São Paulo, quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

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ONDAS DE REVOLTAS

"Exército preocupa", afirma ElBaradei

Em entrevista à Folha, Nobel da Paz e líder oposicionista egípcio defende prazo de um ano até novas eleições

Ex-chefe nuclear da ONU atribui revolta a jovens internautas e critica governo do Brasil por apoio a ditaduras

MARCELO NINIO
ENVIADO ESPECIAL AO CAIRO

Considerado por muitos como um dos pais da revolução que derrubou o ditador Hosni Mubarak, o Nobel da Paz Mohamed ElBaradei, 68, está apreensivo com a transição em andamento no país.
Em entrevista à Folha no escritório de sua ampla casa num condomínio de luxo na periferia do Cairo, ElBaradei disse que os sinais emitidos pela junta militar que assumiu o governo do Egito não são tranquilizadores.
Ele criticou o Brasil pela política de não criticar ditaduras como a de Mubarak em nome da não intervenção e da solidariedade com países em desenvolvimento.

 

Folha - Na última quinta-feira, depois que Mubarak disse que não renunciaria, o sr. alertou que o Egito iria "explodir". Horas depois, ele deixou o poder. O que levou a uma mudança tão rápida?
Mohamed ElBaradei -
Ele tentou de tudo para ficar no poder. Mas a saída de Mubarak virou uma obsessão para os egípcios. Quando o Egito inteiro estava nas ruas na sexta, escrevi no Twitter que o Exército deveria intervir, porque o país estava indo pelo ralo. Por sorte os militares assumiram o controle.

O Exército, base do regime, continua no poder. O regime caiu mesmo?
Esta ainda é uma questão inteiramente aberta, que me deixa apreensivo. Queríamos o Exército para salvar o país e evitar uma guerra civil, mas não como ponte entre a ditadura e a democracia. As medidas que poderiam restaurar a credibilidade imediatamente são a revogação da lei de emergência, a liberdade para estabelecer partidos e a libertação dos prisioneiros políticos. A esta altura, no mínimo deveríamos ter um governo compartilhado entre militares e civis. Ouvir que o Exército governará o país sozinho nos próximos meses, sem Constituição e sem Parlamento, não é tranquilizador.

O período de transição deveria ser mais longo?
Acho que precisamos de no mínimo um ano para dar às pessoas o direito de estabelecer partidos, de se engajar. O pior é que ainda estamos com o governo Mubarak e a junta não se comunica com o povo.

Houve um encontro de generais com jovens líderes, isso não é um bom começo?
Os jovens deflagraram a revolução, mas administrá-la é algo diferente. Se os militares reduzirem o processo aos jovens, estarão abortando a revolução. Percebi a mesma apreensão em muitas pessoas. Como se o comando militar fosse uma reencarnação do regime Mubarak. Decidimos hoje [ontem] enviar uma carta aos militares em nome de todas as forças políticas do Egito expondo as nossas demandas.

O sr. será candidato à Presidência?
Minha intenção é ajudar a colocar o Egito no caminho da democracia. Não estou procurando um cargo público. Gostaria de ver uma mudança de geração, alguém de 40 ou 50 anos na Presidência. A minha geração, que viveu 60 anos sob ditadura, fracassou em mover o país para a frente. Se houver um consenso de que sou necessário para conduzir o país, não desapontarei.

Os problemas do Egito são antigos. Por que a revolução só aconteceu agora ?
Era como uma bomba prestes a explodir. A Tunísia foi uma mensagem psicológica fantástica de que, parafraseando Barack Obama, "yes we can" (sim, nós podemos). Nem os organizadores dos protestos de 25 de janeiro sabiam se haveria 5.000, 100 mil ou 200 mil pessoas nas ruas. Havia muitas adesões no Facebook e na internet, mas ninguém sabia. O governo ironizava, dizendo que era um movimento virtual. A revolução não teria sido possível sem os meios de comunicação modernos.

Muitos afirmam que o sr. está desconectado do Egito após viver tantos anos no exterior. Acha que isso pode enfraquecê-lo como líder?
Não estou num concurso de popularidade. Este é um país em que 30% das pessoas não sabem ler e escrever, em que a mídia é controlada pelo governo e em que todos os dias a população sofre lavagem cerebral. Queremos democracia, para que as pessoas pensem por si próprias.

Como vê os temores de que a Irmandade Muçulmana tem planos de transformar o país numa teocracia?
Mubarak espalhou essa ficção, de que depois dele viria o caos. É um grupo religioso conservador, mas não acho que eles estejam interessados em tomar o poder. E, mesmo se quiserem, terão que fazer isso nos parâmetros da nova Constituição.

O Brasil errou nos últimos anos ao se aproximar de ditaduras como a de Mubarak em nome da solidariedade de país em desenvolvimento?
Eu gostaria que Brasil, África do Sul, Índia e outros tivessem falado mais alto que o Egito, apesar de também ser um país em desenvolvimento, não tem o direito de torturar seu povo e privá-lo de liberdade política. Governos como o do Brasil têm que entender que perderão credibilidade se não defenderem esses valores universais.

O sr. se arrisca a dizer qual a próxima peça do dominó a cair no mundo árabe?
Não. Cada país tem sua própria dinâmica. Se o Egito se tornar um Estado democrático moderado, não vejo como outros poderão continuar a defender suas políticas opressivas.

Colaborou SAMY ADGHIRNI

FOLHA.com
Leia a íntegra da entrevista com Mohamed ElBaradei
folha.com.br/mu876152


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