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Corrida ao centro esfria a disputa política na Itália
Ao pôr de lado aliados esquerdistas, ex-comunista Veltroni abraça modelo dos EUA
O próprio Berlusconi, agora desgastado em círculos empresariais que lhe eram fiéis, modifica o discurso; votação se encerra hoje
CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A ROMA
Era uma vez a impagável disputa entre dom Camilo, o padre, e o prefeito comunista
Peppone, criação do escritor e
jornalista Giovanni Guareschi,
historietas e filmes de enorme
sucesso nos anos 50.
Sucesso certamente porque
refletiam, em tom de farsa, a vida política da Itália até a queda
do Muro de Berlim, caracterizada pelo predomínio da Democracia Cristã, no entanto assediada pelo poderoso Partido
Comunista Italiano. Guareschi
morreu em 1968, antes de que
morresse também a polarização ideológica.
Hoje, Fausto Bertinotti (líder
da Refundação Comunista)
prefere caracterizar o amálgama entre antigos rivais com o
uso de "Verlusconi", mistura
dos sobrenomes de Walter Veltroni e Silvio Berlusconi, para
definir os dois principais candidatos à chefia do governo nas
eleições gerais iniciadas ontem
e que serão encerradas hoje.
Talvez seja apenas uma vingança irônica, porque Bertinotti e seu partido foram marginalizados por Veltroni e não entraram na coligação, encabeçada pelo Partido Democrático,
que apóia esse ex-comunista.
Mas talvez seja também um reflexo da corrida para o centro
que se tornou uma característica em quase todo o mundo.
Diz, por exemplo, o crítico literário e escritor Alberto Asor
Rosa: "Veltroni acaba com o
modelo clássico italiano e europeu e abraça o modelo americano". Como se sabe, nos Estados
Unidos, a indiferenciação entre
os dois grandes partidos é uma
característica marcante, só embaçada nos anos Bush.
Sempre segundo Asor Rosa,
Veltroni fez esse movimento
por dois motivos: "Um é tático,
o de evitar parecer-se à esquerda, que é julgada obsoleta e incapaz de reformar o país. O outro é estratégico: passar a ser
não a nova esquerda, mas o
centro".
Berlusconi também moderou seu discurso, talvez porque
deixou de ser considerado pelos empresários italianos como
um dos seus, o homem a quem
apoiar sempre, por oposição à
esquerda, qualquer esquerda,
qualquer Peppone que tivesse
sobrevivido.
"Berlusconi se esqueceu de
onde vem. Perdeu o contato
com o mundo da empresa. E esta política está cada vez mais
longe da realidade", diz, por
exemplo, Giorgio Guerrini,
presidente da Confartigiano, a
confederação que abriga 521
mil empresas (pequenas), de
870 setores de atividade.
Troca de posições
É sintomático que outra das
crises que atingem o orgulho
italiano, a da companhia aérea
Alitália, tenha produzido uma
troca de posições entre direita e
esquerda. A direita convencional aprovaria sem hesitar a
venda de uma empresa que
perdeu 364 milhões de euros
em 365 dias do ano passado.
Mas foi a esquerda quem aprovou a proposta de vendê-la, ainda por cima para um grupo estrangeiro, liderado pela Air
France (a venda foi afinal vetada pelos sindicatos, que, no entanto, pediram para a Air France retomar a negociação).
Berlusconi ainda tenta montar um grupo nacional para ficar com a companhia. Nos velhos tempos de Peppone, seria
fácil saber de que lado estariam
os trabalhadores. Eram tempos
em que, supostamente, a classe
operária iria ao paraíso. Agora,
bem ao contrário, vai à greve de
fome contra os próprios companheiros, os líderes.
Gianluca Morale, 23 anos como comissário de bordo da Alitália, entrou em greve de fome
pela retomada da negociação
com a Air France. Justifica:
"Trata-se da sobrevivência da
companhia. Para salvar 2.000
postos, os sindicatos põem em
perigo quase 20 mil". Se tivesse
vivido mais 40 anos, Guareschi
seria obrigado a matar seus
personagens, estranhos no ninho da nova política.
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