São Paulo, domingo, 15 de abril de 2007

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Tensão marca elo de governo e militares

Falhas no controle público-civil das Forças Armadas estão por trás dos freqüentes atritos no Cone Sul, apontam especialistas

Brasil é o país da região com menos civis qualificados para conduzir temas de segurança nacional, diz cientista político uruguaio

DA REDAÇÃO

Não é só no Brasil que as relações entre governo civil e comando militar exibem fricções. Para analistas de defesa do Cone Sul, os países da região ainda convivem com falhas no controle público-civil das Forças Armadas e arrastam debilidades institucionais advindas das ditaduras militares das décadas de 60 a 80.
Com graus diferentes, apontam os especialistas, Chile, Argentina, Uruguai e Brasil ainda não completaram a transição para conformar as forças a um regime democrático.
Um indício e ao mesmo tempo causa importante da situação, diz o cientista político uruguaio Juan Rial, especialista em defesa, é a falta de civis preparados para lidar com o tema.
"Se em todos os países faltam recursos humanos civis com conhecimentos adequados para conduzir temas de defesa nacional, notoriamente é no Brasil, que só em 1999 contou com um Ministério da Defesa, onde o déficit é mais pronunciado", aponta Rial. "Na prática, a autonomia funcional dos serviços armados brasileiros é alta", diz, em acordo com um dos principais estudiosos brasileiros do tema, Jorge Zaverucha, da Universidade de Pernambuco.
Não há estímulo entre civis para estudar defesa nem as escolas militares são capazes de montar currículos que produzam uma doutrina moderna de segurança nacional, pensada como política pública, diz Rial.
Zaverucha, porém, é categórico ao comparar o processo brasileiro ao dos países vizinhos. "Chile, Argentina e Uruguai estão mais avançados que o Brasil", diz. "Tensões sempre vão existir. Mas veja que o neto de Pinochet foi afastado do Exército chileno", completa.
O brasileiro faz referência à expulsão do capitão do Exército Augusto Pinochet Molina, neto do ditador morto em dezembro, após ter elogiado o golpe de 1973 no enterro do avô.
Dosando "recados claros" como esse e "conciliação", o caso da transição chilena, apesar da independência orçamentária dos militares e de tensões em torno do julgamento dos crimes da ditadura, é apontado pelo cientista político do país David Álvarez como modelo positivo de reagregação das Forças Armadas à sociedade.
Álvarez diz que a passagem de Michelle Bachelet pelo Ministério da Defesa, entre 2002 e 2004, foi um divisor de águas. Ex-exilada do regime de Pinochet (1973-1990), ela estudou temas de defesa e, já na pasta, conduziu mudanças iniciadas pela Constituição de 1995.
Foi na pasta, inclusive, que Bachelet se tornou popular ao comandar, em cima de tanques, a ajuda a vítimas de uma enchente, o que a cacifou como candidata a presidente.
"Podemos dizer que no Chile a relação cívico-militar caminha para a normalização, é muito mais tranqüila do que na Argentina, onde há um descontentamento mútuo", diz Álvarez, em referência aos embates freqüentes entre a Casa Rosada e os militares, que deixam as Forças Armadas sem lugar na nova conformação política.
Para Juan Rial, os países da América do Sul palco de ditaduras militares ainda têm um longo caminho na transição -quer pelo debate sobre o papel das Forças Armadas, quer porque o peso das violações dos direitos humanos durante os regimes de exceção permanece. "Como em toda situação de pós-conflito, onde o fato adquire um caráter total, o tema se arrastará por um longo tempo, presumivelmente até que todas as gerações envolvidas na confrontação desapareçam."
Mesmo no caso da Argentina, onde a sensação é a de que a queda trágica da ditadura após a Guerra das Malvinas (1982) "permitiu uma mudança mais forte e mais radical", a história é de idas e vindas. "A Argentina está em constantes idas e voltas. Houve julgamentos e anistias sucessivas. Houve rebeliões. Hoje está em uma fase de retorno aos julgamentos."
Diferentemente do que ocorre no Brasil, nos demais países do Cone Sul a questão da participação ou não das Forças Armadas na segurança interna, com o combate à criminalidade urbana, não aparece com tanta força -apesar de contar com a simpatia dos EUA por causa da "guerra contra o narcotráfico".
Rial e o brasileiro Zaverucha são contra o envolvimento militar nessa tarefa. "Tratam-se de missões e funções diferentes. Claro que, diante da pressão da opinião pública, cede-se à tentação de enviar tropas para patrulhar ruas e favelas. Mas a eficácia disso é mínima", diz o uruguaio. (FLÁVIA MARREIRO)


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