São Paulo, domingo, 15 de fevereiro de 2004

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RELIGIÃO

Para estudantes, lei aprovada na França para proteger laicidade do Estado desrespeita o direito à escolha

Muçulmanas do Brasil condenam proibição do véu

Lalo de Almeida-12.fev.2004/Folha Imagem
Alunos muçulmanos assistem a aula de árabe no Colégio Sapiens, em São Bernardo do Campo


GUSTAVO CHACRA
DA REDAÇÃO

"É um absurdo. Cada um tem o direito de escolher a própria religião e de usar o véu se quiser", diz Aliny Mohamed Abou Arabi, 15. Ela é uma das estudantes muçulmanas brasileiras indagadas pela Folha sobre a lei aprovada pela Câmara baixa da Assembléia Nacional da França nesta semana que proíbe o uso de símbolos religiosos, como o véu islâmico e o solidéu judaico, em escolas e universidades públicas.
A decisão gerou protestos de muçulmanos em todo o mundo, que a vêem como perseguição. Para o governo francês, a lei protegerá a laicidade do Estado e impedirá o fortalecimento do fundamentalismo islâmico nas escolas.
Usado desde o início da puberdade para ocultar o cabelo -considerado uma parte sensual do corpo que não deve ser revelada- o véu em sua origem servia para distinguir as crentes das demais. Apesar de defendê-lo, Aliny não usa o véu. "Estou errada. O certo seria usar o véu. Pretendo começar a vesti-lo logo", afirma. Sua colega Lina Omar Obaid, 12, já usa. "Ninguém me obriga. Apenas Deus. Quem tem fé usa."
Para Mayssa Saifi, professora em São Bernardo do Campo, o governo francês não tem o direito de impedir o uso do véu. "Acho que eles têm medo de que o islã tome conta de toda a região", afirma Mayssa, que usa o véu há 11 anos, desde os 14, apesar da oposição inicial dos pais. "Eles preferiam que eu decidisse usar o véu quando ficasse mais velha."
As três afirmam que não iriam a uma escola ou universidade que proibisse o uso do véu. "Abriria mão de estudar na USP se fosse impedido o uso do véu [no campus]", diz Aliny. Lina iria mais longe e processaria a escola: "Se eu respeito a religião deles, eles devem respeitar a minha".
Já a professora Mayssa, que estudou em classes mistas de cristãos e muçulmanos no Líbano, diz que ficaria magoada e buscaria uma alternativa para sua formação. "Mas não tiraria o véu."
Os meninos muçulmanos também condenam a lei francesa. O brasileiro de origem palestina Salah Iddin Hussein, 14, afirma que se sentiria muito desrespeitado se obrigassem a sua irmã a retirar o véu para assistir a uma aula.
"Por que alguns alunos podem usar piercing e cabelos pintados e outros são proibidos de usar o véu?", pergunta o estudante.
Os jovens muçulmanos estudam em colégios particulares na Grande São Paulo, onde dizem não haver problemas com os colegas não-muçulmanos.
Diretora do Colégio Sapiens, Angela Fantini, explica que as meninas jogam vôlei, fazem atletismo e outras atividades na escola sem grandes problemas.
"A escola é igual a qualquer outra instituição de ensino particular da Grande São Paulo", diz, indagada sobre a grande quantidade de alunos muçulmanos em suas carteiras -cerca de 60-, devido à proximidade da mesquita de São Bernardo do Campo, que reúne uma das maiores comunidades islâmicas do país.
"Na educação física, são tomados alguns cuidados: as muçulmanas não entram em contato físico com os meninos em esportes como o basquete e vestem calça comprida. As demais -e as meninas muçulmanas que quiserem- vestem bermuda", diz, ressaltando que o convívio é bom e todos se respeitam. "Assim como nenhuma delas reclama se eu vier de decote, ninguém se incomodará se elas vestirem o véu", afirma.
O xeque Ali Abdune, líder da Assembléia Mundial da Juventude Islâmica, afirma que o uso do véu é um princípio islâmico e que não há motivos para um governo democrático impedi-lo. "Ao contrário, uma menina que usa o véu dificilmente causará problemas na sala de aula", diz.
Questionado sobre restrições de vestuário a não-muçulmanos em alguns países islâmicos, ele afirma: "Na maioria dos países, os estudantes têm liberdade para se vestir. Mas há locais sagrados que precisam ser preservados, especialmente na Arábia Saudita".


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