São Paulo, domingo, 14 de junho de 2009

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"As forças iraquianas estão 100% prontas"

Duas semanas antes da saída americana das ruas do Iraque, vice-ministro do Interior diz que Bagdá já controla 70% do país

Al Asadi conta que Al Qaeda ainda ameaça, que Irã faz jogo duplo e que jornalista que jogou sapatos em Bush será libertado em breve


DA REPORTAGEM LOCAL

As forças de segurança iraquianas estão prontas para assumir o controle do país quando, no final do mês, o Exército americano deixar as ruas para se recolher às suas bases. Será o primeiro passo, conforme pacto firmado no ano passado entre Washington e Bagdá, rumo à retirada definitiva do contingente estrangeiro, no final de 2011.
Quem garante que o Iraque pode andar sozinho é Adnan Al Asadi, número dois no comando dos mais de 600 mil policiais e agentes secretos iraquianos. Na semana passada, em visita a São Paulo, onde tratou de assuntos ligados à comunidade iraquiana no Brasil, ele concedeu entrevista à Folha. (SAMY ADGHIRNI)

 

FOLHA - As forças iraquianas estão prontas para assumir o país?
ADNAN AL ASADI
- A gente vem se preparando para isso há muito tempo. Para além do discurso de propaganda, na prática hoje 70% do Iraque está nas nossas mãos, não nas dos americanos.
O que vai acontecer no mês que vem é a retirada americana de mais algumas Províncias.
Estamos 100% prontos para assumir. Aliás, a saída dos americanos vai facilitar muita coisa, já que não haverá mais dois comandos. Teremos total controle e liberdade para decidir.

FOLHA - Houve problemas na partilha de comando com os EUA?
AL ASADI
- Houve problemas demais. Eles têm seus procedimentos, e nós temos os nossos. Eles têm seus interesses, e nós, os nossos. Eles pensam no seu futuro, e nós, no nosso. Eles não conhecem nosso povo, nossa língua, nossa cultura. Eles dizem que apoiam a gente. Ótimo, mas agora acabou. Não precisamos mais deles. Eles poderiam sair hoje mesmo.

FOLHA - O sr. e seu governo são gratos aos americanos?
AL ASADI
- Somos gratos porque eles derrubaram Saddam Hussein. Mas ficaremos ainda mais gratos quando eles saírem.

FOLHA - O desmantelamento das forças de segurança e de inteligência foi o maior erro dos EUA?
AL ASADI
- Foi um dos principais motivos de a gente ter vivido tanta violência. A segunda razão foi a presença prolongada de tropas de ocupação dentro de um país soberano. Isso é um chamariz para a Al Qaeda. O Iraque virou campo de batalha entre EUA e grupos terroristas.

FOLHA - Qual é hoje o principal desafio de segurança no Iraque?
AL ASADI
- Os casamentos entre xiitas e sunitas estão aumentando em 35%, prova de que os conflitos sectários acabaram. O problema fora causado por grupos terroristas. Todo mundo sabe que vinha de fora.
O maior desafio pendente é a Al Qaeda e os grupos remanescentes do governo anterior. Estão escondidos em várias partes do país, mas se concentram nas Províncias de Diyala, perto do Irã, e Mossul, perto da Síria.

FOLHA - Há relatos de que esses grupos ainda estão infiltrados nas forças de segurança...
AL ASADI
- Conseguimos acabar com 95% desse problema. Nos últimos quatro anos expulsamos das forças de segurança 63 mil oficiais e soldados por suspeita de envolvimento com terroristas e grupos armados. Alguns foram presos porque seu envolvimento foi comprovado e outros foram expulsos por negligência e outras razões.

FOLHA - O Irã é um aliado do Iraque ou um fator de instabilidade?
AL ASADI
- Ambas as coisas. Por um lado, o Irã nos apoia e se mostra um país amigo. Foi o primeiro governo regional a nos reconhecer oficialmente, antes mesmo dos árabes.
Mas, ao mesmo tempo, prendemos frequentemente grupos armados e milícias que sabemos ter recebido apoio financeiro e treinamento no Irã. É difícil saber qual o papel das autoridades iranianas nisso. Elas, obviamente, negam qualquer envolvimento...

FOLHA - Qual a situação do jornalista Muntader al Zaidi, que atirou sapatos no ex-presidente americano George W. Bush?
AL ASADI
- Creio que será solto em breve. Sua pena inicial de três anos foi diminuída após recurso. O juiz entendeu que não precisava ficar na cadeia por mais de um ano.

FOLHA - Se dependesse do sr., ele seria libertado hoje?
AL ASADI
- Se dependesse de mim, ele seria solto no dia em que a pena acabasse. O caso teve repercussão mundial, mas ele foi julgado de maneira exemplar. Se fosse nos EUA, ele poderia ter sido morto na hora do ato. Se fosse na época de Saddam, não preciso nem dizer o que teria acontecido.
Nosso maior desafio é a consolidação da lei e da ordem. Se tem algo que funciona hoje no Iraque sem nenhuma interferência estrangeira, é a Justiça independente.

FOLHA - Os sunitas acusam os políticos xiitas, como o sr., de controlar tudo no Iraque.
AL ASADI
- Até onde sei, se um partido ganha uma eleição, ele tem o poder de formar um governo. Nós ganhamos as eleições com ampla maioria para formarmos um governo. Os sunitas não tinham direito a nenhum ministério, mas nós os chamamos para que não houvesse problemas entre a gente.
Os sunitas têm um vice-presidente, um vice-premiê, sete ministros, muitos altos funcionários, governadores e embaixadores. Dividimos o poder porque acreditamos numa sociedade e num governo democráticos. Na época do Saddam, os xiitas eram sistematicamente preteridos em favor dos sunitas. Hoje nós nos esforçamos para equilibrar as coisas, talvez até demais (risos)...


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