São Paulo, Quinta-feira, 15 de Julho de 1999
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FUTURO DO IRÃ
Presidente reformista terá de enfrentar a desconfiança de estudantes, uma de suas bases de apoio
Khatami vive novo desafio, diz analista

da Reportagem Local

Além do desafio inicial representado por sua opção por reformas moderadas no regime islâmico, o presidente Mohamad Khatami deve sair da crise dos últimos dias com mais um problema: a desconfiança de ambos os lados que lutam pelo poder no Irã.
""Os estudantes questionarão cada vez mais se ele está realizando as reformas, e os representantes da linha dura questionarão se ele não está minando o regime", afirmou à Folha o especialista norte-americano Patrick Clawson, diretor de pesquisa do Instituto de Política para o Oriente Médio de Washington (EUA).
"Os protestos dos últimos dias aumentaram o ódio entre os que querem mudanças e os que querem manter o sistema. Ficou mais difícil para Khatami obter um compromisso entre as duas partes em conflito", diz Clawson.
Para ele, no curto prazo, os conservadores devem prevalecer. ""É mais provável que os protestos diminuam", afirmou.
Analistas destacam o fato de os estudantes não terem estruturas organizadas, o que dificultaria a sobrevivência do movimento.
""Os conservadores, no período de 20 anos, aprenderam a se organizar e têm os meios para fazê-lo, enquanto o movimento estudantil é espontâneo", escreveu Mouna Naim, jornalista do diário francês ""Le Monde".
Sobre o futuro, Clawson afirmou: ""Acho que, nos próximos anos, o descontentamento com o regime crescerá, os protestos ficarão mais fortes, e o regime se tornará cada vez mais fraco".
A situação de Khatami oscilou de uma posição de força, no final da semana passada, para uma posição bem mais vulnerável nesta semana.
No final da semana, Khatami parecia ter se beneficiado do apoio conquistado pelos estudantes após o ataque da polícia e de militantes conservadores a um ato estudantil pacífico na última sexta-feira, durante o qual pelo menos um jovem morreu.
Anteontem, no entanto, o lado pró-reforma sofreu um revés devido aos ataques a prédios públicos e comerciais de Teerã (capital) em atos contra o governo.
Após esses ataques, qualificados pelos conservadores como ""atos de vandalismo", Khatami foi à TV e ameaçou reprimir novos protestos. Disse que a ""desordem ameaçava o seu projeto reformista".
De acordo com Clawson, o presidente Khatami se encontra numa situação difícil porque pretende realizar reformas no regime iraniano sem alterá-lo profundamente.
"Ele é um homem que tem a ambição de reformar o sistema, mas que deseja manter as mesmas pessoas no poder. Khatami não quer que aconteça o que ocorreu na Rússia. Tem medo de se tornar o "aiatolá Gorbatchov" ", disse, em referência ao último líder da União Soviética.
Mikhail Gorbatchov se dizia disposto a criar ""um socialismo com face humana", ou seja, reformar o regime soviético sem destruí-lo. Mas sua abertura permitiu o início de uma onda anticomunista que desintegrou a URSS em 1991.
Mohamad Khatami foi eleito presidente pelo voto direto, em 1997, com 70% de apoio, principalmente entre os estudantes e as mulheres, que são sujeitas a uma série de restrições pelas leis islâmicas impostas ao país desde a Revolução Iraniana (1979).
Durante sua campanha eleitoral e no governo, o presidente Khatami defendeu uma modernização do país, com mais liberdade de expressão e de imprensa e flexibilização dos costumes, assim como uma reaproximação com o Ocidente. (OTÁVIO DIAS)


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