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ARTIGO
Cobiça e perda no Iraque
Como o plano do governo George W. Bush para se apoderar do petróleo do país escoou pelo ralo diluído em protecionismo, legislação internacional e atentados
DILIP HIRO
DA "NATION"
É esta a sentença em "A Era
da Turbulência", o livro de memórias do ex-diretor do Banco
Central americano Alan
Greenspan, que causou tanta
turbulência em Washington:
"Entristece-me o fato de que é
politicamente inconveniente
admitir o que todos sabem: a
guerra do Iraque é motivada
em grande medida pelo petróleo". A afirmação tinha a ressonância do mantra da campanha
eleitoral de Bill Clinton - "É a
economia, estúpido".
Ao descobrir-se alvo de um
ataque da Casa Branca, Greenspan voltou atrás. Nada disso,
entretanto, fez qualquer diferença aos fatos reais.
As evidências primárias indicando que o governo Bush cobiçou o petróleo do Iraque desde
o primeiro momento vêm de
duas fontes: Paul O'Neill, ex-secretário do Tesouro (2001-2003), e Falah al Jibury, um
consultor petroleiro que atuou
como "canal de comunicação"
entre o presidente Ronald Reagan e Saddam Hussein durante
a Guerra Irã-Iraque (1980-88).
No livro de memórias de
O'Neill está registrado que ele
recebeu em 2002 um documento da Agência de Inteligência da Defesa que mapeava os
campos petrolíferos do país e
suas áreas de exploração. O documento listava grandes petroleiras americanas que teriam
interesse em atuar no Iraque.
Em janeiro de 2003, foi divulgado um plano para o petróleo iraquiano esboçado pelo
Departamento de Estado. A estratégia recomendava que fosse
mantida a Companhia Petrolífera Nacional do Iraque, mas
que ela fosse aberta a investimentos estrangeiros após um
período inicial.
Enfraquecer Opep
Sem o conhecimento desse
plano, segundo disse em 2005 o
consultor Falah al Jibury à rede
britânica BBC, o Pentágono tinha traçado o seu próprio. Ele
envolvia a venda de todos os
campos de petróleo do Iraque,
visando aumentar a produção
para um nível superior à cota
determinada pela Opep (Organização dos Países Exportadores de Petróleo), enfraquecendo o cartel.
No fim de 2002, como revelaria a colunista do "New York
Times" Maureen Dowd, a Halliburton, empresa antes chefiada pelo vice-presidente Dick
Cheney, preparara um documento confidencial de 500 páginas sobre como lidar com a
indústria petroleira iraquiana
após uma invasão e ocupação
do Iraque.
Quando as tropas anglo-americanas invadiram o Iraque, em março de 2003, esperavam ver poços petrolíferos em chamas. Mas Saddam, nacionalista irredutível, não queria ficar para a história como o homem que prejudicara o recurso
natural mais precioso do país.
Ao entrarem em Bagdá, as
tropas americanas ficaram assistindo enquanto saqueadores
pilhavam prédios públicos
-exceto o Ministério do Petróleo, que protegeram com afinco. Nos dias seguintes, o esquema para a venda dos campos petrolíferos recebeu luz verde.
A Casa Branca não ocultou
seus planos de rapidamente
desmontar o setor público iraquiano. Quando o primeiro
pró-cônsul americano, o general da reserva Jay Garner, concentrou-se em promover eleições locais, ele foi demitido. O sucessor de Garner, Paul Bremer, se viu tendo que tratar
com Philip Carroll -ex-executivo da anglo-holandesa Royal
Dutch Shell-, indicado por
Washington para ser o chefe
supremo do setor petrolífero
iraquiano. Carroll decidiu não
mexer com a propriedade da
indústria e disse isso a Bremer.
"Não haveria privatização dos
recursos enquanto eu estivesse
envolvido", disse Carroll à BBC
em 17 de março de 2005.
Atentados
Mas essa foi uma explicação
apenas parcial da razão pela
qual Bremer excluiu o setor petroleiro quando, em setembro
de 2003, privatizou quase 200
empresas iraquianas, abrindo-as ao controle 100% estrangeiro. A Casa Branca já se dera
conta de que desnacionalizar a
indústria petroleira violaria a
Convenção de Genebra, que
proíbe uma potência ocupante
de modificar a estrutura básica
da economia de um território.
Havia ainda o problema de
entender os 30 maiores contratos assinados pelo regime de
Saddam com empresas do Canadá, China, França, Índia, Itália, Rússia, Espanha e Vietnã.
Elas tinham firmado acordos
com o governo que caíra ou
com a República do Iraque, ainda intacta?
Talvez mais importante foi a
posição assumida pelo aiatolá
Ali Sistani, o mais influente clérigo xiita do país. Ele não fez segredo de que desaprovava a privatização. Sistani declarou que
os recursos minerais pertenciam à "comunidade" (o Estado). Ainda mais eficaz foi a reação violenta dos empregados do setor. Em entrevista à BBC,
Jibury disse: "Vimos um aumento dos ataques contra instalações petrolíferas, motivado
pela premissa de que a privatização estaria a caminho".
A ratificação da nova Constituição iraquiana pelo referendo
de 2005 acabou com a perspectiva de privatização plena do
setor. O artigo 109 afirma que
os hidrocarbonetos são "propriedade nacional iraquiana".
Em fevereiro de 2007, como
previsto na Constituição, o projeto da lei dos hidrocarbonetos
submetido ao Parlamento pelo
governo iraquiano manteve o
petróleo e o gás no setor público. Ele também estipulou a recriação de uma estatal que seria
encarregada de distribuir a receita petrolífera entre as Províncias, em base per capita.
O governo Bush aproveitou
esse dispositivo para retratar a
lei como crucial para a reconciliação entre sunitas e xiitas. O
que realmente interessava à
Casa Branca eram os atraentes
incentivos contidos no projeto
de lei para empresas estrangeiras investirem no Iraque. Assim, Bush pressionou em vão
Bagdá a aprovar a lei antes de
agosto, recesso parlamentar.
O fracasso do governo Bush
em alcançar seus objetivos de
curto prazo não nega o fato de
que conseguir o acesso privilegiado de empresas americanas
ao petróleo iraquiano foi um
objetivo principal da invasão.
DILIP HIRO é autor de vários livros sobre o
Oriente Médio, incluindo "Blood of the Earth:
The Battle for the World's Vanishing Oil Resources" (Sangue da terra: a batalha pelos recursos
petrolíferos minguantes do mundo)
Tradução da CLARA ALLAIN
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