São Paulo, domingo, 14 de abril de 2002

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"Estou maravilhado", diz o economista Jeffrey Sachs

SÉRGIO DÁVILA
DE NOVA YORK

"Eis uma boa chance para a Venezuela sair do buraco em que estava em relativa paz e, torçamos, respeitando o processo democrático." A opinião, dura e contundente, uma das várias que deu, é da polêmica estrela da economia da Universidade Harvard.
Trata-se de Jeffrey Sachs, um dos profetas do neoliberalismo. "O ex-presidente Hugo Chávez estava conduzindo a Venezuela em direção ao abismo". O economista falou à Folha por telefone de Cambridge (Massachusetts) minutos antes de sair para o teatro. "Soube da notícia pelo celular no avião e estou feliz, muito feliz", disse ele, empolgado. Conheça seus motivos na entrevista abaixo.

Folha - O sr. se diz "maravilhado" com a queda de Chávez. Por quê?
Jeffrey Sachs -
Maravilhado, sim. Porque o ex-presidente Hugo Chávez estava conduzindo a Venezuela direto em direção ao abismo. A economia estava em estado miserável, o direito à propriedade foi minado, a liberdade de imprensa corria risco e as medidas que ele vinha tomando eram cada vez mais arbitrárias.
Não refletia mais a vontade do povo e não estava cumprindo nenhuma das promessas que fez ao ser eleito. Chávez infelizmente reencenava um cenário político muito típico na América Latina nos últimos 30 anos, o do populismo. Ele mesmo se definiu como um "populista radical".

Folha - Sim, mas o que o ex-presidente sofreu não deixa de ser um golpe de Estado, com apoio popular, mas um golpe.
Sachs -
Exatamente, mas, para esse golpe se configurar, vai depender do que o presidente em exercício fizer nos próximos dias. Ele já disse que haverá eleições democráticas em breve, e eu acredito que vá haver mesmo. Com essa condicional, os venezuelanos terão sua vontade respeitada.
Chávez estava se tornando o governo de um homem só, colocando em xeque todas as instituições da sociedade democrática. Eu via mais riscos à democracia antes de sua queda do que agora, mesmo com toda a indefinição.

Folha - E o que o sr. acha que acontecerá daqui para a frente?
Sachs -
Bem, a Venezuela já vem decaindo há 30 anos, isso não chega a ser novidade para ninguém. É um país que viveu do petróleo e nada mais. O que aconteceu é que a população cresceu significativamente e o preço real do barril de petróleo em geral vem caindo no último quarto de século.
O resultado é que o padrão de vida caiu significativamente. Infelizmente, de novo, a Venezuela interpretou errado esse fenômeno. Ele acharam: "Nós éramos ricos, agora somos pobres, alguém deve ter roubado isso de nós". Nunca chegaram à verdadeira conclusão, que é: "Nós éramos ricos, agora somos pobres e o petróleo não vai mais garantir nosso futuro, então temos de encontrar outros meios para isso".
E isso só será alcançado com novos produtos de exportação, uma economia diversificada, investimento em educação. Claro que Chávez não estava fazendo nada a respeito disso. Ele primeiro viveu exclusivamente do petróleo e, quando os preços caíram, passou a queimar todas as reservas em moeda estrangeira.
Quando também isso acabou, a moeda local se desvalorizou e reside aí o clássico fim natural do ciclo populista: o governo cai. Por isso disse que nós já vimos esse filme várias vezes antes, o que é uma pena. O problema é que o ex-presidente não saiu deixando um novo parque industrial, competitividade, uma base diversificada da economia, como outros, em outros países latinos, até chegaram a fazer. Pelo contrário: ele afastou o capital estrangeiro.

Folha - Mas a queda dele não garante uma mudança de rumo da política econômica do país.
Sachs -
Não, por isso eis uma boa chance para a Venezuela sair do buraco em que estava em relativa paz e, torçamos, respeitando o processo democrático. Mas, é preciso dizer, não depende de uma pessoa só. Se o povo continuar vivendo dessa miragem, dessa ilusão, de que uma pessoa sozinha vai resolver os problemas, acontecerá tudo de novo.

Folha - O sr. vê possibilidade de o que aconteceu prejudicar o Brasil?
Sachs -
Não, acho que o caso de Chávez era muito particular. Estou otimista quanto ao futuro do Brasil agora, mas a continuidade da política governamental atual é fundamental. Há uma eleição vindo aí e a comunidade internacional espera que seja eleito um presidente que tenha uma política responsável, de longo prazo, que promova a produtividade.


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