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DEMOCRACIA EM CRISE
Regras do jogo tendem a ser mudadas com o objetivo de beneficiar os governantes de turno
Insatisfação leva a uma onda de "populismo iliberal"
DO CONSELHO EDITORIAL
A consequência lógica da insatisfação com o funcionamento da
democracia é o surgimento do
que dois pesquisadores especializados na região consultados pela
Folha batizam de "democracia iliberal" (ou "populismo iliberal").
Um deles, Kenneth Maxwell, diretor de Estudos Latino-Americanos do Council on Foreign Relations (Nova York), descreve a
"democracia iliberal" como, entre
outras coisas, a tendência a mudar as regras do jogo para beneficiar o governante de turno, como
aconteceu no Peru, na Argentina,
na Venezuela, mas também no
Brasil (a introdução da reeleição).
Elabora Francisco Panizza, pesquisador de Política Latino-Americana da London School of Economics, do Reino Unido:
"Vários países estão experimentando a volta do populismo. Não
o populismo tradicional e, sim,
uma nova expressão dele. Embora o populismo tenha um componente autoritário (claro, por
exemplo, no caso de Fujimori,
presidente do Peru), é um fenômeno diferente já que tem uma
pretensão de legitimidade democrática ausente, por exemplo, nas
ditaduras militares".
A pretensão de legitimidade,
prossegue Panizza, busca "uma
interpelação direta ao povo, que
não passa pelos canais de representação política próprios da democracia liberal".
Segunda consequência da insatisfação com o funcionamento da
democracia, igualmente apontada por Maxwell: "O cansaço com
os governantes de turno". Ele cita
os casos de Chile e Peru, em que,
apesar das previsões iniciais, amplamente favoráveis ao situacionismo, "a disputa foi apertada,
como parece estar agora ocorrendo também no México".
Maxwell poderia acrescentar o
caso da Argentina, em que o "cansaço" com o governo deu a vitória
à oposição.
Mas há muitos outros fatores
que os especialistas apontam para
a insatisfação.
"As instituições democráticas
são frágeis em muitos países, especialmente os andinos", diz Lowell Fleischer, do programa Américas do Centro para Estudos Estratégicos Internacionais (EUA).
Completa: "Não há, por exemplo, o conceito de "accountability",
uma palavra que sequer existe em
português ou espanhol". De fato,
a tradução mais próxima para ela
é "prestação de contas".
Alan Angell, do Centro Latino-Americano do St. Anthony's College da universidade britânica de
Oxford, prefere ver "exemplos encorajadores" na recente evolução
política da região, como a eleição
de um presidente socialista no
Chile e o fracasso do argentino
Carlos Menem no seu desejo de
re-reeleição.
Ainda assim, Angell concorda
que "há claramente problemas
com a democracia latino-americana, entre eles sistemas constitucionais que dão excessivo poder
ao presidente, sistemas partidários insuficientemente representativos e um Judiciário e uma polícia que necessitam de muitas reformas".
A maioria dos consultados, em
todo o caso, confina os problemas
com a democracia à região andina. Caso, por exemplo, de Riordan Roett (John Hopkins University, de Washington) e Cynthia
McClintock (Universidade George Washington).
Elabora Cynthia: "O que complica a situação nos Andes é, primeiro, a guerra das drogas. Depois, há o problema das clivagens
social e geográfica, que se sobrepõem. Há uma forte correlação
entre classe social, etnia e localização geográfica. Em outras palavras, as pessoas ricas tendem a ser
caucasianas (brancas) e viver na
capital; os pobres tendem a ser indígenas e a viver em remotos vilarejos das montanhas".
Reforça Roett: "A presença de
uma grande população indígena
na Bolívia, no Peru e no Equador
apresenta um problema particularmente difícil de integração regional. Há uma sensação, nos países andinos, de que, com reformas ou sem elas, a vida é mais difícil, e os pobres estão mais pobres
e mais marginalizados".
A pesquisa do Latinobarômetro
parece demonstrar que essa sensação de ter ficado à margem do
progresso econômico, com ou
sem reformas, dissemina-se muito além dos Andes.
(CLÓVIS ROSSI)
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