São Paulo, domingo, 14 de junho de 2009

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Crise expõe autoritarismo e desigualdade no país

CLAUDIA ANTUNES
DA SUCURSAL DO RIO

A persistência de uma cultura política autoritária, após décadas de regimes militares seguidos pela guerra ao terrorismo do Sendero Luminoso, e uma desigualdade que resistiu a sete anos de crescimento econômico "asiático", de em média 7%, são o pano de fundo do atual confronto entre o governo peruano e os indígenas da Amazônia, dizem especialistas.
"Há forte rejeição no interior à visão centralista, limenha, do governo de [Alan] García", diz Rubén Quiroz Ávila, professor de filosofia na Universidade de San Marcos, em Lima.
Eleito em 2006, García usou o poder de legislar por decreto a ele conferido pelo Congresso -a fim de adaptar leis ao Tratado de Livre Comércio com os EUA- para baixar o contestado pacote que facilita a exploração dos recursos florestais e minerais na selva amazônica.
Ele argumentou, na época, que as riquezas precisavam servir ao proveito de todo o país. Mas, diz Quiroz Ávila, além de não terem sido consultados, os povos da Amazônia enxergaram nas empresas estrangeiras as principais beneficiárias.
A desconfiança tem origem no fato de o crescimento recente, impulsionado por investimentos externos, não ter se traduzido em benefícios sociais.
Em 2006, último ano para o qual a Cepal (Comissão Econômica para a América Latina) tem dados disponíveis, os 20% mais ricos da população ficavam com 54% da renda nacional, contra 3,9% para os 20% mais pobres. A concentração caiu um pouco desde o auge em 2002 (58%), mas ainda é maior do que nos anos 80, quando os números eram de 50,4% e 5,6%, respectivamente.
Com isso, a popularidade de presidentes eleitos se esvai mal passada a festa da posse, repetindo-se com García o que já havia ocorrido a seu antecessor, Alejandro Toledo (2001-2006). É o fenômeno que o cientista político chileno Francisco Rojas Aravena, secretário-geral da Flacso (Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais), define como "paradoxo peruano".
"As pessoas apoiam a democracia, mas não estão satisfeitas com seus resultados. O Peru não consegue lidar com a questão social. As elites não querem pagar mais impostos [para distribuir a renda]", diz.
Bernard Sorj, professor da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e coautor de "O Desafio Latino-Americano" (Civilização Brasileira), cita três causas desse paradoxo:
1) O fato de os investimentos estrangeiros estarem voltados para setores como a mineração, com impacto pequeno na geração de empregos.
2) A fragmentação do sistema partidário tradicional, que implodiu ao final do primeiro governo de Alan García (1985-1990), dando origem à eleição do "outsider" Alberto Fujimori (1990-2000).
3) A estrutura pouco desenvolvida do Estado, incapaz de gerir gastos sociais efetivos.
A Apra (Aliança Popular Revolucionária Americana), agremiação de Alan García, sobreviveu à implosão dos partidos. Mas Sorj compara o atual governo aprista ao de Carlos Menem na Argentina (1989-1999), que aderiu à letra do neoliberalismo, rompendo com a tradição nacionalista do peronismo.
García, que em seu primeiro mandato chegou a nacionalizar os bancos, voltou em versão que "desconhece problemas sociais e ambientais", diz Sorj.
O peruano Quiroz Ávila, descendente de nativos quéchuas, vê aí um padrão histórico, em que uma "elite branca e mestiça" controla o poder em Lima de costas para o interior. A separação produz um quadro político pulverizado, com poucos movimentos de base nacional.
O maior adversário político de García, Ollanta Humala, próximo ao presidente venezuelano Hugo Chávez, é mais forte no interior do que em Lima. Para Sorj, o quadro faz do Peru o "elo frágil" latino-americano, onde uma virada política que não pode ser descartada aumentaria o peso regional do projeto bolivariano liderado por Caracas.


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