São Paulo, domingo, 14 de dezembro de 2008

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Paquistão combate terror que alimentou

Grupos extremistas criados com apoio militar paquistanês são hoje ameaça ao país islâmico, pressionado a enfrentá-los

Atentados em Mumbai acirraram pressão externa sobre Islamabad; Exército tenta afastar-se de radicais, infiltrados nas suas bases

FARHAN BOKHARI
JAMES LAMONT DO "FINANCIAL TIMES" O lema do Exército paquistanês explica muita coisa. Ele diz: "Imaan, Taqwa, Jihad fi Sabilillah", ou "Fé, piedade, guerra santa no caminho de Alá". Enquanto em muitas partes do mundo um lema regimental poderia ficar acumulando pó numa cantina de oficiais, para o Exército do Paquistão essas palavras refletem uma dedicação contemporânea à causa do islã. Em nome dessa causa, os generais forjaram vínculos estreitos com grupos islâmicos, tanto políticos quanto militantes. Esses vínculos ajudaram a criar uma rede de militantes islâmicos no Afeganistão e na Caxemira sob administração indiana, para travar uma guerra por procuração, defendendo os interesses do Paquistão.
Assim, os militantes islâmicos e sua "jihad" foram agraciados com o status de parceiros estratégicos por Islamabad. Mas ataques terroristas desferidos muito além das áreas de fronteira do Paquistão provocaram forte condenação desses vínculos após o 11 de Setembro. Agora, mais uma vez, esses laços estão sob escrutínio, após o ataque devastador do mês passado em Mumbai, que a Índia atribuiu ao Lashkar-e-Taiba, baseado no Paquistão. "O uso de terrorismo como instrumento de política de um Estado já deixou de ser aceitável", disse ao Parlamento o premiê indiano, Manmohan Singh, em referência clara ao Paquistão. A secretária de Estado dos EUA, Condoleezza Rice, declarou que o país "precisa agir, já que seu território foi usado por esses atores não estatais para lançar esses ataques".
As Forças Armadas do país se vêem diante do dilema de combater os mesmos grupos islâmicos que ajudaram a criar. Analistas ocidentais crêem que alguns elementos no Exército -especialmente no serviço secreto- se mantêm leais aos militantes. Mas o comandante do Exército, general Ashfaq Parvez Kiyani, está decidido a afastar as Forças Armadas dos militantes islâmicos de linha dura. Essa transformação é crucial para o Estado paquistanês. O Exército, criado como força defensiva contra a Índia, é a instituição mais forte do país, que governou diretamente por mais de metade de seus 61 anos de existência.
A prisão de três líderes militantes, na semana passada, e a interdição da Jamaat-ud-Dawa, organização de caridade ligada ao Lashkar-e-Taiba, podem marcar uma ruptura. O governo Bush descreveu as detenções como "positivas", mas avisou o Paquistão que deve fazer mais do que apenas tomar medidas isoladas. Alguns analistas acham que os ataques em Mumbai e a ameaça paquistanesa à segurança global proporcionaram ao presidente Asif Ali Zardari uma justificativa para reprimir os grupos extremistas. "A inação deixou de ser uma opção para o Paquistão", diz Abida Hussain, líder do governista Partido do Povo do Paquistão.
Outros são profundamente céticos. Eles temem que o engajamento seja fraco e que o Exército não faça mais que "prisões de porta giratória", libertando os radicais pouco após a detenção. "Para sustentar esse esforço, é preciso eliminar os grupos, fechar todas as suas sedes, prender todos os seus membros mais importantes e impedir o financiamento", diz Iqbal Haider, advogado de direitos humanos.
Um diplomata descreveu a Índia como estando na pior posição possível quando tenta levar os terroristas de Mumbai à Justiça. O Exército é o único poder institucional no Paquistão, explicou, e enfraquecê-lo levará o país, que possui armas nucleares, um passo mais perto de tornar-se um Estado falido.

Tradução de CLARA ALLAIN


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