São Paulo, domingo, 15 de agosto de 2004

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GUERRA SEM LIMITES

Pesquisa nega imagem de desespero

Terrorista típico é de classe média e tem boa instrução, diz estudo

JEAN-PIERRE STROOBANTS
DO ""LE MONDE", EM BRUXELAS

O terrorista típico membro da nebulosa rede Al Qaeda é instruído, saído da classe média ou alta, raramente tem formação religiosa, mais freqüentemente é casado e pai de família e realiza algum trabalho interessante.
Marc Sageman, professor da Universidade da Pensilvânia, conselheiro do governo americano e antigo agente da CIA (agência de inteligência americana) no Afeganistão e um dos mais respeitados analistas do terrorismo atual, realizou um estudo sobre o que descreveu como ""o novo terrorista global e niilista".
O resultado surpreendeu porque bate de frente com uma idéia firmemente implantada: a de que os terroristas suicidas, colocadores de bombas e membros de células islâmicas seriam, basicamente, jovens perdidos na vida, pobres e isolados, saídos dos subúrbios pobres do mundo árabe-muçulmano.
Sageman -que testemunhou como especialista em Al Qaeda à comissão do Congresso americano responsável por investigar as circunstâncias do 11 de Setembro- analisou o perfil de 382 terroristas supostos ou declarados que têm vínculos diretos ou indiretos com a rede terrorista liderada pelo saudita Osama bin Laden.

"Gente como a gente"
Nos Estados Unidos, na Alemanha, na França, em Marrocos, no Egito e na Indonésia, ele teve acesso a documentos dos serviços de informação e da polícia, às transcrições de escutas telefônicas e de interrogatórios, a dados pessoais sobre os suspeitos etc.
São fontes que o especialista considera incompletas, mas que, mesmo assim, em sua opinião, resultaram em alguns dados constantes.
Depois de classificar as pessoas em questão em categorias amplas (dirigentes, árabes, magrebinos -originários do norte da África-, asiáticos), Sageman destacou, para começar, que mais de 90% deles não tiveram educação religiosa.
Em seguida, ele observa que 17,6% dos supostos terroristas saíram de classes sociais altas e 54,9% das classes médias. Quase 60% deles possuem no mínimo um diploma de ensino secundário, 42% têm trabalhos interessantes e 33% fazem trabalho semiqualificado.
Com média de idade de 25,7 anos, o terrorista típico é, ""em mais de sete em cada dez casos, casado e pai de família, na maioria dos casos sem antecedentes criminais".
Apresentados no início de julho, os resultados da pesquisa provocaram espanto no público americano, convencido, segundo o autor, de que os integrantes da Al Qaeda são ""fanáticos religiosos, malucos vindos de outro planeta habitado por demônios".
Na verdade, ironiza Sageman, ""eles se assemelham às pessoas às quais apresentei meu trabalho".

Solidão
O que chama a atenção, diz ele, é que muitos daqueles cujo perfil ele estudou são totalmente ocidentalizados, membros de um mundo globalizado pelo qual já viajaram: 70% afirmam ter entrado para a "guerra santa" num país estrangeiro, depois de terem emigrado para estudar ou por razões profissionais.
Boa parte deles, diz Sageman, passou a ter saudades de seus países e a sentir-se solitária e marginalizada, quando não rejeitada mesmo, em seus países de adoção. Muitos, então, se sensibilizaram com as mensagens difundidas nas mesquitas radicais, onde se fala da ""decadência" da sociedade ocidental e também da necessidade de defender o islã nos países árabes que desenvolveram vínculos com o Ocidente.

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