São Paulo, domingo, 14 de maio de 2006

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MÍDIA

Robert Fisk, especialista em Oriente Médio, afirma que jornais não são confiáveis e aponta Paquistão como maior ameaça mundial

Imprensa foge da controvérsia, diz jornalista

SYLVIA COLOMBO
EDITORA DO FOLHATEEN

Robert Fisk, 59, não usa e-mail, não confia nos noticiários da internet nem nos blogs. "Para que serve todo esse lixo?" Jornais, só lê os de papel, que compra na banca mais próxima, seja qual for o país em que estiver. Mesmo assim, não dá muita bola para o que dizem. "O jornalismo está cada vez mais covarde depois do 11 de Setembro", diz o repórter do diário britânico "The Independent".
O jornalista surge para dar entrevista à Folha com uma pasta vermelha debaixo do braço. Dentro dela, recortes recentes de jornais com marcações à caneta. "São exemplos que recolhi de como os jornalistas viraram parasitários dos governos."
Radicado em Beirute, no Líbano, há 30 anos, Fisk é especialista em Oriente Médio. Cobriu a Revolução Islâmica no Irã (1979), a guerra entre Irã e Iraque (1980-88), a Guerra do Golfo (1990), de Kosovo (1999) e, recentemente, a do Iraque. Hoje, entretanto, passa menos tempo no front do que viajando pelo mundo para dar palestras sobre sua experiência, que transformou no livro "The Great War for Civilisation", recém-publicado no Reino Unido, mas sem data para sair aqui no Brasil.
Fisk esteve em São Paulo para participar da mesa "Os Limites da Reportagem", no Fórum Folha de Jornalismo, na última quinta-feira. No dia anterior, recebeu a Folha para uma entrevista. Leia os principais trechos abaixo.

 

Folha - Você diz que anda descrente com o jornalismo, mas dá palestras sobre ele. Por quê?
Robert Fisk -
Porque os jornais já não são mais uma fonte de informação confiável. Nos EUA, minhas palestras estão sempre cheias. E não é porque sou eu quem está falando, mas porque os norte-americanos estão percebendo que não podem confiar no que o "New York Times" ou o "Los Angeles Times" oferecem. Sabem que algo diferente do que estão vendo na CNN ou na Fox está acontecendo. E, para acessar outra versão, têm de buscar a mídia independente, ou estrangeira.

Folha - Por que você não usa internet?
Fisk -
Não gosto, não uso nem e-mail. Meus colegas se vangloriam de que, com a internet, conseguem ler todos os jornais importantes do mundo antes das 11h da manhã. E eu respondo: "Às 11h da manhã eu já fiz entrevistas e estou escrevendo meu artigo para o jornal". Quem precisa ler todos esses jornais? Para que todo esse lixo?

Folha - Mas essa resistência à internet é ideológica?
Fisk -
Não, eu só penso que não é um meio confiável. Por exemplo, existe um site sobre Robert Fisk que está cheio de absurdos. Lá diz que eu falo árabe, e eu não falo. Os blogs, então, falam qualquer coisa. As pessoas dizem coisas lá que não podem afirmar no papel. Se o fizerem, vão parar nos tribunais.

Folha - Mas os blogs não são uma alternativa justamente a esse jornalismo em que você diz que as pessoas não confiam mais?
Fisk -
Poderiam, mas não são. Porque, se você os imprimir, as pessoas que escreveram aquilo muitas vezes vão ter de ser julgadas, pois não podem provar o que está lá. Eles não usam as mesmas regras. No seu blog você poderia dizer que me entrevistou na Lua e não neste hotel. E tudo bem. Mas escreva isso no jornal. Você teria problemas. Ou não? (risos).

Folha - Mas você não acha positivo que as pessoas estejam mais interessadas em notícias depois do 11 de Setembro?
Fisk -
Sim, acho que esse interesse aumentou e é importante, mas a verdade é que elas não estão sendo abastecidas. Ainda que os meios tenham se multiplicado com a internet, os blogs etc. As pessoas estão recebendo, na verdade, a versão dos governos para os fatos. É só folhear os jornais e ver quantas vezes expressões como "segundo fontes oficiais" ou "as autoridades disseram" aparecem em quase todos os textos.

Folha - Por que isso?
Fisk -
Os jornalistas não querem falar de assuntos controversos. Principalmente nos EUA. Eles têm de pagar suas contas. E há a visão de que não se pode dar opiniões. Por que tem de se dar espaço igual aos dois lados? É possível dar 50% de voz aos nazistas quando se fala do Holocausto? Se assisto a um massacre, e já assisti a vários, eu digo que achei um absurdo. Eu tenho que poder dizer que aquilo é um absurdo. Senão, o que faço não tem sentido.

Folha - Qual a imprensa mais livre no mundo hoje?
Fisk -
A britânica não está mal, o "Guardian" e o "Independent" fazem um bom trabalho. Não conheço a latino-americana. Gosto muito da francesa, do "Le Monde" principalmente. A alemã é tão terrível quanto a árabe. Já a Al Jazira adiciona uma nova dimensão na região, é bom que exista, mas você também não pode confiar. Ela só é boa se você assistir junto à Fox News, pois aí a balança vai ficar quase equilibrada e provavelmente você terá alguma idéia do que acontece (risos).

Folha - Você é otimista com relação ao jornalismo?
Fisk -
Bem, eu ainda leio... Mas não entendo por que é tão difícil fazer o mais fácil, que é escrever o que realmente acontece. O mundo não acaba se você faz as coisas direito. E eu cobri o Oriente Médio a maior parte da minha carreira, um lugar perigoso. Os jornalistas têm medo. Eles transformam um território ocupado num território "disputado", uma colônia num "assentamento".

Folha - São eufemismos.
Fisk -
Pior do que eufemismos, isso é dessemantizar a história, degradar a linguagem. E assim você afasta as razões da violência, transformando uma parte dos envolvidos num bando de animais.

Folha - E nos acadêmicos norte-americanos, em geral, você confia?
Fisk -
O mundo acadêmico sempre é mais crítico com o governo. Mas o que eles fazem? Mandam e-mail uns para os outros, falam mal do Bush, da guerra, mas não vão conversar com as pessoas.

Folha - Por que?
Fisk -
Porque são acadêmicos, têm anos de profissão para defender e artigos imensos e impossíveis de ler para escrever.

Folha - O que você achou da carta que o presidente iraniano, Mahmoud Ahmadinejad, mandou para o governo norte-americano?
Fisk -
Os argumentos dele são interessantes. As pessoas deveriam ler o texto. O que ele pergunta, basicamente, é como os norte-americanos podem defender a democracia e, ao mesmo tempo, permitir coisas como as que estão acontecendo no Iraque. Ahmadinejad levanta boas questões pertinentes à realidade do mundo árabe. Não acho que Bush saberia formular um discurso articulado como o dele, caso ele soubesse escrever.

Folha - Mas você concorda com o que ele diz sobre o Holocausto?
Fisk -
Não, aquilo é absurdo e ofensivo. Não apenas porque não há dúvidas de que o Holocausto aconteceu, mas também porque, mesmo que só um judeu, e não milhões, tivesse sido morto apenas pelo fato de ser judeu, já seria algo terrível.

Folha - Você acha que cobrirá uma guerra no Irã logo?
Fisk -
Não, porque não haverá guerra no Irã. Os americanos perderam a Guerra do Iraque. O que ninguém diz é que o Estado extremista islâmico realmente perigoso no mundo hoje é o Paquistão. O país está lotado de simpatizantes do Taleban, e eles têm a bomba. Por que o Paquistão nunca é sequer mencionado? Porque são aliados dos EUA. Pervez Musharraf é o ditador preferido dos EUA.
Agora, será possível que os americanos possam ir, geração após geração, ameaçar países que não podem, a seus olhos, ter poder nuclear ou porque têm a religião errada ou porque têm as caras mais amarelas ou as barbas mais compridas?

Folha - Você vive no Líbano há 30 anos. Como é a vida lá hoje?
Fisk -
Comparada aos anos da guerra, é um sonho. Mas ainda é um lugar perigoso. Depois da morte de Rafik Hariri [premiê libanês, assassinado em fevereiro de 2005], o clima piorou. Eu o vi queimando e morrendo perto de mim. Curiosamente eu estava em Londres cinco meses depois, no dia dos atentados [7 de julho], dentro de uma estação de metrô, indo para Heathrow pegar um avião. Em momentos como esses, eu penso "sou eu ou é o mundo?" (risos).

Folha - Mas você aceitaria virar correspondente num lugar como o Brasil, por exemplo?
Fisk -
Não, acharia muito chato (risos). Não por ser o Brasil. Acho que para quem está envolvido com temas da América Latina seria fantástico. Mas eu construí minha carreira no Oriente Médio e em lugares de conflito, o que não me parece ser o caso por aqui.


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