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São Paulo, domingo, 16 de março de 2003

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Deposição de Saddam Hussein envolve mais riscos que a Guerra do Golfo

Guerra no Iraque deve ter mais mortos que em 1991

OTÁVIO DIAS
DA REDAÇÃO

É possível estimar, ainda que dentro de uma ampla margem, quantas pessoas morreriam numa guerra dos EUA e seus aliados contra o Iraque, incluindo baixas entre as forças invasoras e defensoras, civis iraquianos e de outros países eventualmente envolvidos?
Não é tarefa fácil, e o Pentágono (centro de defesa dos EUA, responsável pelo planejamento do ataque militar) não divulga suas previsões.
O americano Michael O'Hanlon, pesquisador sênior do Instituto Brookings (Washington), arriscou-se a fazer previsões no estudo "Estimando as baixas numa guerra para depor Saddam", disponível no site do instituto (www.brook.edu), um dos mais prestigiosos dos EUA.
O pesquisador estima que as forças americanas/aliadas perderiam entre 100 e 5.000 militares numa guerra cujo objetivo fosse mudar o regime em Bagdá. O número de feridos seria quatro a cinco vezes maior, elevando o total de mortos e feridos para o mínimo de 500 e o máximo de 30 mil.
A estimativa mais baixa só seria realista se houvesse uma capitulação rápida do Iraque, tornando a guerra muito curta ou até desnecessária. A mais alta, embora improvável, poderia se materializar caso membros da Guarda Republicana (extremamente leais a Saddam) se entrincheirassem nas cidades, em especial em Bagdá, forçando um combate urbano.
As perdas humanas do lado iraquiano seriam dez a 20 vezes superiores -de mil a 100 mil, incluindo militares e civis. Uma guerra urbana aumentaria substancialmente as perdas civis. Seus cálculos não incluem mortes decorrentes de crises humanitárias (leia texto nesta página).
As previsões, obviamente pouco precisas, levam em consideração não apenas outras experiências militares americanas, mas também fatores como poderio aéreo, tecnologia, treinamento, capacidade defensiva, características do terreno e efeito surpresa.
A conclusão de O'Hanlon é que os EUA/aliados venceriam uma guerra para derrubar o ditador iraquiano, Saddam Hussein, de forma rápida e decisiva, afastando a possibilidade de um conflito que se arrastasse e resultasse num grande número de baixas como ocorreu nas guerras do Vietnã (1965-75) e da Coréia (1950-1953). No Vietnã, os EUA perderam 58 mil homens, e na Coréia, 54 mil.
Mas ele afirma ser irresponsável e irrealista imaginar que uma invasão do Iraque seria um "passeio" ou resultaria numa "vitória fácil". O número de mortos e feridos provavelmente seria superior ao da Guerra do Golfo (1991), na qual 147 militares americanos morreram em combate e cerca de 500 foram feridos. No total, a coalizão sofreu 240 baixas fatais.
Não há dados definitivos sobre quantos iraquianos -militares e civis- morreram durante ou em consequência do conflito de 1991, pois nem os EUA nem o Iraque apresentaram números inquestionáveis (leia texto nesta página).
Antes da Guerra do Golfo, também foram feitas, nos EUA, previsões sobre o número de mortos. Uma delas, de Barry R. Posen (Massachusetts Institute of Technology), previu que entre 4.000 e 11 mil soldados das forças de coalizão morreriam ou ficariam feridos. Outra, de Joshua M. Epstein (Instituto Brookings), estimou que as baixas (mortos e feridos) se situariam na faixa de 3.000 a 16 mil. O Pentágono, segundo informações publicadas na época pela imprensa, estava preparado para até 30 mil mortos e feridos.
O número de baixas foi bem inferior. Isso pode ser explicado, em parte, pela pouca resistência das forças iraquianas regulares, que se mostraram mal equipadas, mal coordenadas e desestimuladas. Mas o objetivo da guerra em 1991 foi diferente do que se coloca em 2003. As estratégias, os desafios e os perigos também.
A Guerra do Golfo, cujo objetivo foi expulsar as forças iraquianas que haviam ocupado o Kuait em 1990, foi praticamente dominada por bombardeios aéreos contra instalações, equipamentos e veículos militares iraquianos.
A guerra terrestre propriamente dita durou cerca de cem horas, ao final das quais as tropas iraquianas, em fuga desordenada, já haviam abandonado o Kuait.
A coalizão liderada pelos EUA quase não precisou entrar em combate com as forças iraquianas (cerca de 340 mil soldados, mas estima-se que houve mais de 100 mil deserções) e nem chegou perto de um enfrentamento com a Guarda Republicana, o núcleo duro das forças de Saddam, com cerca de 25 mil homens bem treinados e equipados, que permaneceu longe do palco da guerra (o Kuait ocupado e a fronteira com o Iraque).
Caso os EUA decidam lançar um ataque nas próximas semanas, o objetivo será mais complexo: depor Saddam Hussein. E, embora seja possível que parte do Exército iraquiano desista de defender o ditador diante do poder bélico americano, é provável que a Guarda Republicana (ou parte dela), detentora de privilégios e comprometida com seu líder, mostre-se disposta a proteger o regime a qualquer custo.
As forças americanas/aliadas poderão então se ver forçadas a combater dentro das cidades, em especial em Bagdá, onde vivem 5 milhões de pessoas. "Num ambiente urbano, seria muito mais difícil empregar o poderio aéreo contra as forças iraquianas, que se misturariam com facilidade com os civis", diz O'Hanlon. As forças defensoras também se beneficiarão da vantagem de conhecer o terreno e de ter fácil acesso a suprimentos (bélicos, alimentares etc.) e a abrigo.
"Bagdá, sua população e sua liderança estão determinadas a forçar os mongóis da nossa era a cometer suicídio em seus portões", disse Saddam em recente discurso, numa referência ao Exército mongol de Hulagu Khan, que saqueou a capital em 1258.
Também há a possibilidade de Saddam, com sua sobrevivência ameaçada, lançar mão de armas de destruição em massa (em especial químicas e biológicas) contra as forças invasoras, países vizinhos, a própria população iraquiana ou países aliados dos EUA.


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