São Paulo, domingo, 14 de abril de 2002

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GOLPE NA VENEZUELA

Washington prefere adotar cautela na crise, mas considera a deposição um presente, diante da pressão sobre os preços do petróleo

EUA desestimularam golpe contra Chávez

DO ENVIADO ESPECIAL A CARACAS

A diplomacia e os serviços de inteligência dos Estados Unidos monitoravam desde fevereiro os movimentos para depor o presidente venezuelano Hugo Chávez. Mas funcionários norte-americanos garantem que, desta vez, a Casa Branca decidiu não só ficar de fora de um golpe militar na América Latina como também orientou opositores de Chávez a tirá-lo do poder apenas por vias democráticas.
Até agora, embora os dados disponíveis sejam insuficientes para indicar exatamente como atuaram os Estados Unidos, é possível destacar o momento que a sugestão de um golpe teria sido exposta por militares e empresários venezuelanos a autoridades norte-americanas.

Embaixadora
No dia 26 de fevereiro passado, a então embaixadora dos EUA na Venezuela, Donna Hrinak (que hoje é embaixadora americana no Brasil), despediu-se de seu posto em Caracas com uma série de conversas, públicas e privadas.
Hrinak reuniu-se com o prefeito de Caracas, Alfredo Peña, opositor de Chávez, e teve uma rápida e cordial conversa com o próprio presidente.
Em baixa nas pesquisas de opinião, Chávez apostara no fracasso da greve geral convocada naquela época. A greve foi um sucesso. O presidente tentou usar o encontro com Hrinak como sinal de sua legitimidade. Disse que os EUA não gostavam dele, mas que o respeitavam como líder legítimo.
O relacionamento de Hrinak com Chávez, dizem funcionários do governo norte-americano, fora muito mais duro do que aquele que Chávez gostaria de ter e muito mais suave do que aquele sugerido pela Casa Branca.
Naquele dia, Hrinak teve outras conversas privadas - algumas com militares, outras com empresários- antes de voltar a Washington.

Rumores
No dia 27 de fevereiro, o porta-voz do Departamento de Estado, Richard Boucher, deu consistência aos rumores de que militares venezuelanos descontentes com Chávez teriam perguntado a autoridades norte-americanas se a Casa Branca apoiaria um golpe.
"Quem quer mudanças, mudanças políticas, deve buscá-las de maneira democrática e constitucional", disse Boucher, referindo-se a uma eventual sugestão de golpe feita por militares venezuelanos.
Boucher disse ainda que "os EUA não interferem nas eleições de outros países".
Se o que dizem as autoridades norte-americanas é verdade, Chávez teria caído por seus próprios problemas, embora os EUA tenham torcido o tempo todo para que isso ocorresse.
Para a Casa Branca, sua deposição é um presente num momento em que a crise no Oriente Médio pressionava os preços de petróleo. Quarto maior produtor de petróleo do mundo, a Venezuela é a única nação americana que integra a Opep (Organização dos Países Produtores de Petróleo).
Com o fim da "revolução bolivariana" na Venezuela, terceiro fornecedor de petróleo para os EUA, os donos de refinarias nos Estados do Texas e da Louisiana, feitas especialmente para processar o tipo de petróleo venezuelano, voltam a ter um aliado em Caracas. Outros investidores norte-americanos voltam a sonhar com os preços de royalties que pagavam antes da eleição de Chávez.
Além disso, acabam os encontros incômodos de Chávez com inimigos arraigados dos EUA, como Saddam Hussein e Fidel Castro, e os rumores de uma aliança entre Chávez e os guerrilheiros das Farc. Mas nem por isso os EUA (ao menos Hrinak) apoiariam um golpe na Venezuela.
Como a queda de Chávez ficou na zona cinzenta entre a vitória popular e a ação golpista, os EUA demoraram um pouco para soltar uma nota a seus diplomatas. Mas acabou orientando-os a elogiar a calma dos militares venezuelanos e projetar um futuro otimista para o país. (MARCIO AITH)

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