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São Paulo, quarta-feira, 14 de maio de 2003

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COMENTÁRIO

O carma da fuga às responsabilidades

DO ENVIADO ESPECIAL

É tão rocambolesca a realidade argentina que ela não permite festejos pelo candidato beneficiado pela renúncia do rival, o que lhe dá o direito de ocupar a Casa Rosada sem precisar disputar o segundo turno. Ao contrário, reclama do que o seu assessor de imprensa, Miguel Núñez, define como o "carma" da fuga às responsabilidades.
É uma alusão ao fato de que, segundo Néstor Kirchner, alçado de repente à Presidência da Argentina, está se tornando comum o fato de que os responsáveis "pelos danos impostos ao país" fujam às responsabilidades, como aconteceu com Fernando de la Rúa, que renunciou em dezembro de 2001, e agora com Carlos Saúl Menem.
Kirchner poderia acrescentar à lista o ex-presidente Raúl Alfonsín (1983-89), forçado a abandonar a Casa Rosada seis meses antes da data constitucional, sitiado por saques aos comércios provocados pela hiperinflação.
Ou a renúncia à Vice-Presidência de Carlos "Chacho" Álvarez, eleito com Fernando de la Rúa (1999-2001), mas que abandonou o posto em protesto contra o suborno de senadores para aprovar uma nova legislação trabalhista.
No fundo, o "carma" das renúncias, se somado ao dos golpes militares, ajuda a entender a decadência argentina: desde que Hipólito Yrigoyen foi deposto no dia 6 de setembro do remotíssimo ano de 1930, apenas o próprio Menem, entre os presidentes democraticamente eleitos, conseguiu completar o seu mandato (dois, na verdade, entre 1989 e 1999).
Como se esses dramáticos antecedentes já não fossem desconfortáveis, Kirchner enfrenta um desconforto adicional: tornar-se presidente tendo obtido apenas 4,3 milhões de votos ou 22,24% no primeiro turno, que acabou sendo o único. Essa circunstância fragiliza qualquer governante.
Ainda mais quando se considera que todas as pesquisas para o segundo turno indicavam que Kirchner terminaria eleito de qualquer forma no domingo, com uma votação muito provavelmente recorde, na altura dos 70%.
A palavra de ordem no QG de Kirchner é "não dramatizar" a renúncia de Menem. Ou seja, não aceitar o recorrente comentário dos analistas argentinos no sentido de que, de alguma maneira, a renúncia de Menem deslegitimiza a vitória de Kirchner.
"Ele vai se legitimar no exercício cotidiano do interesse público", reage, por exemplo, o deputado Sérgio Acevedo, que Kirchner gostaria de indicar para liderar a bancada peronista na Câmara de Deputados. (CR).


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