São Paulo, domingo, 16 de janeiro de 2011

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WIKILEAKS/OS PAPÉIS BRASILEIROS

EUA desconfiaram de negócios com Irã

Telegramas diplomáticos ligam transações envolvendo empresas brasileiras ao programa nuclear iraniano

Alemanha vetou venda de máquinas para o Brasil por suspeitar que seriam desviadas e alertou os americanos

RICARDO BALTHAZAR
DE SÃO PAULO

Transações comerciais que envolveram recentemente duas empresas brasileiras despertaram nos EUA e na Alemanha suspeitas de que o Irã tentou usar o Brasil para contornar sanções internacionais e adquirir máquinas necessárias para desenvolver o seu programa nuclear.
Em julho de 2009, o governo alemão informou aos EUA que impedira a exportação de quatro máquinas para uma empresa sediada em Florianópolis (SC) por desconfiar que o destino final da encomenda seria o Irã, segundo um telegrama diplomático americano obtido pela organização WikiLeaks.
Em dezembro do mesmo ano, a embaixada americana em Brasília foi instruída a alertar as autoridades brasileiras para uma indústria de São Paulo que pretendia exportar máquinas para um cliente no Irã. Os EUA queriam que o Brasil bloqueasse a venda e investigasse o caso.
As duas companhias brasileiras informaram à Folha que as transações não se concretizaram, principalmente por causa da dificuldade para obter financiamento no Brasil para fazer negócios no Irã. Elas disseram não ter motivo para desconfiar das empresas com que negociaram.
A companhia que caiu primeiro no radar dos americanos chama-se Export Consultoria & Negócios e pertence a uma família catarinense. Ela teria negociado a compra de um conjunto de máquinas de alta precisão, avaliado em 7,7 milhões (R$ 17 milhões), conforme a mensagem obtida pelo WikiLeaks.
A indústria de São Paulo é a Mello S.A. Máquinas e Equipamentos, administrada pelo ex-presidente da Abimaq (Associação Brasileira da Indústria de Máquinas) Newton de Mello. Ele disse à Folha ter negociado a venda de cinco retificadoras por US$ 100 mil (R$ 168 mil).
As máquinas que a Export negociou fazem parte de listas de produtos cujas vendas a comunidade internacional tenta controlar para evitar seu uso para fins militares.
As retificadoras da Mello são mais simples e são obtidas com facilidade no mercado.

NADA ERRADO
A assessoria de imprensa do Ministério das Relações Exteriores informou que o governo brasileiro analisou as duas transações na época e não achou nada errado. O ministério evitou discutir detalhes, alegando que os processos são confidenciais.
As mensagens que descrevem as duas transações estão entre os milhares de comunicados diplomáticos que o WikiLeaks começou a divulgar em novembro. A Folha e outras seis publicações têm acesso ao material antes da sua divulgação no site do grupo (www.wikileaks.ch).
O material publicado até agora inclui referências a outros nove casos semelhantes, em que a diplomacia americana entrou em campo para barrar exportações de seis países (Alemanha, França, Espanha, China, Malásia e Turquia) para o Irã e a Síria.
Os despachos obtidos pelo WikiLeaks não contêm evidências de que o objetivo das transações em que o Brasil se envolveu fosse mesmo apoiar o programa nuclear iraniano, mas especialistas dizem que elas deveriam merecer atenção mesmo assim.
"É possível que os iranianos estejam procurando no Brasil o que não conseguem comprar em outros lugares sem provocar suspeitas", disse à Folha David Albright, um ex-inspetor nuclear da ONU (Organização das Nações Unidas) que hoje dirige um grupo de pesquisas sobre o assunto em Washington.

Colaborou FERNANDO RODRIGUES, de Brasília


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