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AMÉRICA CENTRAL
Ex-presidente da Nicarágua segue discurso antiamericano dos anos 80 em nova corrida presidencial
Ortega tenta volta ao poder mirando EUA
DANNA HARMAN
DO "USA TODAY", EM EL JICARAL (NICARÁGUA)
Pouca coisa mudou neste povoado nas duas últimas décadas.
As mulheres ainda lavam roupa
no rio. O gado pasta entre os cactos. Vaqueiros tomam cerveja no
bar local.
E, num aparente flashback dos
anos 80, o líder sandinista Daniel
Ortega discursa num comício na
praça da cidade. Diante da pequena multidão de lavradores, ele fala
sobre os males do capitalismo e
dos Estados Unidos. "Os EUA
não mandam mais na América
Latina!", ele vociferou numa noite
do mês passado. "Os ianques não
mandam mais na Nicarágua!"
Quinze anos depois de ser afastado do poder, o revolucionário
marxista está fazendo campanha
novamente, na esperança de juntar-se a um grupo crescente de
políticos populistas de esquerda
que vêm tomando o poder na
América Latina.
Aos 59 anos, Daniel Ortega espera ser um dos três candidatos
na eleição presidencial da Nicarágua, marcada provisoriamente
para novembro de 2006. Uma vitória dele marcaria um revés para
o governo Bush, que vem assistindo enquanto Argentina, Venezuela, Brasil e Bolívia vêm se afastando dos mercados liberais e das
políticas sociais
conservadoras defendidas pelo presidente Bush.
Ortega está em
último lugar nas
sondagens de opinião, mas suas
chances vêm melhorando em função da aliança incomum que formou com o ex-presidente conservador Arnold
Alemán, que foi
condenado por
corrupção, mas
manteve o controle sobre o Partido
Liberal Constitucionalista. Em visita que fez a Manágua na semana
passada, o vice-secretário de Estado
dos EUA, Robert
Zoellick, disse que
os dois políticos
têm um "pacto
corrupto" e estão
impelindo a Nicarágua em direção
a um "golpe sorrateiro".
Volta por cima
Uma vitória de
Ortega assinalaria
uma volta por cima extraordinária
para o político sandinista. Os eleitores o afastaram da Presidência
nas eleições de 1990 e o rejeitaram
novamente em 1996 e em 2001.
Enquanto isso, Ortega foi obrigado a refutar acusações de que teria
embolsado fundos bancários nacionais e, na década de 1980, entregue terras nacionalizadas a
aliados sandinistas.
Mais recentemente, foi acusado
por sua enteada de ter abusado sexualmente dela quando ela era
criança (um tribunal nicaragüense arquivou a acusação de estupro
feita a Ortega). Envelhecido, o ex-líder guerrilheiro ainda chefia o
partido sandinista, que possui a
segunda maior bancada no Parlamento nicaragüense, mas seu
partido vem sofrendo os efeitos
de disputas internas e da debandada de outros revolucionários.
De acordo com o instituto de
sondagens costarriquenho B&A,
Daniel Ortega está neste momento em terceiro lugar nas intenções
de voto dos nicaragüenses. O ex-sandinista Herty Lewites tem 35%
das intenções de voto, o candidato de centro-direita Eduardo
Montealgre tem 23% e Ortega
tem 20%.
A comissão eleitoral nacional,
com a qual Ortega possui conexões estreitas, já excluiu a possibilidade de um segundo turno entre
os dois candidatos mais votados,
no caso de um dos candidatos
conquistar ao menos 35% dos votos -a porcentagem tradicionalmente obtida pelos sandinistas.
Em seus comícios, Ortega faz
vagas promessas de ajuda aos pobres da Nicarágua -mais escolas,
saúde gratuita-, mas não oferece
detalhes sobre como pretende pagar por isso. Diz que vai combater
a aprovação do Acordo de Livre
Comércio da América Central,
um acordo comercial com os
EUA e países vizinhos que segue o
exemplo do Nafta. Além disso,
promete combater o que, para ele,
é a ingerência dos EUA em assuntos da Nicarágua.
A ressurreição política de Daniel Ortega é vista com preocupação em Washington. Para o embaixador americano Paul Trivelli,
que assumiu o cargo na Nicarágua há pouco, as credenciais democráticas de Ortega são "muito
duvidosas".
Roger Noriega, que até recentemente era subsecretário de Estado dos EUA para a América Latina, disse ao jornal "La Prensa", de
Manágua, que o líder sandinista é
um "delinqüente". Para ele, se os
sandinistas voltarem ao poder, a
Nicarágua "vai afundar como
uma pedra e chegar tão fundo
quanto Cuba".
Os embates de Ortega com os
EUA datam de
1981. Foi nesse
ano que a administração Reagan,
temendo o surgimento de uma
ameaça comunista na região, começou a organizar e financiar os
rebeldes "contras" para combater o governo sandinista a partir de
bases nos vizinhos Honduras e
Costa Rica.
Para Ortega, sua
vitória "levantaria
o moral da América Latina. Outros países diriam: "Vejam só,
esse país pequeno
conseguiu -então nós também
podemos!". Vamos espalhar a revolução".
Victor Borge,
diretor da B&A,
não prevê que isso aconteça. Os
outros países da
América Central
são encabeçados
por políticos moderados. El Salvador, Costa Rica,
Panamá e Honduras vêm rejeitando o chamado pelas políticas
socialistas que estavam em voga
no anos 80, do mesmo modo que
vêm evitando o antiamericanismo estridente que emana de boa
parte da América do Sul hoje.
"Se Ortega conseguir chegar ao
poder em 2006, isso realmente será um fato importante, simbolicamente falando, e poderá motivar
outros líderes de esquerda", diz
Borge. "Mas essa possibilidade
não parece sintonizada com o clima dominante na região."
Mesmo assim, uma ingerência
dos EUA na eleição favoreceria
Ortega, diz Carlos Fernando Chamorro, apresentador de um programa político na TV nicaragüense e ex-editor do jornal sandinista
"Barricada". Para ele, Washington está presa ao passado. Os representantes da administração
Bush na política norte-americana
na América Latina "são remanescentes dos anos 80 que ainda
agem como se estivéssemos no
meio da Guerra Fria", diz ele.
Otto Reich, um dos principais
arquitetos da política dos EUA na
região sob Ronald Reagan e George W. Bush, retruca: "Ortega é comunista. Se ele vencer, não haverá
investimento externo nem ajuda
dos EUA".
De acordo com ele, é Ortega
quem "está preso aos anos 60,
agindo como bolchevique". Reich
diz, ainda, que a hipótese de interferência dos EUA "é piada".
A Nicarágua é o segundo país
mais pobre do hemisfério, perdendo apenas para o Haiti. De
acordo com o economista Adolfo
Acevedo, de Manágua, 45% de
seus 5,5 milhões de habitantes vivem com menos de US$ 1 por dia.
Ainda segundo Acevedo, um terço da população de mais de 15
anos de idade é analfabeta.
Para os seguidores que vêm ouvi-lo em sua campanha, Ortega
oferece mais nostalgia do que planos concretos para o futuro.
"Bush é o Reagan de nossos tempos", diz ele a uma multidão sob o
sol abrasador de Santa Rosa del
Piñón, povoado nas montanhas.
"O ianque Reagan proibiu a paz",
brada. "Ele queria levar morte e
destruição a nossa região."
Adultos aplaudem e crianças se
aproximam para ganhar bandanas sandinistas gratuitas. Velhos
hinos rebeldes saem dos alto-falantes. A mulher de Ortega, a poeta revolucionária Rosário Murillo,
estende seus braços para o alto.
O adversário Lewites diz que
não compartilha a obsessão de
Ortega com os EUA, mas acrescenta que tampouco procura a
aprovação de Washington. "Acho
que devemos manter boas relações com os EUA", ele pondera.
Ortega insiste que os EUA são
"a" grande questão para os eleitores. As eleições na Nicarágua são
"um confronto entre os EUA e a
Frente Sandinista". "Os EUA farão qualquer coisa para nos dizimar. Mas nós estamos aqui."
Tradução de Clara Allain
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