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Tensão marca elo de governo e militares
Falhas no controle público-civil das Forças Armadas estão por trás dos freqüentes atritos no Cone Sul, apontam especialistas
Brasil é o país da região com menos civis qualificados para conduzir temas de segurança nacional, diz cientista político uruguaio
DA REDAÇÃO
Não é só no Brasil que as relações entre governo civil e comando militar exibem fricções.
Para analistas de defesa do Cone Sul, os países da região ainda
convivem com falhas no controle público-civil das Forças
Armadas e arrastam debilidades institucionais advindas das
ditaduras militares das décadas
de 60 a 80.
Com graus diferentes, apontam os especialistas, Chile, Argentina, Uruguai e Brasil ainda
não completaram a transição
para conformar as forças a um
regime democrático.
Um indício e ao mesmo tempo causa importante da situação, diz o cientista político uruguaio Juan Rial, especialista
em defesa, é a falta de civis preparados para lidar com o tema.
"Se em todos os países faltam
recursos humanos civis com
conhecimentos adequados para conduzir temas de defesa nacional, notoriamente é no Brasil, que só em 1999 contou com
um Ministério da Defesa, onde
o déficit é mais pronunciado",
aponta Rial. "Na prática, a autonomia funcional dos serviços
armados brasileiros é alta", diz,
em acordo com um dos principais estudiosos brasileiros do
tema, Jorge Zaverucha, da Universidade de Pernambuco.
Não há estímulo entre civis
para estudar defesa nem as escolas militares são capazes de
montar currículos que produzam uma doutrina moderna de
segurança nacional, pensada
como política pública, diz Rial.
Zaverucha, porém, é categórico ao comparar o processo
brasileiro ao dos países vizinhos. "Chile, Argentina e Uruguai estão mais avançados que
o Brasil", diz. "Tensões sempre
vão existir. Mas veja que o neto
de Pinochet foi afastado do
Exército chileno", completa.
O brasileiro faz referência à
expulsão do capitão do Exército Augusto Pinochet Molina,
neto do ditador morto em dezembro, após ter elogiado o golpe de 1973 no enterro do avô.
Dosando "recados claros" como esse e "conciliação", o caso
da transição chilena, apesar da
independência orçamentária
dos militares e de tensões em
torno do julgamento dos crimes da ditadura, é apontado
pelo cientista político do país
David Álvarez como modelo
positivo de reagregação das
Forças Armadas à sociedade.
Álvarez diz que a passagem
de Michelle Bachelet pelo Ministério da Defesa, entre 2002 e
2004, foi um divisor de águas.
Ex-exilada do regime de Pinochet (1973-1990), ela estudou
temas de defesa e, já na pasta,
conduziu mudanças iniciadas
pela Constituição de 1995.
Foi na pasta, inclusive, que
Bachelet se tornou popular ao
comandar, em cima de tanques,
a ajuda a vítimas de uma enchente, o que a cacifou como
candidata a presidente.
"Podemos dizer que no Chile
a relação cívico-militar caminha para a normalização, é
muito mais tranqüila do que na
Argentina, onde há um descontentamento mútuo", diz Álvarez, em referência aos embates
freqüentes entre a Casa Rosada
e os militares, que deixam as
Forças Armadas sem lugar na
nova conformação política.
Para Juan Rial, os países da
América do Sul palco de ditaduras militares ainda têm um longo caminho na transição -quer
pelo debate sobre o papel das
Forças Armadas, quer porque o
peso das violações dos direitos
humanos durante os regimes
de exceção permanece. "Como
em toda situação de pós-conflito, onde o fato adquire um caráter total, o tema se arrastará
por um longo tempo, presumivelmente até que todas as gerações envolvidas na confrontação desapareçam."
Mesmo no caso da Argentina,
onde a sensação é a de que a
queda trágica da ditadura após
a Guerra das Malvinas (1982)
"permitiu uma mudança mais
forte e mais radical", a história
é de idas e vindas. "A Argentina
está em constantes idas e voltas. Houve julgamentos e anistias sucessivas. Houve rebeliões. Hoje está em uma fase de
retorno aos julgamentos."
Diferentemente do que ocorre no Brasil, nos demais países
do Cone Sul a questão da participação ou não das Forças Armadas na segurança interna,
com o combate à criminalidade
urbana, não aparece com tanta
força -apesar de contar com a
simpatia dos EUA por causa da
"guerra contra o narcotráfico".
Rial e o brasileiro Zaverucha
são contra o envolvimento militar nessa tarefa. "Tratam-se
de missões e funções diferentes. Claro que, diante da pressão da opinião pública, cede-se
à tentação de enviar tropas para patrulhar ruas e favelas. Mas
a eficácia disso é mínima", diz o
uruguaio.
(FLÁVIA MARREIRO)
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