São Paulo, domingo, 15 de abril de 2007

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Bachelet quer tirar verba milionária de militares chilenos

Projeto pretende acabar com a Lei do Cobre, que destina 10% do lucro com a exportação do metal às Forças Armadas

Dinheiro tem de ser gasto com equipamentos ou modernização, o que põe o Chile entre os mais bem armados na América Latina

FLÁVIA MARREIRO
DA REDAÇÃO

O governo Michelle Bachelet planeja acabar com um dos maiores trunfos das Forças Armadas do Chile, herança da ditadura de Augusto Pinochet (1973-1990): a chamada Lei do Cobre, que obriga que 10% do obtido com a venda do principal produto chileno ao exterior seja remetido aos militares.
A idéia é ventilada pela presidente desde que ocupava o Ministério da Defesa, entre 2002 e 2004, e foi promessa de campanha. Agora ganhou corpo em forma de um projeto que está prestes a ser apresentado no Congresso do Chile.
Com os preços do cobre nas alturas -conseqüência do crescimento em especial da China-, a discussão sobre a fatia fixa dos militares do dinheiro da Codelco, a estatal chilena do produto, voltou a esquentar.
No ano passado, a Codelco teve lucro recorde de US$ 9,2 bilhões. Algo em torno de US$ 1 bilhão teve de ir às Forças Armadas ou "10% do retorno em moeda estrangeira pela venda da produção de cobre e seus subprodutos", tal como prescreve a Lei Reservada do Cobre, criada na década de 50 e convenientemente amplificada e mantida por Pinochet na Constituição de 1989.
Mais: pela norma, o dinheiro só pode ser usado para compra de armamentos ou aplicado em modernização. Há ainda um orçamento mínimo advindo do governo central, combinação que deixa os militares chilenos em situação mais que confortável na região, onde, em geral, os orçamentos da Defesa são magros. "A América Latina é a zona no mundo onde a relação orçamento de defesa/PIB é a mais baixa no planeta", disse à Folha o especialista em defesa uruguaio Juan Rial.
"As exceções são a Colômbia, afetada pela interferência americana, o Chile, por causa dos excedentes do cobre, e a Venezuela, que, em razão da renda extra do petróleo, embarcou em uma onda de compras importante", completou ele, que é um dos diretores da Resdal (Rede de Segurança e Defesa da América Latina).
Para efeito de comparação, no autorizado no Orçamento de 2007 para o Ministério da Defesa brasileiro, país 11 vezes maior e com seis vezes mais militares que o Chile, só há R$ 2,4 bilhões para investimentos.
A Lei do Cobre é, para especialistas, "a maior dívida"" do processo de transição das Forças Armadas à democracia. "Enquanto os militares tiverem verba para gastar com o que quiserem, sem prestar contas e sem participar de maneira igualitária da partilha dos recursos públicos, há uma dívida do Chile com a democracia", diz o analista chileno Daniel Álvarez, ex-editor da revista "Forças Armadas e Sociedade".

Orçamento estável
Na outra ponta, militares e deputados moderados da coalizão de centro-esquerda de Bachelet argumentam que foi a constância orçamentária a promotora da modernização das Forças Armadas. Na semana passada, o comandante-em-chefe do Exército, Ricardo Izurieta, foi ao Senado defender que, estratégicas, as forças devem "ter um orçamento estável"; ele disse que os militares estudam "junto com o governo", sugerindo que a Lei do Cobre pode ser apenas modificada, e não revogada.
Mas, para Álvarez, "apesar do desejo explícito" de Bachelet de mudar a lei, "o momento político não é favorável". "Bachelet chegou ao poder com mais problemas do que esperava. São muitos flancos abertos e os militares ainda são muito influentes", diz, aludindo à crise dos transportes em Santiago que fez cair a aprovação do governo.


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