São Paulo, quarta-feira, 15 de setembro de 2004

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ELEIÇÃO NOS EUA

Carlos Fuentes afirma que neoconservadores exploram bem a necessidade de segurança religiosa dos americanos

Bush pratica marxismo-darwinismo, diz mexicano

J.M. MARTÍ FONT
DO "EL PAÍS", EM BARCELONA

O escritor mexicano Carlos Fuentes acaba de publicar "Contra Bush" [ainda não lançado no Brasil], que abarca o período de agosto de 2000 a julho de 2004. São anos repletos de fatos com os quais Fuentes traça crítica demolidora à administração neoconservadora que "violou o direito internacional, passou por cima da ONU e ditou os princípios da guerra preventiva e unilateral".
 

Pergunta - Bush tem boas chances de ganhar as eleições.
Carlos Fuentes-
A campanha ainda não terminou. Sempre existe uma reação depois das convenções -algo que foi muito leve no caso dos democratas, porque a convenção democrata foi muito mal orientada, visando a justificar a atuação de John Kerry no Vietnã, enquanto Bush e seu campo não mediram palavras para falar de segurança e patriotismo. Agora faltam os debates, que são muito importantes. Acho que Kerry será muito melhor que Bush num debate, mas falta ver como será.

Pergunta - Não lhe surpreende essa capacidade de manipulação da opinião pública que os neoconservadores ainda têm?
Fuentes-
De manipulação e de intimidação. Assim como Hitler, em "Mein Kampf", disse exatamente o que queria, o manifesto neoconservador assinado por todos eles, de Cheney a Wolfowitz, de Rumsfeld a Fukuyama, estabelece claramente o seu programa desde 97. Não é o caso de nos surpreendermos. Eles sempre disseram claramente a que vieram.

Pergunta - Como você explica os erros de cálculo de Bush no Iraque?
Fuentes-
Entraram no Iraque passando por cima de tudo porque são guiados pela ideologia. Acho que o governo Bush pratica algo que poderíamos chamar de um marxismo-darwinismo. Marxismo no sentido em que ele acredita que a história é decidida pelos interesses e econômicos, e darwinismo porque acredita na vitória do mais forte. E isso foi implantado agitando a bandeira do patriotismo. Dizia Samuel Johnson, no século 18, que o patriotismo é o último refúgio dos infames. O mais surpreendente é que um homem que fugiu do serviço militar se apresente como defensor da segurança militar dos EUA.

Pergunta - A sociedade americana mudou nos últimos 20 anos?
Fuentes-
Os EUA são muito móveis e, ao mesmo tempo, possuem certas bases ideológicas inamovíveis, que são as que lhe conferem segurança diante de seu enorme dinamismo. Por exemplo, a segurança religiosa, algo que Bush vem explorando muito bem. Outro dia, em um comício, alguém lhe falou: "Que Deus o abençoe", e Bush respondeu: "Ele já me abençoou". Bush pratica a religião própria do pecador convertido. Alguns de nós bem que gostaríamos que voltasse a beber.

Pergunta - Como tal ideologia lida com o poder num país diverso e com tanta capacidade intelectual?
Fuentes -
Não gostaria de fazer comparações odiosas, mas o nacional-socialismo tomou conta da Alemanha -país de tradição intelectual, liberal, democrático- depois da República de Weimar, e organizou o país na base do militarismo revanchista, contra o Tratado de Versalhes. Bush faz algo semelhante: um Estado militarista, que reprime os direitos humanos, com uma missão no exterior e fundamentado no velho puritanismo dos fundadores dos EUA.

Pergunta - O que poderemos fazer se Bush ganhar a eleição?
Fuentes-
Há a necessidade de criar uma nova ordem internacional multilateral fundada no direito. Aí a chamada velha Europa tem papel fundamental a cumprir, ao lado da América Latina.


Tradução de Clara Allain


Texto Anterior: Sabotagem na rede de oleodutos provoca blecaute em todo o país
Próximo Texto: Rússia: Powell critica ação centralizadora de Putin
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.