São Paulo, domingo, 14 de maio de 2000


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Para analistas, reforma neoliberal é incapaz de levar igualdade à AL

DO CONSELHO EDITORIAL

A desaprovação às privatizações, um pouco o símbolo maior das reformas neoliberais adotadas pelos países latino-americanos na década de 90, parece consequência do fato de que elas foram incapazes de quebrar a desigualdade social que é a chaga aberta na região.
Culpa do modelo? Sim, acha Edward Luttwak, pesquisador de Diplomacia Preventiva para o Centro para Estudos Estratégicos Internacionais.
O teorema de Luttwak é completo: primeiro, lembra que o modelo neoliberal agravou a desigualdade mesmo no país-símbolo dele, os Estados Unidos.
Depois, aponta os fatores que fazem com que o modelo seja aceito nos EUA, mas que inexistem na América Latina, a saber:
1) "Nos EUA, o sistema jurídico pune os excessos, como no caso Microsoft" (a Justiça determinou a divisão da empresa). No Brasil, diz o pesquisador, "a Microsoft seria dona da Presidência da República";
2) "Os norte-americanos são calvinistas e, como tais, se são perdedores, culpam a si mesmos. Na América Latina católica, os perdedores culpam o sistema";
3) o sistema penal norte-americano funciona. "Os perdedores não calvinistas vão para a cadeia (já são 2 milhões), assim como vão para a cadeia os que deixam de pagar impostos". Luttwak diz que, dos 8.000 prisioneiros de instituições federais, 25% lá estão por evasão de impostos, situação impensável na América Latina.
Mas Luttwak está no extremo do leque de opiniões sobre as reformas neoliberais. A maioria dos consultados pela Folha aponta nelas apenas insuficiências, não incapacidade para resolver o problema da desigualdade.
"As sociedades latino-americanas, em especial a brasileira, eram altamente desiguais e com altos níveis de pobreza antes da implementação das novas políticas", lembra Alan Angell (Oxford).
Nancy Birdsall (do Instituto Carnegie para a Paz Internacional) prefere atribuir a insatisfação "à incapacidade das reformas para atender a classe média". Birdsall acha que "as reformas pró-mercado ajudaram os mais pobres (especialmente por eliminar a hiperinflação) e os 10% dos lares cujos adultos têm educação universitária", mas a classe média "sente-se frustrada".
Corolário inevitável: "A democracia liberal depende, em última instância, da classe média. Ou seja, está ainda assentada sobre uma frágil e insegura classe média".
Francisco Panizza (London School of Economics) lembra outro fator de insatisfação: "O crescimento econômico (que é condição necessária mas não suficiente para aliviar a pobreza) tem sido errático e insuficiente".
Para Panizza, "a pobreza é um problema que vai muito além das questões puramente econômicas. Sua superação requer estratégias de requalificação profissional, criação e expansão de novos bens coletivos como a Internet".
Na mesma direção vai Riordan Roett (John Hopkins University): "Há estudos suficientes para demonstrar que a desigualdade e a pobre distribuição de renda na região estão diretamente vinculadas ao déficit educacional. Os latino-americanos não são suficientemente educados para competir".
Mas há quem ache que as reformas neoliberais acabaram sendo pura e simplesmente desperdiçadas. Caso de Kenneth Maxwell (Council on Foreign Relations). "Supunha-se que as políticas liberais forneceriam os meios para que os governos cumprissem a obrigação de prover serviços e segurança pessoal melhoradas. Em vez disso, os recursos da privatização foram usados para pagar dívidas ou cobrir o alto custo de juros de mais endividamento."
Pior: "A oportunidade não voltará, pois as privatizações foram negócio de uma única vez. As pessoas entendem isso muito mais do que pensam os políticos".
O item da pesquisa Latinobarômetro sobre privatizações parece dar razão a Maxwell.
(CR)


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