São Paulo, quinta-feira, 16 de fevereiro de 2006

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MISSÃO NO CARIBE

Idéia de Marco Aurélio Garcia é mudar regras da eleição; divulgação do plano irrita Itamaraty, que teme reação

Brasil defende vitória de Préval no 1º turno

David Fernandez/Efe
Haitiana balança material eleitoral encontrado em lixão durante protesto realizado por partidários de Préval, em Porto Príncipe


CLÁUDIA DIANNI
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O governo brasileiro defendeu ontem a proclamação do candidato de centro-esquerda René Préval, o mais votado na eleição do dia 7 no Haiti, como presidente eleito. De acordo com o assessor especial da Presidência para Assuntos Internacionais, Marco Aurélio Garcia, ontem houve uma reunião de embaixadores em Porto Príncipe para discutir uma fórmula que precipitasse a proclamação de Préval.
"O ideal seria que os candidatos, além de reconhecer sua derrota no primeiro turno, reconhecessem que a situação configura claramente a vitória do Préval, mas é uma coisa que não se pode impor. É uma questão de convencimento político que pode ser feito se o candidato vencedor souber estabelecer conversações com outros candidatos", disse Garcia.
As declarações caíram como uma bomba no Itamaraty. Diplomatas ouvidos pela Folha reagiram com perplexidade à iniciativa de Garcia de revelar a estratégia da comunidade internacional para levar o processo eleitoral haitiano a um final rápido e pacífico.
À noite, o ministro Celso Amorim (Relações Exteriores) afirmou que o Brasil não vai decidir por ninguém e que caberá ao povo haitiano essa decisão. Ele evitou comentar as declarações de Garcia, que disse não ter ouvido.
Para Amorim, as denúncias de fraudes nas eleições devem ser investigadas. Ele disse que, como o primeiro turno pode ser decidida por uma pequena margem de votos, a apuração das denúncias de fraude é importante.
Ontem havia duas preocupações urgentes no Itamaraty: como evitar que a pública tomada de partido de Garcia provocasse uma reação violenta contra o Brasil, que comanda a Missão de Estabilização das Nações Unidas no Haiti (Minustah), e como neutralizar as declarações de Garcia sem desautorizar o assessor especial da Presidência. O Itamaraty teme que as declarações de Garcia sejam interpretadas como ingerência sobre a soberania do Haiti.
Garcia afirmou que uma das possibilidades que estão sendo consideradas pela comunidade internacional é mudar as regras e desconsiderar os votos brancos e nulos. Essa mudança faria com que Préval obtivesse mais de 50% dos votos, condição para que ele seja considerado vitorioso já no primeiro turno. A apuração até agora lhe dá 48,7%.
"Não estamos fazendo essa proposta porque não podemos interferir no processo legal do país, mas nos parece que, tendo em vista o clima existente, essa seria a melhor solução", disse.

Pedido de calma
Segundo Garcia, o embaixador brasileiro no Haiti, Paulo Pinto, "tem insistido com Préval que ele não deve jogar mais lenha na fogueira, porque já tem combustível o suficiente". Para ele, o pedido foi feito depois das declarações "meio explosivas" feitas na segunda, denunciando fraudes.
Garcia disse ainda que Préval deveria ser flexível e aceitar o segundo turno, em 19 de março, caso seja difícil chegar a um consenso entre todas as forças políticas.
Ontem, o embaixador brasileiro no Haiti, Paulo Pinto, disse que a "questão-chave" é a interpretação sobre os votos em branco, mas que um acordo político vem sendo dificultado pela intransigência do segundo colocado, Leslie Manigat, e pelo Conselho Eleitoral Provisório, descrito como "disfuncional e pouco profissional".

Colaborou Fabiano Maisonnave, da Reportagem Local

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