São Paulo, domingo, 14 de maio de 2006

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EUROPA

Villepin enfrenta voto de confiança na Assembléia; Sarkozy pode renunciar

Novas evidências aumentam pressão sobre governo Chirac

JOHN LICHFIELD
DO "INDEPENDENT", EM PARIS

A França enfrenta uma crise política aguda nesta semana, à medida que se acumulam novas evidências de que o presidente Jacques Chirac e seu primeiro-ministro, Dominique de Villepin, estiveram ligados a uma tentativa complexa de sujar o nome de seu colega e rival, Nicolas Sarkozy, dois anos atrás.
Consta que o ministro do Interior e número dois do governo, Sarkozy, que também é o provável candidato da centro-direita na eleição presidencial de 2007, estaria perto de se decidir pela renúncia, entregando o cargo ao presidente e ao primeiro-ministro.
As mais recentes informações vazadas à imprensa francesa sobre uma investigação criminal conduzida por dois magistrados sugerem que, apesar de vários desmentidos, Chirac manifestou interesse pessoal inequívoco por uma investigação sigilosa e não ortodoxa sobre alegadas transações financeiras de Sarkozy em 2004. As alegações contra Sarkozy, que na época estava emergindo como rival de Chirac na disputa pela liderança da centro-direita, em pouco tempo mostraram ser falsas.
Nesta semana, veio à tona que Villepin encomendou uma segunda investigação sigilosa de um dos serviços de inteligência franceses em 2004, apesar do fato de as alegações de corrupção já terem sido expostas como nada mais do que uma trama.
Na próxima terça-feira Villepin será submetido a um voto de confiança na Assembléia Nacional. Consternados com o caso e alarmados pelas reações de indignação, muitos deputados de centro-direita gostariam de ver o premiê demitido antes deles próprios.
Se Chirac obrigar suas tropas parlamentares a darem apoio a Villepin, terá que encarar a probabilidade da saída de Sarkozy do governo, de maneira dramática e pública. A centro-direita francesa, já humilhada pelas alegações de atuação escusa de seus líderes, sairia publicamente dividida ao meio, menos de um ano antes das eleições presidenciais.
O caso tortuoso, mas explosivo, envolve todos os ingredientes tradicionais de um escândalo político francês: utilização enganosa dos serviços de inteligência, rivalidades no interior do setor de produção de armamentos e rancores acirrados entre nominais colegas no interior do governo.
Quando somado aos tumultos ocorridos nos subúrbios franceses no ano passado, às manifestações de rua contra a lei do primeiro emprego e à rejeição da proposta de Constituição européia, o chamado "caso Clearstream" ameaça jogar por terra os últimos resquícios de paciência dos eleitores franceses com o presidente Chirac. E, o que é pior, ameaça agravar o cinismo com que os eleitores de centro-direita enxergam os membros da classe governante e provocar o aumento dos votos na xenófoba extrema-direita nas eleições do próximo ano.
O nome dado ao caso vem do Clearstream International, um banco de Luxemburgo que, em 2003 e 2004, foi acusado de manter contas não declaradas de até cem políticos, empresários e membros dos serviços de inteligência franceses. Enviadas ao juiz Van Ruymbeke em maio e junho de 2004, as informações mostraram ser inteiramente falsas, envolvendo números de contas bancárias reais e nomes falsos.
Dois juízes foram indicados há um ano para investigar a tentativa proposital de denegrir a imagem de Sarkozy e outros. Em março, eles descobriram que em janeiro de 2004 -ou seja, quatro meses antes de as alegações serem submetidas a Van Ruymbeke-, a mesma lista falsa de contas no banco Clearstream esteve ao centro de uma investigação extra-oficial e nada ortodoxa encomendada em segredo por Villepin, na época chanceler.
Em outro fato bizarro, Van Ruymbeke admitiu que conhecia desde o início a identidade da fonte das alegações falsas de corrupção feitas em 2004. A fonte era Jean-Louis Gergorin, um alto executivo da EADS (a empresa que produz o Airbus europeu) e amigo e ex-chefe de Villepin. Agora o próprio Van Ruymbeke está sendo investigado e poderá sofrer sanções legais ou profissionais.
Trechos dos depoimentos do agente de inteligência encarregado dessa investigação, o general Philippe Rondot, foram vazados à imprensa francesa nas últimas semanas. As anotações sugerem repetidas vezes que o "PR" (presidente da República) teria encomendado a investigação do general e a estaria acompanhando de perto. Em um momento, "DVP" (Dominique de Villepin) teria dito que ele e o "PR" seriam "detonados" se seu papel na investigação viesse à tona algum dia.
Nos últimos dias, tanto Chirac quanto Villepin negaram repetidas vezes terem submetido Sarkozy a uma investigação. Não há evidências de que Chirac e Villepin tenham iniciado a aparente conspiração. Mas os dois são acusados de se aproveitar das informações falsas, fazer uso impróprio dos serviços de inteligência, levar adiante as alegações que sabiam ser falsas e tentar fazer com que elas vazassem à imprensa.


Tradução de Clara Allain


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