São Paulo, sábado, 16 de fevereiro de 2008

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Sharif insinua "acordão" paquistanês

Às vésperas de eleição legislativa, líder da oposição fala em "agenda de consenso" com Musharraf

Rival do ditador, por quem foi derrubado em 1999, diz que é hora de "idéias positivas"; cálculo leva em conta poder dos militares

IGOR GIELOW
ENVIADO ESPECIAL A ISLAMABAD

O principal líder da oposição paquistanesa, Nawaz Sharif, deu sinais claros de que poderá fazer um acordo de governabilidade com seu arqui-rival, o presidente Pervez Musharraf, após a eleição parlamentar da próxima segunda-feira.
"Agora é a hora de idéias positivas. Se tivermos uma agenda de consenso, tanto a oposição quanto o governo, e não houver o escândalo de fraudes que tememos que possa ocorrer, iremos conversar", disse Sharif à Folha no começo da tarde de anteontem.
A equação é complicada. Ex-premiê, Sharif foi derrubado por Musharraf após destituí-lo do comando das Forças Armadas e quase o matar ao não autorizar o pouso de seu avião, em 1999. Em troca, ganhou cadeia, condenação judicial e oito anos no exílio saudita.
Diferenças à parte, é intensa a especulação em meios políticos do Paquistão sobre a possibilidade de um acordo já estar sendo costurado entre os dois e o partido que disputa com a PML-N (Liga Muçulmana do Paquistão) de Sharif o maior número de votos oposicionistas, o PPP (Partido do Povo Paquistanês) da líder assassinada Benazir Bhutto.
Na mesa, o fato de as Forças Armadas ainda serem leais a Musharraf, e nada acontece no jogo do poder do Paquistão sem os militares. Logo, seu desgaste político devido ao recrudescimento ditatorial de seu governo no ano passado poderá ser absorvido pela oposição. A moeda de troca, talvez, seja o afrouxamento do regime e a devolução de poderes ao Judiciário, hoje sob intervenção.
"Sem juízes, não há futuro político para o Paquistão", disse Sharif à Folha e a outros veículos na sede da Frontier House, casa de hospedagem para autoridades das regiões do noroeste do país em Islamabad. Fica a ser conferida a reação do PPP, chefiado pelo viúvo de Benazir, Asif Ali Zardari. Problema: sua liderança é contestada por outras alas do partido, e há dúvidas se ele realmente fala pela agremiação quando, por exemplo, promete um governo de união com a PML-N.
De um modo ou de outro, a reação de Sharif ao ouvir a reportagem perguntar sobre um eventual pedido de impeachment de Musharraf caso a oposição tenha 2/3 dos 342 assentos da Assembléia Nacional é significativa. Sorriu, pediu desculpas, e começou a falar das "idéias positivas".
Sob as leis vigentes, é difícil que Sharif possa ser indicado premiê. Ele não teve a candidatura autorizada e, para ter seu nome sugerido, mesmo não sendo deputado, esse é um processo que leva pelo menos seis meses e requer uma nova eleição. Mas leis são tão mutáveis quanto governos por aqui.

Segurança
O aparato de segurança que cerca Sharif impressiona. Além de só conceder entrevistas em lugares guardados por muros e seguranças, como a Frontier House, ele tem dois carros com guarda-costas próprios. Seu comboio tinha seis outras picapes com militares de serviços de operações especiais, mais quatro carros de polícia.
Corpulento, cerca de 1,80 metro, o ex-premiê tem os cabelos tingidos. É homem de movimentos plácidos, quase bovinos: fala devagar, gesticula devagar, adicionando desconforto ao hábito paquistanês de manter um aperto de mão com seu interlocutor.
A Folha falou com ele em três ocasiões num espaço de uma hora, e em duas delas havia outros repórteres -uma equipe da TV italiana RAI e outra da rede canadense CTV, cujas perguntas estão identificadas. Quando seria questionado sobre a relação com os EUA e os extremistas islâmicos, pontos vitais no país, os seguranças afastaram a reportagem.

 

FOLHA - Está sendo feito um acordo com Musharraf? Vocês estão conversando?
NAWAZ SHARIF -
Veja, se for preciso, faremos um acordo pelo país. Mas temos que ter um consenso, uma agenda comum.

FOLHA - Mas e a relação com o PPP? Haverá consenso?
SHARIF -
Não temos problemas em conversar. Nesta semana, sentamos e discutimos a união após a eleição. Se houver uma agenda em comum, não acredito que haverá problemas.

RAI - O sr. tem evidências de que a eleição será fraudada?
SHARIF -
Nós já ouvimos relatos de votos duplicados na Província do Baluquistão, tememos pela influência do Exército, que, como todos sabem, pode estar a mando do governo.

CTV - Mas se o sr. diz que a eleição será fraudada, por que participa?
SHARIF -
Porque é o único jeito de a oposição ter sua voz ouvida, de tentar ocupar um espaço e transformá-lo em trincheira.

FOLHA - O sr. considera, caso a oposição venha a ter uma maioria superior a 2/3, a hipótese de pedir o impeachment do presidente?
SHARIF -
Agora é a hora de idéias positivas. Se tivermos uma agenda de consenso, tanto a oposição quanto o governo, e não houver o escândalo de fraudes que tememos que possa ocorrer, iremos conversar.

FOLHA - E a intervenção no Judiciário? É vital na negociação?
SHARIF -
Claramente. Tem que haver a restauração do Judiciário e o fim da ditadura militar. Sem a restauração da Constituição, não há o que fazer.

CTV - O quão grave é a crise?
SHARIF -
Muito grave. O futuro do Paquistão está em risco. Apenas a democracia pode salvar esse país.

FOLHA - Com tantas ameaças, o sr. teme por sua vida?
SHARIF -
Sim, veja à sua volta [aponta os seguranças e militares]. Você acha que é possível fazer uma campanha eleitoral verdadeira desta forma, que é possível viver assim? Não é. Nós já perdemos uma grande líder nesse país.


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