São Paulo, segunda-feira, 14 de abril de 2008

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Corrida ao centro esfria a disputa política na Itália

Ao pôr de lado aliados esquerdistas, ex-comunista Veltroni abraça modelo dos EUA

O próprio Berlusconi, agora desgastado em círculos empresariais que lhe eram fiéis, modifica o discurso; votação se encerra hoje


CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A ROMA

Era uma vez a impagável disputa entre dom Camilo, o padre, e o prefeito comunista Peppone, criação do escritor e jornalista Giovanni Guareschi, historietas e filmes de enorme sucesso nos anos 50.
Sucesso certamente porque refletiam, em tom de farsa, a vida política da Itália até a queda do Muro de Berlim, caracterizada pelo predomínio da Democracia Cristã, no entanto assediada pelo poderoso Partido Comunista Italiano. Guareschi morreu em 1968, antes de que morresse também a polarização ideológica.
Hoje, Fausto Bertinotti (líder da Refundação Comunista) prefere caracterizar o amálgama entre antigos rivais com o uso de "Verlusconi", mistura dos sobrenomes de Walter Veltroni e Silvio Berlusconi, para definir os dois principais candidatos à chefia do governo nas eleições gerais iniciadas ontem e que serão encerradas hoje.
Talvez seja apenas uma vingança irônica, porque Bertinotti e seu partido foram marginalizados por Veltroni e não entraram na coligação, encabeçada pelo Partido Democrático, que apóia esse ex-comunista. Mas talvez seja também um reflexo da corrida para o centro que se tornou uma característica em quase todo o mundo.
Diz, por exemplo, o crítico literário e escritor Alberto Asor Rosa: "Veltroni acaba com o modelo clássico italiano e europeu e abraça o modelo americano". Como se sabe, nos Estados Unidos, a indiferenciação entre os dois grandes partidos é uma característica marcante, só embaçada nos anos Bush.
Sempre segundo Asor Rosa, Veltroni fez esse movimento por dois motivos: "Um é tático, o de evitar parecer-se à esquerda, que é julgada obsoleta e incapaz de reformar o país. O outro é estratégico: passar a ser não a nova esquerda, mas o centro".
Berlusconi também moderou seu discurso, talvez porque deixou de ser considerado pelos empresários italianos como um dos seus, o homem a quem apoiar sempre, por oposição à esquerda, qualquer esquerda, qualquer Peppone que tivesse sobrevivido.
"Berlusconi se esqueceu de onde vem. Perdeu o contato com o mundo da empresa. E esta política está cada vez mais longe da realidade", diz, por exemplo, Giorgio Guerrini, presidente da Confartigiano, a confederação que abriga 521 mil empresas (pequenas), de 870 setores de atividade.

Troca de posições
É sintomático que outra das crises que atingem o orgulho italiano, a da companhia aérea Alitália, tenha produzido uma troca de posições entre direita e esquerda. A direita convencional aprovaria sem hesitar a venda de uma empresa que perdeu 364 milhões de euros em 365 dias do ano passado. Mas foi a esquerda quem aprovou a proposta de vendê-la, ainda por cima para um grupo estrangeiro, liderado pela Air France (a venda foi afinal vetada pelos sindicatos, que, no entanto, pediram para a Air France retomar a negociação).
Berlusconi ainda tenta montar um grupo nacional para ficar com a companhia. Nos velhos tempos de Peppone, seria fácil saber de que lado estariam os trabalhadores. Eram tempos em que, supostamente, a classe operária iria ao paraíso. Agora, bem ao contrário, vai à greve de fome contra os próprios companheiros, os líderes.
Gianluca Morale, 23 anos como comissário de bordo da Alitália, entrou em greve de fome pela retomada da negociação com a Air France. Justifica: "Trata-se da sobrevivência da companhia. Para salvar 2.000 postos, os sindicatos põem em perigo quase 20 mil". Se tivesse vivido mais 40 anos, Guareschi seria obrigado a matar seus personagens, estranhos no ninho da nova política.


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