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Crise expõe autoritarismo e desigualdade no país
CLAUDIA ANTUNES
DA SUCURSAL DO RIO
A persistência de uma cultura política autoritária, após décadas de regimes militares seguidos pela guerra ao terrorismo do Sendero Luminoso, e
uma desigualdade que resistiu
a sete anos de crescimento econômico "asiático", de em média
7%, são o pano de fundo do
atual confronto entre o governo peruano e os indígenas da
Amazônia, dizem especialistas.
"Há forte rejeição no interior
à visão centralista, limenha, do
governo de [Alan] García", diz
Rubén Quiroz Ávila, professor
de filosofia na Universidade de
San Marcos, em Lima.
Eleito em 2006, García usou
o poder de legislar por decreto a
ele conferido pelo Congresso
-a fim de adaptar leis ao Tratado de Livre Comércio com os
EUA- para baixar o contestado pacote que facilita a exploração dos recursos florestais e
minerais na selva amazônica.
Ele argumentou, na época,
que as riquezas precisavam servir ao proveito de todo o país.
Mas, diz Quiroz Ávila, além de
não terem sido consultados, os
povos da Amazônia enxergaram nas empresas estrangeiras
as principais beneficiárias.
A desconfiança tem origem
no fato de o crescimento recente, impulsionado por investimentos externos, não ter se traduzido em benefícios sociais.
Em 2006, último ano para o
qual a Cepal (Comissão Econômica para a América Latina)
tem dados disponíveis, os 20%
mais ricos da população ficavam com 54% da renda nacional, contra 3,9% para os 20%
mais pobres. A concentração
caiu um pouco desde o auge em
2002 (58%), mas ainda é maior
do que nos anos 80, quando os
números eram de 50,4% e
5,6%, respectivamente.
Com isso, a popularidade de
presidentes eleitos se esvai mal
passada a festa da posse, repetindo-se com García o que já
havia ocorrido a seu antecessor, Alejandro Toledo (2001-2006). É o fenômeno que o
cientista político chileno Francisco Rojas Aravena, secretário-geral da Flacso (Faculdade
Latino-Americana de Ciências
Sociais), define como "paradoxo peruano".
"As pessoas apoiam a democracia, mas não estão satisfeitas
com seus resultados. O Peru
não consegue lidar com a questão social. As elites não querem
pagar mais impostos [para distribuir a renda]", diz.
Bernard Sorj, professor da
UFRJ (Universidade Federal
do Rio de Janeiro) e coautor de
"O Desafio Latino-Americano"
(Civilização Brasileira), cita
três causas desse paradoxo:
1) O fato de os investimentos
estrangeiros estarem voltados
para setores como a mineração,
com impacto pequeno na geração de empregos.
2) A fragmentação do sistema partidário tradicional, que
implodiu ao final do primeiro
governo de Alan García (1985-1990), dando origem à eleição
do "outsider" Alberto Fujimori
(1990-2000).
3) A estrutura pouco desenvolvida do Estado, incapaz de
gerir gastos sociais efetivos.
A Apra (Aliança Popular Revolucionária Americana), agremiação de Alan García, sobreviveu à implosão dos partidos.
Mas Sorj compara o atual governo aprista ao de Carlos Menem na Argentina (1989-1999),
que aderiu à letra do neoliberalismo, rompendo com a tradição nacionalista do peronismo.
García, que em seu primeiro
mandato chegou a nacionalizar
os bancos, voltou em versão
que "desconhece problemas
sociais e ambientais", diz Sorj.
O peruano Quiroz Ávila, descendente de nativos quéchuas,
vê aí um padrão histórico, em
que uma "elite branca e mestiça" controla o poder em Lima
de costas para o interior. A separação produz um quadro político pulverizado, com poucos
movimentos de base nacional.
O maior adversário político
de García, Ollanta Humala,
próximo ao presidente venezuelano Hugo Chávez, é mais
forte no interior do que em Lima. Para Sorj, o quadro faz do
Peru o "elo frágil" latino-americano, onde uma virada política que não pode ser descartada
aumentaria o peso regional do
projeto bolivariano liderado
por Caracas.
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