Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
"As forças iraquianas estão 100% prontas"
Duas semanas antes da saída americana das ruas do Iraque, vice-ministro do Interior diz que Bagdá já controla 70% do país
Al Asadi conta que Al Qaeda ainda ameaça, que Irã faz jogo duplo e que jornalista que jogou sapatos em Bush será libertado em breve
DA REPORTAGEM LOCAL
As forças de segurança iraquianas estão prontas para assumir o controle do país quando, no final do mês, o Exército
americano deixar as ruas para
se recolher às suas bases.
Será o primeiro passo, conforme pacto firmado no ano
passado entre Washington e
Bagdá, rumo à retirada definitiva do contingente estrangeiro,
no final de 2011.
Quem garante que o Iraque
pode andar sozinho é Adnan Al
Asadi, número dois no comando dos mais de 600 mil policiais
e agentes secretos iraquianos.
Na semana passada, em visita
a São Paulo, onde tratou de assuntos ligados à comunidade
iraquiana no Brasil, ele concedeu entrevista à Folha.
(SAMY ADGHIRNI)
FOLHA - As forças iraquianas estão
prontas para assumir o país?
ADNAN AL ASADI - A gente vem se
preparando para isso há muito
tempo. Para além do discurso
de propaganda, na prática hoje
70% do Iraque está nas nossas
mãos, não nas dos americanos.
O que vai acontecer no mês
que vem é a retirada americana
de mais algumas Províncias.
Estamos 100% prontos para assumir. Aliás, a saída dos americanos vai facilitar muita coisa,
já que não haverá mais dois comandos. Teremos total controle e liberdade para decidir.
FOLHA - Houve problemas na partilha de comando com os EUA?
AL ASADI - Houve problemas
demais. Eles têm seus procedimentos, e nós temos os nossos.
Eles têm seus interesses, e nós,
os nossos. Eles pensam no seu
futuro, e nós, no nosso. Eles
não conhecem nosso povo, nossa língua, nossa cultura. Eles dizem que apoiam a gente. Ótimo, mas agora acabou. Não
precisamos mais deles. Eles poderiam sair hoje mesmo.
FOLHA - O sr. e seu governo são
gratos aos americanos?
AL ASADI - Somos gratos porque
eles derrubaram Saddam Hussein. Mas ficaremos ainda mais
gratos quando eles saírem.
FOLHA - O desmantelamento das
forças de segurança e de inteligência foi o maior erro dos EUA?
AL ASADI - Foi um dos principais motivos de a gente ter vivido tanta violência. A segunda
razão foi a presença prolongada
de tropas de ocupação dentro
de um país soberano. Isso é um
chamariz para a Al Qaeda. O
Iraque virou campo de batalha
entre EUA e grupos terroristas.
FOLHA - Qual é hoje o principal desafio de segurança no Iraque?
AL ASADI - Os casamentos entre
xiitas e sunitas estão aumentando em 35%, prova de que os
conflitos sectários acabaram. O
problema fora causado por grupos terroristas. Todo mundo
sabe que vinha de fora.
O maior desafio pendente é a
Al Qaeda e os grupos remanescentes do governo anterior. Estão escondidos em várias partes do país, mas se concentram
nas Províncias de Diyala, perto
do Irã, e Mossul, perto da Síria.
FOLHA - Há relatos de que esses
grupos ainda estão infiltrados nas
forças de segurança...
AL ASADI - Conseguimos acabar
com 95% desse problema. Nos
últimos quatro anos expulsamos das forças de segurança 63
mil oficiais e soldados por suspeita de envolvimento com terroristas e grupos armados. Alguns foram presos porque seu
envolvimento foi comprovado
e outros foram expulsos por negligência e outras razões.
FOLHA - O Irã é um aliado do Iraque
ou um fator de instabilidade?
AL ASADI - Ambas as coisas. Por
um lado, o Irã nos apoia e se
mostra um país amigo. Foi o
primeiro governo regional a
nos reconhecer oficialmente,
antes mesmo dos árabes.
Mas, ao mesmo tempo, prendemos frequentemente grupos
armados e milícias que sabemos ter recebido apoio financeiro e treinamento no Irã. É
difícil saber qual o papel das autoridades iranianas nisso. Elas,
obviamente, negam qualquer
envolvimento...
FOLHA - Qual a situação do jornalista Muntader al Zaidi, que atirou
sapatos no ex-presidente americano George W. Bush?
AL ASADI - Creio que será solto
em breve. Sua pena inicial de
três anos foi diminuída após recurso. O juiz entendeu que não
precisava ficar na cadeia por
mais de um ano.
FOLHA - Se dependesse do sr., ele
seria libertado hoje?
AL ASADI - Se dependesse de
mim, ele seria solto no dia em
que a pena acabasse. O caso teve repercussão mundial, mas
ele foi julgado de maneira
exemplar. Se fosse nos EUA, ele
poderia ter sido morto na hora
do ato. Se fosse na época de
Saddam, não preciso nem dizer
o que teria acontecido.
Nosso maior desafio é a consolidação da lei e da ordem. Se
tem algo que funciona hoje no
Iraque sem nenhuma interferência estrangeira, é a Justiça
independente.
FOLHA - Os sunitas acusam os políticos xiitas, como o sr., de controlar
tudo no Iraque.
AL ASADI - Até onde sei, se um
partido ganha uma eleição, ele
tem o poder de formar um governo. Nós ganhamos as eleições com ampla maioria para
formarmos um governo. Os sunitas não tinham direito a nenhum ministério, mas nós os
chamamos para que não houvesse problemas entre a gente.
Os sunitas têm um vice-presidente, um vice-premiê, sete
ministros, muitos altos funcionários, governadores e embaixadores. Dividimos o poder
porque acreditamos numa sociedade e num governo democráticos. Na época do Saddam,
os xiitas eram sistematicamente preteridos em favor dos sunitas. Hoje nós nos esforçamos
para equilibrar as coisas, talvez
até demais (risos)...
Texto Anterior: Perfil: Intelectual coleciona inimigos Próximo Texto: Frases Índice
|