São Paulo, domingo, 14 de maio de 2000


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DEMOCRACIA EM CRISE
Regras do jogo tendem a ser mudadas com o objetivo de beneficiar os governantes de turno
Insatisfação leva a uma onda de "populismo iliberal"

DO CONSELHO EDITORIAL

A consequência lógica da insatisfação com o funcionamento da democracia é o surgimento do que dois pesquisadores especializados na região consultados pela Folha batizam de "democracia iliberal" (ou "populismo iliberal").
Um deles, Kenneth Maxwell, diretor de Estudos Latino-Americanos do Council on Foreign Relations (Nova York), descreve a "democracia iliberal" como, entre outras coisas, a tendência a mudar as regras do jogo para beneficiar o governante de turno, como aconteceu no Peru, na Argentina, na Venezuela, mas também no Brasil (a introdução da reeleição).
Elabora Francisco Panizza, pesquisador de Política Latino-Americana da London School of Economics, do Reino Unido:
"Vários países estão experimentando a volta do populismo. Não o populismo tradicional e, sim, uma nova expressão dele. Embora o populismo tenha um componente autoritário (claro, por exemplo, no caso de Fujimori, presidente do Peru), é um fenômeno diferente já que tem uma pretensão de legitimidade democrática ausente, por exemplo, nas ditaduras militares".
A pretensão de legitimidade, prossegue Panizza, busca "uma interpelação direta ao povo, que não passa pelos canais de representação política próprios da democracia liberal".
Segunda consequência da insatisfação com o funcionamento da democracia, igualmente apontada por Maxwell: "O cansaço com os governantes de turno". Ele cita os casos de Chile e Peru, em que, apesar das previsões iniciais, amplamente favoráveis ao situacionismo, "a disputa foi apertada, como parece estar agora ocorrendo também no México".
Maxwell poderia acrescentar o caso da Argentina, em que o "cansaço" com o governo deu a vitória à oposição.
Mas há muitos outros fatores que os especialistas apontam para a insatisfação.
"As instituições democráticas são frágeis em muitos países, especialmente os andinos", diz Lowell Fleischer, do programa Américas do Centro para Estudos Estratégicos Internacionais (EUA).
Completa: "Não há, por exemplo, o conceito de "accountability", uma palavra que sequer existe em português ou espanhol". De fato, a tradução mais próxima para ela é "prestação de contas".
Alan Angell, do Centro Latino-Americano do St. Anthony's College da universidade britânica de Oxford, prefere ver "exemplos encorajadores" na recente evolução política da região, como a eleição de um presidente socialista no Chile e o fracasso do argentino Carlos Menem no seu desejo de re-reeleição.
Ainda assim, Angell concorda que "há claramente problemas com a democracia latino-americana, entre eles sistemas constitucionais que dão excessivo poder ao presidente, sistemas partidários insuficientemente representativos e um Judiciário e uma polícia que necessitam de muitas reformas".
A maioria dos consultados, em todo o caso, confina os problemas com a democracia à região andina. Caso, por exemplo, de Riordan Roett (John Hopkins University, de Washington) e Cynthia McClintock (Universidade George Washington).
Elabora Cynthia: "O que complica a situação nos Andes é, primeiro, a guerra das drogas. Depois, há o problema das clivagens social e geográfica, que se sobrepõem. Há uma forte correlação entre classe social, etnia e localização geográfica. Em outras palavras, as pessoas ricas tendem a ser caucasianas (brancas) e viver na capital; os pobres tendem a ser indígenas e a viver em remotos vilarejos das montanhas".
Reforça Roett: "A presença de uma grande população indígena na Bolívia, no Peru e no Equador apresenta um problema particularmente difícil de integração regional. Há uma sensação, nos países andinos, de que, com reformas ou sem elas, a vida é mais difícil, e os pobres estão mais pobres e mais marginalizados".
A pesquisa do Latinobarômetro parece demonstrar que essa sensação de ter ficado à margem do progresso econômico, com ou sem reformas, dissemina-se muito além dos Andes. (CLÓVIS ROSSI)


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