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Sharif insinua "acordão" paquistanês
Às vésperas de eleição legislativa, líder da oposição fala em "agenda de consenso" com Musharraf
Rival do ditador, por quem foi derrubado em 1999,
diz que é hora de "idéias positivas"; cálculo leva em conta poder dos militares
IGOR GIELOW
ENVIADO ESPECIAL A ISLAMABAD
O principal líder da oposição
paquistanesa, Nawaz Sharif,
deu sinais claros de que poderá
fazer um acordo de governabilidade com seu arqui-rival, o
presidente Pervez Musharraf,
após a eleição parlamentar da
próxima segunda-feira.
"Agora é a hora de idéias positivas. Se tivermos uma agenda de consenso, tanto a oposição quanto o governo, e não
houver o escândalo de fraudes
que tememos que possa ocorrer, iremos conversar", disse
Sharif à Folha no começo da
tarde de anteontem.
A equação é complicada. Ex-premiê, Sharif foi derrubado
por Musharraf após destituí-lo
do comando das Forças Armadas e quase o matar ao não autorizar o pouso de seu avião,
em 1999. Em troca, ganhou cadeia, condenação judicial e oito
anos no exílio saudita.
Diferenças à parte, é intensa
a especulação em meios políticos do Paquistão sobre a possibilidade de um acordo já estar
sendo costurado entre os dois e
o partido que disputa com a
PML-N (Liga Muçulmana do
Paquistão) de Sharif o maior
número de votos oposicionistas, o PPP (Partido do Povo Paquistanês) da líder assassinada
Benazir Bhutto.
Na mesa, o fato de as Forças
Armadas ainda serem leais a
Musharraf, e nada acontece no
jogo do poder do Paquistão
sem os militares. Logo, seu desgaste político devido ao recrudescimento ditatorial de seu
governo no ano passado poderá
ser absorvido pela oposição. A
moeda de troca, talvez, seja o
afrouxamento do regime e a
devolução de poderes ao Judiciário, hoje sob intervenção.
"Sem juízes, não há futuro
político para o Paquistão", disse Sharif à Folha e a outros veículos na sede da Frontier House, casa de hospedagem para
autoridades das regiões do noroeste do país em Islamabad.
Fica a ser conferida a reação
do PPP, chefiado pelo viúvo de
Benazir, Asif Ali Zardari. Problema: sua liderança é contestada por outras alas do partido,
e há dúvidas se ele realmente
fala pela agremiação quando,
por exemplo, promete um governo de união com a PML-N.
De um modo ou de outro, a
reação de Sharif ao ouvir a reportagem perguntar sobre um
eventual pedido de impeachment de Musharraf caso a oposição tenha 2/3 dos 342 assentos da Assembléia Nacional é
significativa. Sorriu, pediu desculpas, e começou a falar das
"idéias positivas".
Sob as leis vigentes, é difícil
que Sharif possa ser indicado
premiê. Ele não teve a candidatura autorizada e, para ter seu
nome sugerido, mesmo não
sendo deputado, esse é um processo que leva pelo menos seis
meses e requer uma nova eleição. Mas leis são tão mutáveis
quanto governos por aqui.
Segurança
O aparato de segurança que
cerca Sharif impressiona. Além
de só conceder entrevistas em
lugares guardados por muros e
seguranças, como a Frontier
House, ele tem dois carros com
guarda-costas próprios. Seu
comboio tinha seis outras picapes com militares de serviços
de operações especiais, mais
quatro carros de polícia.
Corpulento, cerca de 1,80
metro, o ex-premiê tem os cabelos tingidos. É homem de
movimentos plácidos, quase
bovinos: fala devagar, gesticula
devagar, adicionando desconforto ao hábito paquistanês de
manter um aperto de mão com
seu interlocutor.
A Folha falou com ele em
três ocasiões num espaço de
uma hora, e em duas delas havia outros repórteres -uma
equipe da TV italiana RAI e outra da rede canadense CTV, cujas perguntas estão identificadas. Quando seria questionado
sobre a relação com os EUA e
os extremistas islâmicos, pontos vitais no país, os seguranças
afastaram a reportagem.
FOLHA - Está sendo feito um acordo com Musharraf? Vocês estão
conversando?
NAWAZ SHARIF - Veja, se for preciso, faremos um acordo pelo
país. Mas temos que ter um
consenso, uma agenda comum.
FOLHA - Mas e a relação com o
PPP? Haverá consenso?
SHARIF - Não temos problemas
em conversar. Nesta semana,
sentamos e discutimos a união
após a eleição. Se houver uma
agenda em comum, não acredito que haverá problemas.
RAI - O sr. tem evidências de que a
eleição será fraudada?
SHARIF - Nós já ouvimos relatos
de votos duplicados na Província do Baluquistão, tememos
pela influência do Exército,
que, como todos sabem, pode
estar a mando do governo.
CTV - Mas se o sr. diz que a eleição
será fraudada, por que participa?
SHARIF - Porque é o único jeito
de a oposição ter sua voz ouvida, de tentar ocupar um espaço
e transformá-lo em trincheira.
FOLHA - O sr. considera, caso a oposição venha a ter uma maioria superior a 2/3, a hipótese de pedir o impeachment do presidente?
SHARIF - Agora é a hora de
idéias positivas. Se tivermos
uma agenda de consenso, tanto
a oposição quanto o governo, e
não houver o escândalo de
fraudes que tememos que possa ocorrer, iremos conversar.
FOLHA - E a intervenção no Judiciário? É vital na negociação?
SHARIF - Claramente. Tem que
haver a restauração do Judiciário e o fim da ditadura militar.
Sem a restauração da Constituição, não há o que fazer.
CTV - O quão grave é a crise?
SHARIF - Muito grave. O futuro
do Paquistão está em risco.
Apenas a democracia pode salvar esse país.
FOLHA - Com tantas ameaças, o sr.
teme por sua vida?
SHARIF - Sim, veja à sua volta
[aponta os seguranças e militares]. Você acha que é possível
fazer uma campanha eleitoral
verdadeira desta forma, que é
possível viver assim? Não é.
Nós já perdemos uma grande líder nesse país.
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