São Paulo, quinta-feira, 15 de maio de 2008

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Cúpula de Lima não dará aval ao álcool

Documento do encontro de líderes da América Latina, Caribe e União Européia é vago sobre energia e imigração

Eitan Abramovich/France Press
Bandeiras no Museu da Nação em Lima, onde ocorrerá a cúpula

CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A LIMA

Por mais que a 5ª Cúpula ALC-UE (América Latina-Caribe e União Européia) se concentre no que os governantes vão chamar de "desafios interrelacionados", como a pobreza e o desenvolvimento sustentável, o que engloba ambiente e mudança climática, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva não sairá dela com uma declaração de apoio à sua obsessão, que é a de consagrar o álcool como matéria-prima de uma "revolução" energética no planeta.
O documento final, a ser emitido amanhã, é vago nesse tema como em todos os demais, de acordo com o rascunho a que a Folha teve acesso.
Limita-se a pregar "cooperação" nas seguintes áreas: "diversificação de fontes de energia; melhor acesso a produção e uso de energias limpas e uso menos intensivo do carvão; desenvolvimento de novas tecnologias; produção e uso de fontes de energia ambientalmente sustentáveis". A palavra etanol nem aparece no texto, embora possa ser entrevista na menção a "energia limpa".
A superficialidade do documento combina com o fato de que, após uma fase de paixão intensa pelo álcool, no mundo todo, veio uma barragem de críticas, centradas, é verdade, no etanol feito de milho (o dos EUA), mas que acabou contaminando todo o universo do álcool combustível, inclusive o brasileiro, de cana-de-açúcar.
De Lima, no entanto, o etanol sai sem ser inteiramente vilão, mas também sem ser sacramentado como a matriz da revolução energética, como defende Lula.
A Folha perguntou ontem a Karl Falkenberg, diretor-geral-adjunto de Comércio Exterior da Comissão Européia e o seu principal negociador técnico, qual era o seu suspeito preferido no caso da disparada mundial de preços de alimentos, se os subsídios à agricultura dos países ricos ou se o suposto ou real desvio para os biocombustíveis de plantios para consumo humano.
"Nem um nem o outro. O elemento-chave é o aumento rápido da demanda, em especial da Índia e da China, não acompanhado de crescimento da produção", respondeu. É tese idêntica à que Lula tem defendido. Mas, ao contrário do presidente brasileiro, Falkenberg não inocenta completamente o etanol. "É certamente um dos elementos" (para o aumento de preços).
Ele diz, no entanto, que a tecnologia resolverá o problema, quando ela permitir que se utilize biomassa em vez de matéria alimentícia para produzir o biocombustível chamado de segunda geração. O Brasil é líder mundial no de primeira geração, o álcool.

Nacionalização
A superficialidade do texto, ainda em discussão, aparece também no tema migração, que está no topo das preocupações em boa parte da Europa, com reflexos eleitorais, e na América Latina.
O rascunho joga a questão para um futuro "diálogo estruturado e abrangente, de forma a identificar nossos desafios comuns e áreas de cooperação mútua".
Ante um documento insípido, é previsível que a expectativa se transfira para os diálogos entre os governantes, longe dos olhos e ouvidos do público.
Por enquanto, a principal preocupação européia não é o suspeito usual, o venezuelano Hugo Chávez, mas o boliviano Evo Morales, por conta da nacionalização, em 1º de maio, de uma empresa de telefonia de capital italiano. Karl Falkenberg chamou ontem de ação "extremamente desafortunada" a nacionalização de empresas. "É um sinal para que as empresas ajam com precaução nos países em que ocorre."
Sempre segundo o funcionário europeu, a ação da Bolívia torna mais difícil ainda a negociação para um acordo comercial entre a União Européia e a Comunidade Andina (Peru, Colômbia, Equador e Bolívia).
Quanto à idêntica negociação com o Mercosul, Falkenberg sepulta qualquer expectativa de retomada em Lima (a negociação parou em 2004). "Os europeus não estão dispostos a apresentar uma proposta detalhada sobre agricultura enquanto não ficar claro que concessões terão que fazer na Rodada Doha. E o Mercosul tampouco está disposto a negociar bens industriais sem saber o que acontecerá com Doha", diz.


O jornalista CLÓVIS ROSSI viajou a convite da Comissão Européia


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