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ELEIÇÃO NOS EUA
Carlos Fuentes afirma que neoconservadores exploram bem a necessidade de segurança religiosa dos americanos
Bush pratica marxismo-darwinismo, diz mexicano
J.M. MARTÍ FONT
DO "EL PAÍS", EM BARCELONA
O escritor mexicano Carlos
Fuentes acaba de publicar "Contra Bush" [ainda não lançado no
Brasil], que abarca o período de
agosto de 2000 a julho de 2004.
São anos repletos de fatos com os
quais Fuentes traça crítica demolidora à administração neoconservadora que "violou o direito
internacional, passou por cima da
ONU e ditou os princípios da
guerra preventiva e unilateral".
Pergunta - Bush tem boas chances de ganhar as eleições.
Carlos Fuentes- A campanha
ainda não terminou. Sempre existe uma reação depois das convenções -algo que foi muito leve no
caso dos democratas, porque a
convenção democrata foi muito
mal orientada, visando a justificar
a atuação de John Kerry no Vietnã, enquanto Bush e seu campo
não mediram palavras para falar
de segurança e patriotismo. Agora faltam os debates, que são muito importantes. Acho que Kerry
será muito melhor que Bush num
debate, mas falta ver como será.
Pergunta - Não lhe surpreende
essa capacidade de manipulação
da opinião pública que os neoconservadores ainda têm?
Fuentes- De manipulação e de
intimidação. Assim como Hitler,
em "Mein Kampf", disse exatamente o que queria, o manifesto
neoconservador assinado por todos eles, de Cheney a Wolfowitz,
de Rumsfeld a Fukuyama, estabelece claramente o seu programa
desde 97. Não é o caso de nos surpreendermos. Eles sempre disseram claramente a que vieram.
Pergunta - Como você explica os
erros de cálculo de Bush no Iraque?
Fuentes- Entraram no Iraque
passando por cima de tudo porque são guiados pela ideologia.
Acho que o governo Bush pratica
algo que poderíamos chamar de
um marxismo-darwinismo. Marxismo no sentido em que ele acredita que a história é decidida pelos
interesses e econômicos, e darwinismo porque acredita na vitória
do mais forte. E isso foi implantado agitando a bandeira do patriotismo. Dizia Samuel Johnson, no
século 18, que o patriotismo é o
último refúgio dos infames. O
mais surpreendente é que um homem que fugiu do serviço militar
se apresente como defensor da segurança militar dos EUA.
Pergunta - A sociedade americana mudou nos últimos 20 anos?
Fuentes- Os EUA são muito móveis e, ao mesmo tempo, possuem
certas bases ideológicas inamovíveis, que são as que lhe conferem
segurança diante de seu enorme
dinamismo. Por exemplo, a segurança religiosa, algo que Bush
vem explorando muito bem. Outro dia, em um comício, alguém
lhe falou: "Que Deus o abençoe",
e Bush respondeu: "Ele já me
abençoou". Bush pratica a religião própria do pecador convertido. Alguns de nós bem que gostaríamos que voltasse a beber.
Pergunta - Como tal ideologia lida com o poder num país diverso e
com tanta capacidade intelectual?
Fuentes - Não gostaria de fazer
comparações odiosas, mas o nacional-socialismo tomou conta da
Alemanha -país de tradição intelectual, liberal, democrático-
depois da República de Weimar, e
organizou o país na base do militarismo revanchista, contra o Tratado de Versalhes. Bush faz algo
semelhante: um Estado militarista, que reprime os direitos humanos, com uma missão no exterior
e fundamentado no velho puritanismo dos fundadores dos EUA.
Pergunta - O que poderemos fazer se Bush ganhar a eleição?
Fuentes- Há a necessidade de
criar uma nova ordem internacional multilateral fundada no direito. Aí a chamada velha Europa
tem papel fundamental a cumprir, ao lado da América Latina.
Tradução de Clara Allain
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