São Paulo, domingo, 15 de fevereiro de 2004

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Liberais não são revolucionários, diz especialista

DA REDAÇÃO

A ausência de uma participação popular mais clara na crise política iraniana tem duas razões: primeiro, os liberais não são revolucionários, como pensam alguns analistas; segundo, a população não confia mais nos reformistas.
A análise é de Olivier Roy, diretor do Laboratório Mundo Iraniano do Centro Nacional da Pesquisa Científica (França) e co-autor de "Iran: Comment Sortir d'une Révolution Religieuse?" (Irã: como sair de uma revolução religiosa?). Leia trechos de sua entrevista, por telefone, à Folha. (MSM)

Folha - Como o sr. analisa o estágio atual da crise política iraniana?
Olivier Roy -
Claramente, trata-se de uma ofensiva dos conservadores para restringir o número de liberais que participarão da eleição. O objetivo da linha dura é, indubitavelmente, reconquistar a maioria no Parlamento, perdida na eleição legislativa de 2000.
Não se trata de dizer que a presença dos reformistas incomoda realmente os conservadores, mas a situação política está bloqueada. Ou seja, no sistema de coabitação iraniano, em que há o bloco conservador no comando do lado mais importante do poder e os liberais à frente do Parlamento, não há nenhuma possibilidade de colaboração entre as duas partes.
Há duas categorias de conservadores: os dogmáticos, como o líder supremo [Ali Khamenei], que não suportam a oposição por princípio, e os pragmáticos, como o ex-presidente Hashemi Rafsanjani, que crêem que a reforma do regime seja necessária, mas querem introduzi-la à sua maneira, paulatinamente. Para tanto, os conservadores pragmáticos precisam de uma maioria confortável no Parlamento.

Folha - A situação do presidente Mohammad Khatami tornou-se quase insustentável, não é?
Roy -
Sem dúvida, já que há um bloqueio institucional desde que ele foi eleito presidente, em 1997, e seu projeto de reformas não sai do papel. Seu maior problema é que ele concordou com a realização da eleição, dividindo o campo reformista, e, com isso, não haverá uma crise constitucional no país.
Neste momento, a única verdadeira crise possível só poderá ser desencadeada pela população por meio de protestos maciços. Por ora, não constato essa tendência entre os jovens iranianos. Assim, no fundo, podemos concluir que os liberais não contam com o apoio das ruas ou ou que eles não querem conclamar o povo a agir.

Folha - Por que os liberais não exortam a população a apoiar seus esforços por meio de protestos?
Roy -
Há duas razões: primeiro, os liberais não são revolucionários, como pensam alguns analistas; segundo, a população não confia mais nos reformistas, estando decepcionada com a demora na introdução do projeto de reformas prometido por Khatami.
Com isso, deveremos assistir a um altíssimo nível de abstenção. Em eleições regionais realizadas no ano passado, só 15% dos eleitores compareceram às urnas. Na eleição legislativa de 2000, mais de 70% fizeram questão de votar.

Folha - Sim, mas a ação dos jovens reformistas não deverá limitar-se ao boicote ao pleito. O que mais eles poderão fazer?
Roy -
Tudo dependerá do modo como os conservadores agirão após a eleição. Uma vez reconquistada a maioria no Parlamento, eles poderão lançar uma ofensiva para retomar as rédeas da sociedade ou, em vez disso, inserir na pauta do Legislativo um programa de reformas condizente com seus princípios e respeitador de sua posição política.
A ala conservadora comandada por Rafsanjani tem a intenção de introduzir a reforma para poder controlá-la a seu modo. O ex-presidente ainda desempenha um papel muito importante nos bastidores, comandando um bloco conservador importante.

Folha - Alguns analistas ocidentais crêem que estejamos diante do início do fim do regime islâmico. Qual é sua opinião a respeito disso?
Roy -
Trata-se de uma crise muito grave. Todavia nada garante que assistamos agora ao início do fim do regime islâmico nem que haja um levante popular, condição "sine qua non" hoje para uma mudança de regime no Irã. Assim, prefiro tomar cuidado com previsões espetaculosas, já que a questão é bastante complexa.

Folha - Há alguns dias, vimos muitos jovens na comemoração dos 25 anos da Revolução Islâmica. Por que a mídia ocidental tende a dizer que os jovens são, em sua esmagadora maioria, pró-reforma?
Roy -
É um erro comum pensar que o regime é autoritário e, portanto, não tem uma base de apoio popular. É verdade que essa base só constitui cerca de 30% da população. Todavia 30% de quase 70 milhões de pessoas são um número bastante significativo, o que permite que os conservadores reúnam milhares ou até milhões de pessoas em alguns eventos.


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