São Paulo, domingo, 15 de agosto de 2010

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Laços com a mídia impulsionam Santos

Família do presidente tem participação em rádio, TV, jornal e revista, o que assegura "lua de mel" com imprensa

Licitação de canal de TV com um só candidato, ligado aos Santos, vai testar relação de líder colombiano com o setor


Carlos Ortega - 21.jun.2010/Efe
Homem em Cali lê jornal editado por grupo fundado pela família Santos

FLÁVIA MARREIRO
DE CARACAS

O novo presidente da Colômbia, Juan Manuel Santos, em oito dias de governo, fez tudo para se afastar da "herança maldita" de seu padrinho político Álvaro Uribe, amado pelas conquistas em segurança, mas incômodo no quesito escândalos e na etiqueta para tratar a oposição e os vizinhos.
De sábado até hoje, o novo governo pactou trégua com a Venezuela, com a Corte Suprema de Justiça -em pé de guerra com Uribe-, e acenou até à diminuta oposição, oferecendo participação em comissões no Legislativo.
Sem falar na nomeação de um gabinete "de luxo", com acadêmicos, políticos de renome e nomes do setor privado com formação no exterior.
Nem o atentado em Bogotá, na quinta-feira, foi capaz de afetar a atmosfera de lua de mel do novo governo.
"Rapidamente Santos tratou de corrigir as tensões do governo anterior. Foi uma surpresa que tenha sido tão rápido e, de alguma maneira, exitoso", disse Rodrigo Pardo, ex-chanceler no governo Ernesto Samper (1994-1998) e parte do conselho editorial da famosa revista "Semana".
A dourada estreia de Santos foi coroada pelos elogios de colunistas críticos de Uribe, como Pardo, e vem embalada pelos laços do presidente com os principais meios de comunicação e com a elite tradicional do país.

LICITAÇÃO
É justamente da sua estreita ligação com a mídia -a família é fundadora e acionista do principal jornal colombiano, o "El Tiempo"- que devem vir os primeiros desafios concretos do "estilo Santos".
Em primeiro lugar, está em curso a controversa licitação do terceiro canal de TV nacional da Colômbia. Em uma batalha que se arrasta ao menos por um ano, o processo está paralisado porque só há um candidato: o grupo espanhol Planeta, sócio da família Santos no "El Tiempo".
Os dois demais concorrentes, o também espanhol Prisa e o magnata venezuelano Gustavo Cisneros, desistiram de disputar a concessão por falta de "garantias jurídicas".
"É uma das primeiras provas para Santos, de passar do estilo à ação. Vamos ver se ele deixa a licitação como está e outorga o terceiro canal à família ou se muda as regras do jogo", diz Pardo.
A licitação está à espera de um parecer do Conselho de Estado, um órgão consultivo do Executivo. E Santos terá de coordenar a escolha do quinto integrante da comissão governamental que terá a última palavra no caso.
Se a nova emissora terminar de fato nas mãos do Planeta, analistas alertam para a perigosa concentração do poder midiático em torno da família do novo presidente.
Seu primo, Francisco Santos, vice de Uribe, anunciou nesta semana que será diretor de notícias da rádio RCN, a segunda do país, cujo grupo controla uma das TVs. O sobrinho do presidente, Alejandro, dirige a "Semana".
O irmão de Santos, Luis Fernando, acaba de anunciar que deixará a direção da Casa Editorial El Tiempo, para evitar conflito de interesse.
Mas textos do jornal não escondem a admiração pelo novo presidente, que já foi subdiretor da casa. "Não sabiam os colombianos, por exemplo, de sua obsessão por pontualidade, por dizer a verdade, por reconhecer seus erros e sua disposição de corrigir", diz o perfil dele, na edição do dia da posse.
Daniel Samper Pizano, colunista do jornal centenário, expressou seu desconforto. Escreveu no "El Tiempo", em 31 de julho, que a Presidência de Santos pode ser "uma desgraça" para o diário.
Samper Pizano pede a Santos que não repita "como chefe de Estado as pressões que aplicava como ministro" da Defesa de Uribe. "Mais de uma vez escutei redatores e editores expressarem irritação ou surpresa por interferências suas -diretas ou por meio de mensageiros- no processo informativo."
Em fevereiro deste ano, o grupo El Tiempo fechou a revista "Cambio", responsável por trazer à tona alguns escândalos do governo Uribe. A razão foi financeira, disse.
Mas os ex-editores da revista, entre eles Pardo, não disfarçaram à época o incômodo pelas críticas feitas semanas antes por Santos. Ele insinuara que os jornalistas da "Cambio" eram "idiotas úteis" por criticar o governo.

CAPATAZ
Passar da retórica de mudança à distância das investigações de escândalos da era Uribe na Justiça é outro desafio para o novo governo.
"Foi-se o capataz e chegou o dono da fazenda, como dizem alguns", escreveu Daniel Samper Ospina, ácido colunista humorístico da "Semana", na edição que circulou na segunda passada.
Ele ironizava o que aparecia de forma mais ou menos explícita na mídia para representar a volta da elite bogotana ao poder, em substituição aos emergentes do uribismo, ligados ao poder rural e fortalecidos sob o reinado do paramilitarismo até 2005.
"As elites bogotanas e o uribismo se usaram mutuamente. E essa frase expressa o alívio pelo fim do tom fundamentalista de Uribe", diz Omar Rincón, especialista em comunicação e coautor do blog Midiática do Poder, no portal político colombiano LaSillaVacía. "É como para dizer: vamos para frente, não importa como. Não tenhamos memória!"
Santos terá como embaixador no Vaticano o ex-secretário de Imprensa do governo anterior César Mauricio Velázquez, um dos quatro assessores de Uribe chamados a depor no "escândalo do grampo", a interceptação ilegal de juízes e opositores feitas pelo DAS, a agência de inteligência colombiana.
O novo presidente ainda ratificou no cargo o presidente do DAS, Felipe Muñoz.
"[Santos] perdeu a oportunidade de assumir uma atitude séria frente às investigações que estão ocorrendo", diz Rodrigo Pardo.


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