com o presidente" e que não iriam deixá-lo cair. Centenas de pessoas assistiam a essas manifestações quietas, sem fazer nada.
""Tenho muita simpatia por Chávez e sempre vou gostar dele, mas acho que a Venezuela vai caminhar melhor com um presidente que não brigue tanto. Estamos cansados de briga", disse à Folha Mayra Fernandez, 20, uma desempregada que se diz partidária do ex-presidente. "Os ricos nunca iriam deixá-lo governar."
Durante seus três anos de governo, Chávez não conseguiu reduzir a pobreza no país. Dado o acúmulo de poder que concentrou num determinado momento de sua gestão, as camadas mais humildes esperavam algum tipo de avanço no campo social, ainda que seu discurso de cunho esquerdista fosse difuso e confuso.
Chávez assumiu o cargo em 1999 anunciando um programa de investimentos públicos de US$ 1 bilhão, especialmente para criar empregos entre os mais pobres do país. No entanto, os índices de desemprego hoje são iguais aos de três anos atrás.
A crise social acabou unindo trabalhadores formais - a maioria ligada ao setor petrolífero - a empresários. A maioria dos manifestantes que participaram do megaprotesto da quinta-feira, que acabou com a morte de ao menos 15 pessoas, era composta por uma massa adequadamente vestida de estudantes, funcionários públicos e outros que visivelmente pertenciam às classes média ou alta.


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