São Paulo, domingo, 14 de novembro de 2004

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

DIVERGÊNCIAS OCEÂNICAS

Analistas divergem sobre como Bush lidará agora com as estremecidas relações com os europeus

Diálogo EUA-Europa ainda é incógnita

ÉRICA FRAGA
DE LONDRES

O resultado da eleição americana já é conhecido, mas isso não significa que se possa prever o futuro das desgastadas relações entre EUA e Europa. Especialistas divergem completamente sobre o assunto. Há os que apostam em um esforço de ambos os lados para uma nova aliança e os que consideram quase certa a possibilidade de deterioração ainda maior.
Analistas concordam, no entanto, que Tony Blair, premiê do Reino Unido e principal aliado de Bush, será a personalidade-chave nas conversas que tendem a ocorrer de agora em diante. Blair parece, inclusive, já ter assumido a difícil função diplomática -foi o primeiro chefe de Estado a visitar George W. Bush logo após a reeleição do presidente americano.
Em entrevista recente ao jornal britânico "The Times", Blair afirmou que algumas pessoas -referindo-se aos europeus- precisam sair do "estado de negação" em que se encontram, que a população norte-americana passou o seu recado nas eleições e que o resto do mundo precisa ouvi-lo. Ao mesmo tempo, Blair disse que os Estados Unidos também precisam ouvir o resto do mundo.
A dúvida é: os dois lados estão dispostos a dialogar? Para John Micklethwait, editor de EUA da revista "The Economist", essa é mais uma questão de falta de alternativas do que de disposição.
"Sou um otimista cauteloso", disse Micklethwait, que acaba de publicar, em co-autoria com Adrian Wooldridge, correspondente da "Economist" nos EUA, o livro "The Right Nation: Why America is Different".
Micklethwait explica que, até agora, os europeus têm vivido em uma "terra de tolos", seguindo, de alguma forma, o argumento do cineasta Michael Moore, crítico severo do presidente americano, de que Bush "é um seqüestrador temporário da América".
"Com isso, eles ficaram esperando, desesperadamente, uma vitória de John Kerry", afirmou o jornalista à Folha.
Por outro lado, afirma Micklethwait, também há forças que empurram Bush para uma tentativa de diálogo. "Os últimos dois anos mostraram os limites de uma política baseada apenas no uso da força", disse.
Para ele, Bush vai manter seu compromisso de tentar democratizar países como Iraque e Afeganistão, mas como não tem meios de atingir esse objetivo sozinho, isso o levaria a querer formar uma aliança com a Europa -que, por outro lado, também tem interesses fortes no Oriente Médio, principalmente no processo de paz entre israelenses e palestinos.
Há, no entanto, quem discorde do editor da "Economist". É o caso do especialista em relações transatlânticas Victor Bulmer-Thomas, do instituto britânico Chatham House.
"Inicialmente, as relações transatlânticas serão difíceis por várias razões. Não vai haver período de lua-de-mel. Muitas palavras duras já foram trocadas e as duas partes trazem uma grande bagagem disso, não dá para presumirmos que haverá espaço para novas iniciativas", disse à Folha.
Na opinião dele, Bush não se esforçará para melhorar suas péssimas relações com França e Alemanha -que se opuseram à Guerra do Iraque- porque "isso não custou a ele a eleição nem foi fator primordial na campanha, apesar dos esforços de Kerry".
Além disso, para Bulmer-Thomas, Bush não pedirá apoio à França e à Alemanha no Iraque, porque sabe que diriam não. Por último, diz o especialista, há outros assuntos na agenda de política externa com potencial para gerar novos atritos. O principal deles é o programa nuclear do Irã.
Segundo Bulmer-Thomas, a tendência é que Blair se alinhe com os europeus e mantenha o apoio à alternativa de uma solução diplomática para essa questão. O problema, ressalta, é que os EUA são céticos sobre esse caminho. Isso pode gerar, para ele, uma deterioração ainda maior das relações transatlânticas.
Apesar das divergências, os analistas concordam que suas expectativas dependerão, em larga medida, de como será a nova equipe de Bush, sobretudo do quinhão de poder que os chamados neoconservadores manterão.
"Muito vai depender das pessoas que vão para postos-chave e do papel que os neoconservadores continuarão tendo. Muito do que acontecerá, a partir de agora, terá a ver com personalidades", disse Bulmer-Thomas.
Segundo Micklethwait, os neoconservadores estão enfraquecidos dentro da própria coalizão conservadora de Bush. Ele diz que acha difícil que alguns integrantes do grupo ascendam dentro do governo. Mas, ressalva, que é difícil prever agora quem da equipe atual sai e quem fica.
Alguns analistas afirmam que, se Kerry tivesse ganhado as eleições, os dilemas e as dificuldades de previsão não seriam muito diferentes. Eles dizem que a Europa esperava do senador mais do que ele poderia fazer e, provavelmente, não demorariam a se decepcionar. O mesmo aconteceria com Kerry em relação aos europeus.
Michael Cox, professor da LSE (London School of Economics and Political Science), afirma, por exemplo, que Kerry teria posição muito parecida à de Bush no Oriente Médio e que a dificuldade em convencer os europeus a assumirem um papel mais ativo no Iraque seriam as mesmas.
"É difícil imaginar um cenário muito diferente", afirmou Cox.


Texto Anterior: "Metade" dos EUA pede desculpas ao mundo por Bush
Próximo Texto: Artigo: Bush tende a enfatizar comércio com AL
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.