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DIVERGÊNCIAS OCEÂNICAS
Analistas divergem sobre como Bush lidará agora com as estremecidas relações com os europeus
Diálogo EUA-Europa ainda é incógnita
ÉRICA FRAGA
DE LONDRES
O resultado da eleição americana já é conhecido, mas isso não
significa que se possa prever o futuro das desgastadas relações entre EUA e Europa. Especialistas
divergem completamente sobre o
assunto. Há os que apostam em
um esforço de ambos os lados para uma nova aliança e os que consideram quase certa a possibilidade de deterioração ainda maior.
Analistas concordam, no entanto, que Tony Blair, premiê do Reino Unido e principal aliado de
Bush, será a personalidade-chave
nas conversas que tendem a ocorrer de agora em diante. Blair parece, inclusive, já ter assumido a difícil função diplomática -foi o
primeiro chefe de Estado a visitar
George W. Bush logo após a reeleição do presidente americano.
Em entrevista recente ao jornal
britânico "The Times", Blair afirmou que algumas pessoas -referindo-se aos europeus- precisam sair do "estado de negação"
em que se encontram, que a população norte-americana passou
o seu recado nas eleições e que o
resto do mundo precisa ouvi-lo.
Ao mesmo tempo, Blair disse que
os Estados Unidos também precisam ouvir o resto do mundo.
A dúvida é: os dois lados estão
dispostos a dialogar? Para John
Micklethwait, editor de EUA da
revista "The Economist", essa é
mais uma questão de falta de alternativas do que de disposição.
"Sou um otimista cauteloso",
disse Micklethwait, que acaba de
publicar, em co-autoria com
Adrian Wooldridge, correspondente da "Economist" nos EUA, o
livro "The Right Nation: Why
America is Different".
Micklethwait explica que, até
agora, os europeus têm vivido em
uma "terra de tolos", seguindo, de
alguma forma, o argumento do
cineasta Michael Moore, crítico
severo do presidente americano,
de que Bush "é um seqüestrador
temporário da América".
"Com isso, eles ficaram esperando, desesperadamente, uma
vitória de John Kerry", afirmou o
jornalista à Folha.
Por outro lado, afirma Micklethwait, também há forças que
empurram Bush para uma tentativa de diálogo. "Os últimos dois
anos mostraram os limites de
uma política baseada apenas no
uso da força", disse.
Para ele, Bush vai manter seu
compromisso de tentar democratizar países como Iraque e Afeganistão, mas como não tem meios
de atingir esse objetivo sozinho,
isso o levaria a querer formar uma
aliança com a Europa -que, por
outro lado, também tem interesses fortes no Oriente Médio, principalmente no processo de paz
entre israelenses e palestinos.
Há, no entanto, quem discorde
do editor da "Economist". É o caso do especialista em relações
transatlânticas Victor Bulmer-Thomas, do instituto britânico
Chatham House.
"Inicialmente, as relações transatlânticas serão difíceis por várias razões. Não vai haver período
de lua-de-mel. Muitas palavras
duras já foram trocadas e as duas
partes trazem uma grande bagagem disso, não dá para presumirmos que haverá espaço para novas iniciativas", disse à Folha.
Na opinião dele, Bush não se esforçará para melhorar suas péssimas relações com França e Alemanha -que se opuseram à
Guerra do Iraque- porque "isso
não custou a ele a eleição nem foi
fator primordial na campanha,
apesar dos esforços de Kerry".
Além disso, para Bulmer-Thomas, Bush não pedirá apoio à
França e à Alemanha no Iraque,
porque sabe que diriam não. Por
último, diz o especialista, há outros assuntos na agenda de política externa com potencial para gerar novos atritos. O principal deles é o programa nuclear do Irã.
Segundo Bulmer-Thomas, a
tendência é que Blair se alinhe
com os europeus e mantenha o
apoio à alternativa de uma solução diplomática para essa questão. O problema, ressalta, é que os
EUA são céticos sobre esse caminho. Isso pode gerar, para ele,
uma deterioração ainda maior
das relações transatlânticas.
Apesar das divergências, os
analistas concordam que suas expectativas dependerão, em larga
medida, de como será a nova
equipe de Bush, sobretudo do
quinhão de poder que os chamados neoconservadores manterão.
"Muito vai depender das pessoas que vão para postos-chave e
do papel que os neoconservadores continuarão tendo. Muito do
que acontecerá, a partir de agora,
terá a ver com personalidades",
disse Bulmer-Thomas.
Segundo Micklethwait, os neoconservadores estão enfraquecidos dentro da própria coalizão
conservadora de Bush. Ele diz que
acha difícil que alguns integrantes
do grupo ascendam dentro do governo. Mas, ressalva, que é difícil
prever agora quem da equipe
atual sai e quem fica.
Alguns analistas afirmam que,
se Kerry tivesse ganhado as eleições, os dilemas e as dificuldades
de previsão não seriam muito diferentes. Eles dizem que a Europa
esperava do senador mais do que
ele poderia fazer e, provavelmente, não demorariam a se decepcionar. O mesmo aconteceria com
Kerry em relação aos europeus.
Michael Cox, professor da LSE
(London School of Economics
and Political Science), afirma, por
exemplo, que Kerry teria posição
muito parecida à de Bush no
Oriente Médio e que a dificuldade
em convencer os europeus a assumirem um papel mais ativo no
Iraque seriam as mesmas.
"É difícil imaginar um cenário
muito diferente", afirmou Cox.
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