São Paulo, terça-feira, 15 de abril de 2008

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Berlusconi tem vitória folgada na Itália

Milionário sobe à chefia do governo pela terceira vez; comunistas deixam Parlamento e xenófobos da Liga Norte avançam

Mesmo fortalecido, líder da direita terá de buscar apoio fora de sua coligação; ele convida centro-esquerda a negociar reforma eleitoral

Chris Helgren - 10.abr.08/Reuters
Silvio Berlusconi cercado de partidários em comício da campanha no Coliseu; ontem, após vitória, ele só deu entrevista pela TV

CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A ROMA

O milionário Silvio Berlusconi volta ao governo da Itália, após um curto intervalo de dois anos, com uma vantagem sobre Walter Veltroni, o candidato de centro-esquerda, maior do que aparecia nas pesquisas divulgadas na reta final da campanha.
Volta também com uma oferta de diálogo rara em um político que provoca amores e ódios. "Estamos prontos a trabalhar junto com a oposição sobre as reformas", disse Berlusconi em telefonema ao programa "Porta a Porta", da Rai-1, um dos três canais da televisão estatal.
Mas o velho Berlusconi apareceu também no telefonema, ao insistir em que houve irregularidades na eleição de 2006, na qual foi derrotado por Romano Prodi, o líder da coalizão de centro-esquerda derrubada em janeiro ao perder a maioria no Senado.
A principal das reformas sobre as quais o vencedor promete diálogo é a política, para modificar um sistema eleitoral que é um convite à instabilidade e que dá aos partidos pequenos poder de chantagem sobre seus próprios sócios em coalizões, de esquerda ou direita.
Apuradas mais de 99% das seções, a coligação liderada por Berlusconi tinha 46,8% dos votos para a Câmara dos Deputados, cerca de nove pontos a mais que os 37,6% da coalizão de Veltroni. No Senado, para o qual se esperava um empate, a vantagem de Berlusconi foi também de cerca de nove pontos percentuais (47,3% a 38%).
As projeções feitas pela Rai-1 davam a Berlusconi 340 cadeiras na Câmara, maioria absoluta das 630 vagas, contra apenas 241 para a coligação entre o PD (Partido Democrático, de Veltroni) e o partido Itália dos Valores, liderada pelo ex-juiz Antonio di Pietro, responsável principal pela chamada "Operação Mãos Limpas", que dinamitou o sistema partidário italiano, nos anos 90.
No Senado, a diferença pró-Berlusconi seria de 163 a 141, mas um cálculo mais preciso dependia da definição no Lázio, a região que circunda Roma, na qual havia um virtual empate. A Lei Eleitoral italiana dá um "prêmio de maioria" ao partido mais votado, o que lhe assegura sempre 55% das cadeiras na Câmara.
Na Câmara, o "prêmio" leva em conta a votação nacional. No Senado, também há um prêmio, mas distribuído regionalmente -quem ganhar o Lázio, por exemplo, leva um prêmio, o que pode modificar a composição da Casa.

Estabilidade
A vitória relativamente folgada de Berlusconi abre caminho para uma maior estabilidade do seu futuro governo. Mas seus adversários se apressaram a dizer que quem mais ganhou foi a Liga Norte, um dois grupos coligados com o PdL (Povo da Liberdade), o partido de Berlusconi. O outro é o pequeno Movimento pela Autonomia do Sul (na verdade, da Sicília).
A Liga Norte é um grupo xenófobo, forte no rico norte italiano e que tem como agenda principal a independência do que chama de Padânia, embora publicamente fale apenas em "mais federalismo". A Liga ficou com 9% dos 46% obtidos pela coligação de Berlusconi.
No pronunciamento em que admitiu a derrota, Veltroni disse que o resultado mostra "um reforço da Liga" com a formação de uma maioria que "terá dificuldades em manter-se unida porque as diferenças programáticas persistem".
Na mesma linha manifestou-se a União de Centro, o maior grupo que sobrou da outrora hegemônica Democracia Cristã: "O governo estará na mão da Liga", acha Ferdinando Adornato, um de seus líderes.
São exatamente as disputas no interior de cada coligação que tornam instável a governança na Itália. O próprio Berlusconi caiu nove meses depois da posse, na primeira vez em que chegou ao poder, em 1994. Romano Prodi, o premiê que governou até janeiro, ficou dois anos no cargo (o mandato teórico é de cinco anos).
Por isso, há um clamor pela reforma política. Nesta eleição, em que as coligações principais foram formadas por um número menor de partidos, o voto nos grandes grupos mal passa de um terço do total. O Povo da Liberdade ficou com 36% e o PD de Veltroni levou 33%.
Logo, Berlusconi dependerá não apenas da Liga Norte e do Movimento pela Autonomia, mas também de trazer de volta para seu lado a União de Centro (5,6%), único dos partidos fora das coligações principais que superou a cláusula de barreira (4% dos votos) e, portanto, estará representado tanto na Câmara como no Senado.
Quem não chegou aos 4% foi a coligação Esquerda Arco-Íris, formada pela Refundação Comunista e pelos "verdes". Com isso desaparece do Parlamento o que ainda havia de comunismo na Itália, único país do Ocidente em que um PC esteve próximo de chegar ao poder pelo voto, nos anos 70.


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