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MÍDIA
Robert Fisk, especialista em Oriente Médio, afirma que jornais não são confiáveis e aponta Paquistão como maior ameaça mundial
Imprensa foge da controvérsia, diz jornalista
SYLVIA COLOMBO
EDITORA DO FOLHATEEN
Robert Fisk, 59, não usa e-mail,
não confia nos noticiários da internet nem nos blogs. "Para que
serve todo esse lixo?" Jornais, só lê
os de papel, que compra na banca
mais próxima, seja qual for o país
em que estiver. Mesmo assim, não
dá muita bola para o que dizem.
"O jornalismo está cada vez mais
covarde depois do 11 de Setembro", diz o repórter do diário britânico "The Independent".
O jornalista surge para dar entrevista à Folha com uma pasta
vermelha debaixo do braço. Dentro dela, recortes recentes de jornais com marcações à caneta.
"São exemplos que recolhi de como os jornalistas viraram parasitários dos governos."
Radicado em Beirute, no Líbano, há 30 anos, Fisk é especialista
em Oriente Médio. Cobriu a Revolução Islâmica no Irã (1979), a
guerra entre Irã e Iraque (1980-88), a Guerra do Golfo (1990), de
Kosovo (1999) e, recentemente, a
do Iraque. Hoje, entretanto, passa
menos tempo no front do que viajando pelo mundo para dar palestras sobre sua experiência, que
transformou no livro "The Great
War for Civilisation", recém-publicado no Reino Unido, mas sem
data para sair aqui no Brasil.
Fisk esteve em São Paulo para
participar da mesa "Os Limites da
Reportagem", no Fórum Folha de
Jornalismo, na última quinta-feira. No dia anterior, recebeu a Folha para uma entrevista. Leia os
principais trechos abaixo.
Folha - Você diz que anda descrente com o jornalismo, mas dá
palestras sobre ele. Por quê?
Robert Fisk - Porque os jornais já
não são mais uma fonte de informação confiável. Nos EUA, minhas palestras estão sempre
cheias. E não é porque sou eu
quem está falando, mas porque os
norte-americanos estão percebendo que não podem confiar no
que o "New York Times" ou o
"Los Angeles Times" oferecem.
Sabem que algo diferente do que
estão vendo na CNN ou na Fox está acontecendo. E, para acessar
outra versão, têm de buscar a mídia independente, ou estrangeira.
Folha - Por que você não usa internet?
Fisk - Não gosto, não uso nem e-mail. Meus colegas se vangloriam
de que, com a internet, conseguem ler todos os jornais importantes do mundo antes das 11h da
manhã. E eu respondo: "Às 11h da
manhã eu já fiz entrevistas e estou
escrevendo meu artigo para o jornal". Quem precisa ler todos esses
jornais? Para que todo esse lixo?
Folha - Mas essa resistência à internet é ideológica?
Fisk - Não, eu só penso que não é
um meio confiável. Por exemplo,
existe um site sobre Robert Fisk
que está cheio de absurdos. Lá diz
que eu falo árabe, e eu não falo. Os
blogs, então, falam qualquer coisa. As pessoas dizem coisas lá que
não podem afirmar no papel. Se o
fizerem, vão parar nos tribunais.
Folha - Mas os blogs não são uma
alternativa justamente a esse jornalismo em que você diz que as
pessoas não confiam mais?
Fisk - Poderiam, mas não são.
Porque, se você os imprimir, as
pessoas que escreveram aquilo
muitas vezes vão ter de ser julgadas, pois não podem provar o que
está lá. Eles não usam as mesmas
regras. No seu blog você poderia
dizer que me entrevistou na Lua e
não neste hotel. E tudo bem. Mas
escreva isso no jornal. Você teria
problemas. Ou não? (risos).
Folha - Mas você não acha positivo que as pessoas estejam mais interessadas em notícias depois do
11 de Setembro?
Fisk - Sim, acho que esse interesse aumentou e é importante, mas
a verdade é que elas não estão sendo abastecidas. Ainda que os
meios tenham se multiplicado
com a internet, os blogs etc. As
pessoas estão recebendo, na verdade, a versão dos governos para
os fatos. É só folhear os jornais e
ver quantas vezes expressões como "segundo fontes oficiais" ou
"as autoridades disseram" aparecem em quase todos os textos.
Folha - Por que isso?
Fisk - Os jornalistas não querem
falar de assuntos controversos.
Principalmente nos EUA. Eles
têm de pagar suas contas. E há a
visão de que não se pode dar opiniões. Por que tem de se dar espaço igual aos dois lados? É possível
dar 50% de voz aos nazistas quando se fala do Holocausto? Se assisto a um massacre, e já assisti a vários, eu digo que achei um absurdo. Eu tenho que poder dizer que
aquilo é um absurdo. Senão, o que
faço não tem sentido.
Folha - Qual a imprensa mais livre
no mundo hoje?
Fisk - A britânica não está mal, o
"Guardian" e o "Independent" fazem um bom trabalho. Não conheço a latino-americana. Gosto
muito da francesa, do "Le Monde" principalmente. A alemã é tão
terrível quanto a árabe. Já a Al Jazira adiciona uma nova dimensão
na região, é bom que exista, mas
você também não pode confiar.
Ela só é boa se você assistir junto à
Fox News, pois aí a balança vai ficar quase equilibrada e provavelmente você terá alguma idéia do
que acontece (risos).
Folha - Você é otimista com relação ao jornalismo?
Fisk - Bem, eu ainda leio... Mas
não entendo por que é tão difícil
fazer o mais fácil, que é escrever o
que realmente acontece. O mundo não acaba se você faz as coisas
direito. E eu cobri o Oriente Médio a maior parte da minha carreira, um lugar perigoso. Os jornalistas têm medo. Eles transformam
um território ocupado num território "disputado", uma colônia
num "assentamento".
Folha - São eufemismos.
Fisk - Pior do que eufemismos,
isso é dessemantizar a história,
degradar a linguagem. E assim
você afasta as razões da violência,
transformando uma parte dos envolvidos num bando de animais.
Folha - E nos acadêmicos norte-americanos, em geral, você confia?
Fisk - O mundo acadêmico sempre é mais crítico com o governo.
Mas o que eles fazem? Mandam e-mail uns para os outros, falam
mal do Bush, da guerra, mas não
vão conversar com as pessoas.
Folha - Por que?
Fisk - Porque são acadêmicos,
têm anos de profissão para defender e artigos imensos e impossíveis de ler para escrever.
Folha - O que você achou da carta
que o presidente iraniano, Mahmoud Ahmadinejad, mandou para
o governo norte-americano?
Fisk - Os argumentos dele são interessantes. As pessoas deveriam
ler o texto. O que ele pergunta, basicamente, é como os norte-americanos podem defender a democracia e, ao mesmo tempo, permitir coisas como as que estão acontecendo no Iraque. Ahmadinejad
levanta boas questões pertinentes
à realidade do mundo árabe. Não
acho que Bush saberia formular
um discurso articulado como o
dele, caso ele soubesse escrever.
Folha - Mas você concorda com o
que ele diz sobre o Holocausto?
Fisk - Não, aquilo é absurdo e
ofensivo. Não apenas porque não
há dúvidas de que o Holocausto
aconteceu, mas também porque,
mesmo que só um judeu, e não
milhões, tivesse sido morto apenas pelo fato de ser judeu, já seria
algo terrível.
Folha - Você acha que cobrirá
uma guerra no Irã logo?
Fisk - Não, porque não haverá
guerra no Irã. Os americanos perderam a Guerra do Iraque. O que
ninguém diz é que o Estado extremista islâmico realmente perigoso no mundo hoje é o Paquistão.
O país está lotado de simpatizantes do Taleban, e eles têm a bomba. Por que o Paquistão nunca é
sequer mencionado? Porque são
aliados dos EUA. Pervez Musharraf é o ditador preferido dos EUA.
Agora, será possível que os
americanos possam ir, geração
após geração, ameaçar países que
não podem, a seus olhos, ter poder nuclear ou porque têm a religião errada ou porque têm as caras mais amarelas ou as barbas
mais compridas?
Folha - Você vive no Líbano há 30
anos. Como é a vida lá hoje?
Fisk - Comparada aos anos da
guerra, é um sonho. Mas ainda é
um lugar perigoso. Depois da
morte de Rafik Hariri [premiê libanês, assassinado em fevereiro
de 2005], o clima piorou. Eu o vi
queimando e morrendo perto de
mim. Curiosamente eu estava em
Londres cinco meses depois, no
dia dos atentados [7 de julho],
dentro de uma estação de metrô,
indo para Heathrow pegar um
avião. Em momentos como esses,
eu penso "sou eu ou é o mundo?"
(risos).
Folha - Mas você aceitaria virar
correspondente num lugar como o
Brasil, por exemplo?
Fisk - Não, acharia muito chato
(risos). Não por ser o Brasil. Acho
que para quem está envolvido
com temas da América Latina seria fantástico. Mas eu construí minha carreira no Oriente Médio e
em lugares de conflito, o que não
me parece ser o caso por aqui.
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