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EUROPA
Villepin enfrenta voto de confiança na Assembléia; Sarkozy pode renunciar
Novas evidências aumentam pressão sobre governo Chirac
JOHN LICHFIELD
DO "INDEPENDENT", EM PARIS
A França enfrenta uma crise política aguda nesta semana, à medida que se acumulam novas evidências de que o presidente Jacques Chirac e seu primeiro-ministro, Dominique de Villepin, estiveram ligados a uma tentativa
complexa de sujar o nome de seu
colega e rival, Nicolas Sarkozy,
dois anos atrás.
Consta que o ministro do Interior e número dois do governo,
Sarkozy, que também é o provável candidato da centro-direita na
eleição presidencial de 2007, estaria perto de se decidir pela renúncia, entregando o cargo ao presidente e ao primeiro-ministro.
As mais recentes informações
vazadas à imprensa francesa sobre uma investigação criminal
conduzida por dois magistrados
sugerem que, apesar de vários
desmentidos, Chirac manifestou
interesse pessoal inequívoco por
uma investigação sigilosa e não
ortodoxa sobre alegadas transações financeiras de Sarkozy em
2004. As alegações contra Sarkozy, que na época estava emergindo como rival de Chirac na
disputa pela liderança da centro-direita, em pouco tempo mostraram ser falsas.
Nesta semana, veio à tona que
Villepin encomendou uma segunda investigação sigilosa de um
dos serviços de inteligência franceses em 2004, apesar do fato de
as alegações de corrupção já terem sido expostas como nada
mais do que uma trama.
Na próxima terça-feira Villepin
será submetido a um voto de confiança na Assembléia Nacional.
Consternados com o caso e alarmados pelas reações de indignação, muitos deputados de centro-direita gostariam de ver o premiê
demitido antes deles próprios.
Se Chirac obrigar suas tropas
parlamentares a darem apoio a
Villepin, terá que encarar a probabilidade da saída de Sarkozy do
governo, de maneira dramática e
pública. A centro-direita francesa,
já humilhada pelas alegações de
atuação escusa de seus líderes,
sairia publicamente dividida ao
meio, menos de um ano antes das
eleições presidenciais.
O caso tortuoso, mas explosivo,
envolve todos os ingredientes tradicionais de um escândalo político francês: utilização enganosa
dos serviços de inteligência, rivalidades no interior do setor de produção de armamentos e rancores
acirrados entre nominais colegas
no interior do governo.
Quando somado aos tumultos
ocorridos nos subúrbios franceses no ano passado, às manifestações de rua contra a lei do primeiro emprego e à rejeição da proposta de Constituição européia, o
chamado "caso Clearstream"
ameaça jogar por terra os últimos
resquícios de paciência dos eleitores franceses com o presidente
Chirac. E, o que é pior, ameaça
agravar o cinismo com que os
eleitores de centro-direita enxergam os membros da classe governante e provocar o aumento dos
votos na xenófoba extrema-direita nas eleições do próximo ano.
O nome dado ao caso vem do
Clearstream International, um
banco de Luxemburgo que, em
2003 e 2004, foi acusado de manter contas não declaradas de até
cem políticos, empresários e
membros dos serviços de inteligência franceses. Enviadas ao juiz
Van Ruymbeke em maio e junho
de 2004, as informações mostraram ser inteiramente falsas, envolvendo números de contas bancárias reais e nomes falsos.
Dois juízes foram indicados há
um ano para investigar a tentativa
proposital de denegrir a imagem
de Sarkozy e outros. Em março,
eles descobriram que em janeiro
de 2004 -ou seja, quatro meses
antes de as alegações serem submetidas a Van Ruymbeke-, a
mesma lista falsa de contas no
banco Clearstream esteve ao centro de uma investigação extra-oficial e nada ortodoxa encomendada em segredo por Villepin, na
época chanceler.
Em outro fato bizarro, Van
Ruymbeke admitiu que conhecia
desde o início a identidade da fonte das alegações falsas de corrupção feitas em 2004. A fonte era
Jean-Louis Gergorin, um alto executivo da EADS (a empresa que
produz o Airbus europeu) e amigo e ex-chefe de Villepin. Agora o
próprio Van Ruymbeke está sendo investigado e poderá sofrer
sanções legais ou profissionais.
Trechos dos depoimentos do
agente de inteligência encarregado dessa investigação, o general
Philippe Rondot, foram vazados à
imprensa francesa nas últimas semanas. As anotações sugerem repetidas vezes que o "PR" (presidente da República) teria encomendado a investigação do general e a estaria acompanhando de
perto. Em um momento, "DVP"
(Dominique de Villepin) teria dito que ele e o "PR" seriam "detonados" se seu papel na investigação viesse à tona algum dia.
Nos últimos dias, tanto Chirac
quanto Villepin negaram repetidas vezes terem submetido Sarkozy a uma investigação. Não há
evidências de que Chirac e Villepin tenham iniciado a aparente
conspiração. Mas os dois são acusados de se aproveitar das informações falsas, fazer uso impróprio dos serviços de inteligência,
levar adiante as alegações que sabiam ser falsas e tentar fazer com
que elas vazassem à imprensa.
Tradução de Clara Allain
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