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OPINIÃO POLÍTICA EXTERNA
Dedo acusador pode render aplauso, mas raramente salva
Atuar com discrição é a expressão da natureza conciliadora do brasileiro
CELSO AMORIM
ESPECIAL PARA A FOLHA
Têm sido frequentes as críticas que apontam para uma
suposta "indiferença" -ou
mesmo "conivência"- da diplomacia brasileira diante de
países acusados de violar os
direitos humanos. Trata-se
de um juízo equivocado.
O Brasil deseja para todos
os demais países o que deseja
para si -a democracia plena
e o respeito aos direitos humanos, cuja consolidação e
aperfeiçoamento têm sido
uma das preocupações centrais do governo do presidente Lula.
Consideramos, entretanto,
que as reprimendas ou condenações públicas a outros
Estados não são o melhor caminho para obter esse resultado. Na verdade, escolher a
intimidação em detrimento
da persuasão é quase sempre
ineficaz, quando não contraproducente.
O dedo acusador pode render aplausos ao dono, mas
raramente salva o jornalista
silenciado, o condenado à
morte, o povo sem acesso à
urna ou a mulher privada de
sua dignidade. Isolar quem
se quer convencer ou dissuadir é má estratégia.
Preferimos dar o exemplo
e, ao mesmo tempo, agir pela
via do diálogo franco -em
geral, mais eficaz. No caso do
Brasil, essa capacidade de
atuar com discrição não é
oriunda de algum talento excepcional; é a expressão, em
nossas relações com outros
Estados soberanos, da natureza conciliadora do povo
brasileiro.
AGENDA
Ações desse tipo são bem
menos visíveis do que a admoestação midiática exercida por alguns países contra
um punhado de governos,
selecionados de forma nem
sempre criteriosa ou politicamente isenta. A escolha dos
indigitados, além de obedecer a agenda política, muitas
vezes revela preconceitos,
ora religiosos, ora raciais.
Muitos dos países que se
consideram modelares cultivam relações com regimes
não democráticos, desde que
isso corresponda a interesses
econômicos ou estratégico-militares. Os exemplos são
tantos que não podem escapar ao mais complacente dos
olhares.
Além disso, alguns aplicam, eles próprios, a pena capital. Ou conferem tratamento desumano e degradante a
trabalhadores imigrantes.
Ou ainda transferem suspeitos sem julgamento para prisões secretas, em voos também secretos. Isso para não
falar de ações militares unilaterais, à margem do Conselho de Segurança da ONU,
que resultam em milhares de
vítimas civis.
O Brasil considera que as
referências específicas a outros Estados no campo dos
direitos humanos devem ser
feitas preferencialmente no
âmbito do Mecanismo de Revisão Periódica Universal do
Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas
(CDH), que, aliás, nosso país
ajudou a criar.
Ali se busca o tratamento
não seletivo, objetivo e multilateral dos direitos humanos
em todos os países-membros
da ONU.
Em 2011, os métodos de
trabalho do CDH serão revisados. Procuraremos aperfeiçoá-los para que o órgão se
torne cada vez mais eficaz e
para que possa trazer benefícios diretos àqueles que sofrem violações. Em matéria
de direitos humanos, como já
declarei diversas vezes, não
há país que não tenha algo a
ensinar, assim como não há
país que não tenha algo a
aprender.
No esforço de persuadir, o
Brasil se vale da cooperação
com organizações ou países
da mesma região, que têm
muito mais probabilidade de
serem ouvidos do que, por
exemplo, as ex-potências coloniais ou outras nações cuja
ação é percebida como reflexo de arrogância e complexo
de superioridade.
Destas, pode-se dizer, como na Bíblia, que percebem
mais facilmente o cisco no
olho do próximo do que a trave em seu próprio olho. Foi o
que se revelou quando propusemos, na antiga Comissão de Direitos Humanos, resolução que enunciava que o
racismo era incompatível
com a democracia.
Tampouco é verdade que o
Brasil se recuse a recorrer à
condenação quando o diálogo se revela ineficaz.
SEM INDIFERENÇA
O acompanhamento cuidadoso, não movido por preconceitos, de nossas votações no CDH revela que estas
estão longe de obedecer a um
padrão uniforme e tomam
em conta uma variedade de
fatores. Muito recentemente,
aliás, o Brasil apoiou resolução condenatória a um Estado que se negou a acolher recomendações que tinham
por objetivo aperfeiçoar a situação dos direitos humanos
no país.
Tampouco é demais lembrar que, por meio da ação
multilateral e de projetos de
cooperação, o Brasil tem ajudado concretamente na melhora da situação de direitos
humanos -no Haiti, na Guiné-Bissau e na Palestina, para citar apenas alguns.
As posições do Brasil são
fruto de um conjunto bem
menos simplório de considerações do que a enganosa dicotomia entre bons e maus.
O Brasil não é indiferente
ao sofrimento daqueles que
defendem liberdade de expressão ou de culto, dos que
lutam pela democracia, dos
que se insurgem contra discriminações de toda natureza.
Ao contrário, nossa diplomacia busca constantemente
-sem alarde, sem interferências que geram resistências e
ressentimentos, mas visando
resultados efetivos- atuar
em prol da universalização
dos valores fundamentais da
sociedade brasileira.
CELSO AMORIM é ministro das Relações
Exteriores
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