|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
"Ordem contra Bashir agrava crise no Sudão"
Para Alex de Waal, negociação com pressão se mostrava mais eficaz; ele prevê aumento do saldo de mortos após expulsão de ONGs
Estudioso do conflito em Darfur diz que ONU não tem como ser mediador neutro, enquanto a União Africana, criticada, é fraca demais
PEDRO DIAS LEITE
DE LONDRES
Desde 2003, o governo do
Sudão patrocina uma campanha de terra arrasada para acabar com grupos rebeldes na região de Darfur, uma área quase
desértica do tamanho do Estado do Piauí (250 mil km2) no
oeste do país onde sobrevivem
cerca de 6 milhões de pessoas.
A ofensiva do Exército do Sudão, com apoio de milícias árabes, já deixou cerca de 300 mil
mortos e 3 milhões sem casa.
Quando, há 11 dias, o Tribunal Penal Internacional ordenou a prisão do ditador Omar
al Bashir pelos crimes na região, alguns analistas viram
uma chance de paz. Mas, para
um dos maiores especialistas
no tema, foi o fim de uma estabilidade frágil e um mergulho
na incerteza que pode fazer
mais milhares de vítimas.
"A ideia de que o mandado de
prisão [contra Bashir] seria um
incentivo para a paz é nonsense completo", diz o britânico
Alex de Waal, que estuda a região há mais de duas décadas.
A violência, que vinha em níveis relativamente baixos nos
últimos anos, deve piorar, diz.
A situação dos mais de 4 milhões de pessoas que dependiam de organizações humanitárias é incerta depois que 13
entidades foram expulsas em
retaliação à ordem de prisão.
De Waal sabe do que está falando. Sua tese de doutorado
em Oxford, no fim dos anos 80,
foi sobre uma fome que deixou
centenas de milhares de mortos na região em 1984-5.
O estudioso afirma ainda que
a expulsão das agências vai aumentar o controle do governo
sobre as milícias, conhecidas
como janjaweed ("cavaleiros
malvados"). Os espólios da expulsão, diz, devem ser usados
para recomprar sua lealdade.
Leia os principais trechos da
entrevista concedida à Folha,
por telefone, de Nova York.
FOLHA - Qual o impacto do pedido
de prisão de Bashir para Darfur?
ALEX DE WAAL - Há um véu de incerteza no momento. A regra
básica da negociação no Sudão
é: você sempre dá ao seu adversário uma chance de recuar, e
assim você sempre tem a chance de obter um acordo. Com o
mandado de prisão, essa oportunidade fica perdida. E muda a
intensidade do incentivo ao governo para chegar à paz ou fazer um acordo com os rebeldes.
Se você os põe contra a parede,
eles vão lutar. A ideia de que o
mandado de prisão incentivaria a paz é nonsense completo.
FOLHA - Haverá mais violência?
DE WAAL - As estatísticas que
temos, confiáveis, são de que
cerca de 1.800 pessoas foram
mortas em Darfur em 2008.
Cerca de 40% delas eram civis.
A probabilidade é que esse nível de violência cresça. [Na sua
conta, 90% das mortes do conflito ocorreram em 2003-04].
FOLHA - Internamente, o mandado
enfraquece ou fortalece Bashir?
DE WAAL - No curto prazo, ele
vai consolidar seu poder [o ditador comanda o país desde
1989]. A possibilidade de golpe
é muito pequena. Não há muito
descontentamento entre os militares e, sobretudo, não há sucessor à espera. Havia a previsão de uma eleição, mas a ideia
de que elas sejam justas e livres
é extremamente improvável.
Internacionalmente, ele está
isolado do Ocidente, mas ainda
tem uma solidariedade razoável dos países africanos.
FOLHA - O governo do Sudão tinha
controle dos janjaweed no início do
conflito, mas nos últimos tempos a
análise de especialistas é que esses
grupos não são mais dominados.
DE WAAL - Normalmente, a
lealdade das milícias em Darfur
se baseia num contrato de 18
meses. Durante 2006 e 2007,
foi muito difícil para o governo
do Sudão manter a lealdade dos
janjaweed, mas melhorou um
pouco no ano passado e vai ser
muito fortalecido neste ano,
pois muitos dos janjaweed sentem que o mandado de prisão
também os visa. Além disso, o
confisco dos bens das agências
humanitárias permitiu ao governo do Sudão pagar boa parte
dessas milícias [muitos assistentes, na expulsão, deixaram
computadores, equipamentos,
alimentos e dinheiro para trás].
FOLHA - O senhor fala que o mandado de prisão é ruim para os esforços humanitários. Mas não deve haver um balanço da busca pela paz e
da busca pela justiça?
DE WAAL - Há tensão, e é importante admitir que a justiça pode
tomar muitas formas. Não é
uma questão apenas de justiça
num tribunal, há outros meios,
como as Comissões de Verdade
e Reconciliação na África do
Sul [depois do fim do apartheid,
essas comissões buscaram descobrir a verdade, mas sem punição para quem confessasse
seus crimes]. É fato que milhões de vítimas querem justiça. Mas quando falam disso,
não é colocar Bashir num tribunal. Eles falam -e muitos deles
falaram diretamente para
mim- de voltar para suas casas, de compensação, de retomar a vida que perderam. Não
vejo como o que aconteceu nas
últimas semanas tomou qualquer passo nessa direção.
FOLHA - Qual o caminho para resolver essa situação?
DE WAAL - No momento é muito complicado ver uma saída.
Um dos problemas-chave é que
os principais interlocutores,
como o Conselho de Segurança
da ONU, se tornaram parte desse conflito [em 2005, foi o CS
que encaminhou o caso de Darfur para o TPI]. Então fica impossível para eles desempenhar o papel de mediadores.
FOLHA - Quem deveria mediar? A
União Africana também pode ser
encarada como parte do conflito,
mas do lado do Sudão.
DE WAAL - Não diria isso. A
União Africana tem sido muito
crítica do governo sudanês. O
problema é que ela não é forte o
bastante e está sujeita a críticas
da mídia ocidental. Infelizmente, não consigo ver uma saída.
FOLHA - Há alguma chance de Bashir ser preso?
DE WAAL - É muito improvável.
Texto Anterior: Islamabad censura TV e perde ministra Próximo Texto: Frase Índice
|