São Paulo, segunda-feira, 15 de setembro de 2008

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Chávez acusa general boliviano de golpismo

Subindo tom de acusações, venezuelano afirma que o comandante Luis Trigo incitou subordinados a não cumprir ordens do governo

Aliado de Morales compara chefe militar ao general Augusto Pinochet antes do golpe no Chile que derrubou Salvador Allende em 1973

Dado Galdieri/Associated Press
Armados com paus e pedras, camponeses simpatizantes do presidente Evo Morales montam guarda em bloqueio de estrada próxima a Santa Cruz de la Sierra

FABIANO MAISONNAVE
ENVIADO ESPECIAL A LA PAZ

FLÁVIA MARREIRO
ENVIADA ESPECIAL A VILLAMONTES

Pelo segundo dia consecutivo, o presidente venezuelano, Hugo Chávez, aliado estratégico de La Paz, atacou duramente o comandante das Forças Armadas da Bolívia, general Luis Trigo, a quem acusou de desobedecer ordens do colega de Evo Morales e o comparou a militares venezuelanos que facilitaram a tentativa de golpe contra ele em 2002.
Quando, ainda no sábado, Chávez acusou Trigo de se recusar a proteger a população boliviana diante os ataques violentos da oposição, a Folha apurou que os comandantes da Forças Armadas do país convocaram reunião extraordinária para avaliar as declarações.
Ao menos uma ala dos militares exigia uma defesa pública de Morales. Mas, até o fechamento desta edição, não havia resposta da Presidência da Bolívia ou do comando militar.
Chávez disse ter sido informado "diretamente" que anteontem à noite o comandante das Forças bolivianas havia ordenado que seus soldados se recolhessem aos quartéis e abandonassem o aeroporto de Cobija, capital de Pando, departamento sob estado de sítio desde sexta-feira. "Coisa estranha, general Trigo!".
Contou ainda que, "felizmente", oficiais de outras hierarquias e soldados leais ao governo estão cumprindo a ordem do presidente boliviano. Por fim, lembrou que general chileno Augusto Pinochet (1973-1990) fingiu até o último momento estar ao presidente Salvador Allende no Chile, a quem derrubou.
Ontem, o senador oposicionista Paulo Bravo disse que oficiais de escalão intermediário que serviam em Cobija foram afastados.
A ofensiva de Chávez contra Trigo iniciou-se quando o general advertiu, em comunicado dos militares, que não aceitaria ingerência de qualquer origem em assuntos do país e que defenderia o governo. O venezuelano havia repetido que daria apoio militar à resistência a um eventual golpe contra Morales.
Só ontem o ministro da Defesa boliviano, Walker San Miguel, referiu-se à questão, para referendar o comandante militar. "Os bolivianos resolvemos nossos problemas."

Crise e divisões
Chávez é o principal aliado político e econômico de Morales, inclusive em matéria de cooperação militar. Caracas financiou boa parte de armamentos e até prédios militares da Bolívia. São helicópteros cedidos por Chávez, também com militares venezuelanos, que transportam Morales pelo país.
Fontes diplomáticas, políticos opositores e analistas concordam que o venezuelano e o governo gozam de simpatia no alto comando militar, até pelos benefícios diretos do caixa mais gordo. Mas há uma ala, em especial de postos médios, que sempre se mostrou insatisfeita com a onipresença venezuelana e/ou desconfortável com o projeto esquerdista-indigenista de Morales.
Chávez, porém, fala da discordância de Trigo e da lealdade de escalões mais baixos.
Integrantes históricos do MAS, o partido de Morales, já suspeitavam, nos bastidores, do compromisso do general com o governo. É preciso lembrar que, antes da Venezuela, os EUA eram o parceiro principal das forças bolivianas, em especial por conta da cooperação para combater o narcotráfico.
Os soldados rasos seriam leais ao presidentes, ainda que houvesse, na semana passada, um desconforto geral pela atuação dos militares na repressão dos ataques violentos da oposição a prédios públicos e infra-estruturas energéticas. O alto comando reclamava nos bastidores de um marco legal para atuarem sob temor de serem processados no futuro por eventuais mortes.
De todo modo, no núcleo político de La Paz, lamenta-se cada declaração de Chávez sobre o país, ainda mais no contexto de grave crise. É conhecido que o vice-presidente, Álvaro García Linera, é crítico da "relação carnal" La Paz-Caracas. Avalia-se que cada nova declaração, a mais neutra que seja, vai direto para a propaganda da oposição. Antes do referendo, no último dia 10, governistas pediram expressamente a Chávez que não se pronunciasse. O venezuelano não atendeu.


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