São Paulo, sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

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HAITI EM RUINAS

Haitianos esperam ajuda entre corpos e destroços

Em quase toda a capital, cenário após terremoto é de casas e edifícios desmoronados, multidões nas ruas e trânsito caótico; serviços de resgate praticamente inexistem

Damon Winter/The New York Times
O haitiano Lionel Michaud chora ao encontrar o corpo da filha de 10 meses entre as centenas de mortos no necrotério de Porto Príncipe

FABIANO MAISONNAVE
CAIO GUATELLI
ENVIADOS ESPECIAIS A PORTO PRÍNCIPE (HAITI)

Centenas de corpos acumulados dividindo as calçadas e as ruas com milhares de haitianos caminhando aparentemente a esmo. Sobreviventes sob escombros à espera de um resgate que provavelmente nunca chegará, em meio à ausência quase completa de Estado. Dois dias depois do terremoto, Porto Príncipe ainda não começou a reagir à tragédia que arrasou a capital mais pobre da América Latina.
Durante seis horas ontem, a reportagem da Folha percorreu de carro a capital do Haiti. Em quase toda a cidade, principalmente nas partes mais altas e com casas de alvenaria, o cenário é de casas e edifícios desmoronados, corpos abandonados, multidões nas ruas e trânsito caótico.
Os serviços de resgate praticamente inexistem. No único local em que havia uma escavadeira, no bairro Delmas 17, um funcionário do Ministério de Obras praticamente não conseguia trabalhar devido às dezenas de pessoas que tentavam recuperar comida e bebida do pequeno centro comercial parcialmente tombado.
Num dado momento, o operador da escavadeira desceu da máquina e, com um grande pau na mão, tentava intimidar os saqueadores. Não conseguiu. Irritado, voltou à máquina e lançou a pá da escavadeira em direção a eles, que só assim deixaram o buraco de onde tiravam principalmente garrafas de refrigerante. Por pouco, não foram atingidos.
Centenas de metros mais acima, numa esquina, havia 23 mortos enfileirados e cobertos por moscas, entre crianças e adultos. O corpo de um bebê foi colado em cima da barriga de uma mulher, como se ela o estivesse embalando.
A cena fazia com que a maioria dos transeuntes tapasse instintivamente a boca e o nariz com a própria roupa ou com um pano -praticamente a única medida profilática visível. Muitos abriam os braços, num gesto de incredulidade.
"É a primeira vez que vejo algo assim na minha vida", diz o taxista Clauvis Pierre, 37, que perdeu a sua casa e dois filhos, de 15 e 10 anos -outros dois sobreviveram. "O povo está nas ruas, mesmo os que ainda têm a sua casa, ninguém quer dormir do lado de dentro."
Em várias partes da cidade, os corpos eram reunidos no mesmo local, gerando mau cheiro, moscas e reações de asco e indignação. Mas também há corpos dispersos, que passavam praticamente desapercebidos pelos transeuntes.
Há outras centenas, provavelmente milhares, de corpos também dentro dos edifícios. Na Universidade GOC (Group Olivier Collaborateur), que funcionava num edifício de cinco andares agora reduzido a escombros, era possível ver uma sala de aula repleta de corpos misturados a cadeiras escolares. Ali, toda a improvisada operação de resgate estava sendo feita por outros estudantes e familiares, que calculam até mil pessoas dentro do prédio durante o terremoto.
Por volta das 10h45, um homem de cerca de 30 anos foi retirado com vida, após mais de 40 horas soterrado. Sem nem abrir os olhos, tinha força apenas para cruzar os dedos no pescoço da pessoa que o carregava no colo.
Perto dos escombros, a holandesa Myra de Bruijn, 29, acompanhava os trabalhos com o namorado haitiano, cujo irmão estava na universidade. Ela conta que trabalha na ONG Action Aid que, mesmo especializada em situações de emergência, nada pode fazer.
"Nosso escritório e minha casa foram destruídos, perdemos nossos telefones satelitais. Queremos ajudar, mas a catástrofe é muito grande", diz Bruijn, que estava no interior do país na hora do tremor. "Espero que não chova, aí a situação pode se agravar. Ninguém sabe se vai sobreviver com a água e a comida que tem."
Aparentemente, a tragédia foi mais forte nas zonas menos pobres, já que boa parte das casas com mais de um andar foram afetadas. Por outro lado, os barracos de zinco e lona das favelas eram bem menos mortais quando vieram abaixo.
Em vários pontos, há acampamentos de refugiados, abrigados sob tendas feitas principalmente com lençóis. Num dos que a reportagem visitou, improvisado num estacionamento, não havia presença de entidades do Estado nem de ONGs, e as pessoas dispunham apenas do que puderam retirar dos escombros.
A comunicação em Porto Príncipe está praticamente cortada, já que os telefones celulares, mais disseminados que os fixos, estavam fora do ar desde a segunda-feira à tarde.
Há sinais de desabastecimento por todas as partes. Muitas pessoas pedem água nas ruas, e os postos de gasolina reuniam filas de carro ou até mesmo de gente a pé.
"Muita gente vai morrer de fome. Aqui não tem casa, não tem água, não tem como viver", diz a vendedora de carvão Rosena Lamerique, 53.


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