São Paulo, sexta-feira, 15 de novembro de 2002

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PC admite empresários, outrora "inimigos", para tentar controlá-los

FREDERIC BOBIN
DO "LE MONDE", EM PEQUIM

Atualmente, a China vive um momento espetacular para seu setor privado. Começada há mais de uma década, a mudança na paisagem socioeconômica do país foi tão radical que o regime é obrigado agora a inseri-la na constituição do Partido Comunista.
Ao lado das mudanças na cúpula do PC, a reabilitação dos empresários -considerados "inimigos da classe trabalhadora" no passado- foi um dos pontos principais do congresso do partido, realizado em Pequim.
Após anos de resistência ideológica, tornou-se impossível ocultar a realidade. Esta pode ser resumida assim: o número de empresas privadas cresceu em 35% ao ano durante a década passada; o setor privado responde por 25% da produção industrial do país e emprega 11% de sua população ativa, segundo estatísticas oficiais.
Além disso, desconsiderando a agricultura, ele representa pouco mais de 30% do PIB (total de riquezas produzidas no país).
No que se refere à criação de empregos, essa agitação econômica permite compensar -em parte, é verdade- o declínio das empresas estatais. Assim, é possível compreender por que os dirigentes do PC, tão preocupados com a "estabilidade social", dão tanta atenção ao setor privado nos últimos tempos.
Esse processo seguiu uma lógica incongruente, fiel às "características chinesas", segundo o jargão oficial. O setor privado cresceu à margem de um sistema que deveria ser dominado pelo setor público, de acordo com os dirigentes comunistas. No passado, o objetivo dos empresários era revitalizar as empresas estatais, reformando sua orientação administrativa.
No início dos anos 90, ninguém falava em privatizá-las. Mas, em 1995, com o lançamento de uma política que visava a manter as grandes empresas e a "deixar partir" as pequenas que tivessem problemas, a cúpula comunista passou a leiloar algumas empresas ou a facilitar sua aquisição por outras firmas.
Porém essa privatização desempenhou um papel marginal na expansão do setor privado chinês, que, essencialmente, floresceu graças a incontáveis pequenas iniciativas -por conta de um movimento de descentralização que acompanhou a "política de reformas e de abertura".
A tendência teve início no interior e só chegou aos grandes centros mais tarde. Um dos maiores ícones da "China capitalista" é o setor de serviços das grandes cidades, sobretudo do leste do país.

Demora do PC
O PC tardou a perceber a dimensão das mudanças. Afinal, elas iam de encontro às opções estratégicas iniciais do regime. A categoria "empresa privada" só passou a ser reconhecida oficialmente em 1987.
Em 1992, em outro congresso do partido, os empresários ganharam alento graças à aprovação do conceito de "economia socialista de mercado", do líder Deng Xiaoping. Este queria relançar as reformas após os trágicos eventos da praça Tiananmen (Pequim), ocorridos em 1989.
Em 1999, a Constituição chinesa recebeu emendas e passou a admitir que o setor privado era um "componente importante" da economia nacional. Até então, ele era considerado um "complemento" do setor público.
Agora os empresários recebem o direito de aderir ao PC, um apoio oficial que deve dar à classe empresarial chinesa mais prestígio. Por outro lado, vale lembrar que, no setor privado chinês, não há direitos sociais nem trabalhistas. Além disso, os métodos contábeis são pouco (ou nada) confiáveis, o nepotismo domina, a corrupção reina, e o nível educacional dos patrões é baixo.
Isso, aliás, também está mudando, pois a nova geração de empresários tem ótima formação, incluindo um grande número de diplomas obtidos em universidades americanas e européias.
Quanto à cúpula do PC, segundo analistas, seu objetivo é inserir os empresários no partido para tentar controlá-los. Pequim teme que, no futuro, eles venham a representar uma fonte de divergência política. Trata-se, portanto, de uma tentativa de neutralizá-los, de acordo com os especialistas. Mas, para os "capitalistas", chegou o momento da reabilitação.



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