São Paulo, terça-feira, 15 de novembro de 2005

Próximo Texto | Índice

EUROPA

Decisão deve ser aprovada hoje pela Assembléia Nacional; vandalismo continua a decrescer pelos subúrbios do país

França prolonga emergência por 3 meses

DA REDAÇÃO

Em reunião extraordinária, o Conselho de Ministros francês aprovou ontem a prorrogação por três meses do estado de emergência, na tentativa de conter os distúrbios provocados por jovens desempregados em subúrbios com forte concentração de imigrantes e seus descendentes.
O estado de emergência foi instituído por decreto na semana passada, por um prazo de 12 dias. Sua adoção por um novo período depende de autorização parlamentar. A questão estará na pauta de hoje da Assembléia Nacional (Câmara dos Deputados), onde o governo tem confortável maioria.
O presidente Jacques Chirac, em seu primeiro pronunciamento sobre a crise, disse ontem, em rede de rádio e TV, que a situação é de "profundo mal-estar", e que a nação deve combater com firmeza "o veneno da discriminação" contra a população norte-africana. Mas afastou a possibilidade de adoção de quotas para as minorias, conforme o sistema americano de ação afirmativa.
Anunciou a criação de um corpo de 50 mil voluntários para o treinamento de jovens imigrantes e apelou para que a mídia reflita a diversidade étnica da França.
As 18 noites seguidas de distúrbios se iniciaram em 27 de outubro, com a morte, por eletrocução, de dois adolescentes que se esconderam numa subestação, ao acreditarem que estavam sendo perseguidos pela polícia.
A agitação atingiu seu pico na madrugada de 7 para 8 de novembro, quando cerca de 1.400 carros foram queimados. Na noite de domingo para segunda-feira, afirma a polícia, o vandalismo destruiu 284 veículos, 90 a menos que na véspera e 218 a menos que de sexta para sábado.
A confederação de companhias de seguro, conhecida pela sigla FFSA, calcula que os atos de vandalismo se traduzam por prejuízos de 200 milhões (R$ 272 milhões), dos quais um décimo em razão de automóveis destruídos.
As medidas de exceção, baseadas numa lei de 1955, permitem que as autoridades locais instituam o toque de recolher e prendam pessoas que o desobedeçam ao sair às ruas em certos horários.
Paralelamente, o Ministério do Interior anunciou que expulsaria da França os estrangeiros envolvidos, mesmo que estejam com documentação regular. Cerca de 120 jovens já indiciados estão na mira dessa decisão extrema.
Chirac, criticado por ter delegado iniciativas de pacificação ao primeiro-ministro, Dominique de Villepin, e ao ministro do Interior, Nicolas Sarkozy, disse ontem ao Conselho de Ministros que a prorrogação do estado de emergência "é uma medida necessária para que as leis sejam obedecidas", e que estará em vigor por um período "estritamente necessário" para restabelecer a calma.
Sarkozy é pré-candidato à sucessão presidencial francesa de 2007. Pesquisas indicam que seu estilo truculento durante a crise o fortaleceu junto ao eleitorado conservador. Villepin, também pré-candidato, não teve ganhos.
Ao ser anunciado, o decreto de estado de emergência citou 38 municípios em que ele poderia ser aplicado. Mas foram poucos os prefeitos que o adotaram. Uma das exceções foi Lyon, a terceira maior cidade francesa. A iniciativa procura demonstrar a mão firme do governo diante de uma crise surpreendente e imprevisível.
O único precedente de agitação nos últimos 40 anos de história francesa ocorreu em 1968, com a revolta estudantil seguida de greves que praticamente paralisaram o país. Mas foi um movimento bem mais estruturado e com lideranças conhecidas, com as quais era possível negociar.
O atual movimento, ao contrário, é espontâneo, sem uma clara fundamentação política. Seus integrantes são em geral desempregados, empobrecidos e excluídos dos padrões médios de consumo. Vivem em guetos nas periferias das grandes cidades. São ainda de famílias muçulmanas, imigradas de Argélia e Marrocos.
Comentários mais ou menos unânimes indicam que a agitação eclodiu em razão da insuficiência ou da falência das políticas públicas destinadas e integrar essa parcela da população ao mercado de trabalho. Especialistas também indicam que o vandalismo não tem motivação confessional. Não é comandado pelas mesquitas.
O Partido Socialista, maior grupo político da oposição, se opôs ontem à prorrogação do estado de emergência, "medida que se justifica apenas em circunstâncias muito mais excepcionais", disse Julian Dray, porta-voz partidário.
Na madrugada de ontem, 115 pessoas foram presas, informou a polícia. No total, as prisões chegam a 2.767 desde o início dos distúrbios. Em nenhum dos 120 bairros ou municípios suburbanos foram queimados mais de cinco veículos, fato que a polícia interpreta como indício de que o protesto se torna agora residual.


Com agências internacionais

Próximo Texto: Artigo: Trinta anos de negligência incendiaram a França
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.