|
Texto Anterior | Índice
Espanha suspende juiz por mirar franquismo
Acusado de prevaricação por abrir investigação sobre crimes contra a humanidade em ditadura, Baltasar Garzón é afastado do cargo
Suspensão impede que o
magistrado, célebre por ter
ordenado prisão de Pinochet,
possa se transferir para o
Tribunal Penal Internacional
CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A MADRI
Francisco Franco Bahamonde, "caudilho da Espanha pela
graça de Deus", pode voltar a
descansar em paz em sua tumba no imponente Vale dos Caídos, nos subúrbios de Madri.
O juiz Baltasar Garzón, o homem que decidiu julgá-lo mesmo depois de transcorridos 35
anos de sua morte, foi suspenso
ontem pelos seus pares e já não
pode mexer no dossiê da ditadura franquista.
O caso Garzón/Franco tem
algum parentesco com a polêmica que se dá no Brasil em torno da Comissão da Verdade e
da Lei de Anistia.
No Brasil como na Espanha,
o que está em jogo é se a anistia
cobre ou não crimes contra a
humanidade.
Na Espanha, o "sim" veio da
própria Justiça. Seu colega Luciano Varela determinou a
abertura de processo contra
Garzón, acusando-o de prevaricar porque resolveu investigar
os crimes da ditadura franquista (1939-1975), em vez de aplicar a Lei de Anistia.
Garzón alegava que a anistia
não podia cobrir crimes contra
a humanidade.
A decisão de ontem da Audiência Nacional não entra no
mérito da suposta ou real prevaricação. Apenas obedece a
norma legal que manda afastar
um juiz quando se inicia um
processo contra ele.
Tecnicalidades à parte, em
torno do caso estava montada
uma batalha entre a direita e a
esquerda espanholas, os dois
lados que se enfrentaram na
guerra civil de 1936-39.
Um dos mais relevantes balanços da guerra está no livro
"Metade da Espanha morreu",
do jornalista Herbert Matthews. O título acaba por explicar o caso Garzón.
Não é que metade da Espanha tenha realmente morrido
fisicamente. Mas, entre mortos, exilados, perseguidos e civicamente desterrados, a metade derrotada perdeu também a
vida cívica. Eram socialistas,
comunistas e anarquistas, na
grande maioria.
Garzón tomou partido do lado derrotado. Um pedaço do lado vencedor impugnou judicialmente a ação de Garzón,
por meio de associações notórias no tempo do franquismo,
entre elas a Falange Espanhola,
braço do fascismo no país.
Um dos incontáveis casos de
repercussão em que Garzón esteve envolvido foi o mandado
de prisão contra Augusto Pinochet, o ditador chileno, que se
encontrava em Londres, em
1998. Ganhou o ódio eterno da
extrema-direita para quem Pinochet era e continua sendo
um herói do anticomunismo.
Varela, embora tenha origem
na esquerda, levou seu combate
ao extremo de assessorar as associações franquistas na elaboração da peça contra o colega.
Por isso, o advogado de Garzón
tentou ontem mesmo, antes da
suspensão, impugnar o processo que Varela estava abrindo,
por "nulidade de pleno direito".
A alegação é a de que Varela
estava atuando ao mesmo tempo como juiz e parte.
TPI
Não foi o único movimento
pró-Garzón prévio à suspensão: seus colegas progressistas
tentaram fórmula para que a
Audiência Nacional o liberasse
para atender o convite de Luiz
Moreno-Ocampo, promotor do
Tribunal Penal Internacional,
que quer o juiz espanhol como
assessor. Não houve tempo.
Só depois da suspensão é que
o tribunal examinou o pedido,
mas adiou a decisão, o que acaba sendo uma ironia: um juiz é
punido por tentar investigar
crimes contra a humanidade ao
mesmo tempo em que é convidado para assessorar um tribunal internacional que julga o
mesmo tipo de crime.
À noite, convocados por
mensagens SMS, simpatizantes do juiz reuniram-se diante
da Audiência Nacional para
protestar contra uma decisão
que o diretor de cinema Pedro
Almodóvar disse provocar-lhe
"uma inquietante desconfiança
no sistema judicial".
Texto Anterior: Eleição na Colômbia: Pesquisas ratificam empate dias antes do fim de campanha Índice
|