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São Paulo, domingo, 16 de março de 2003

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IRAQUE NA MIRA

Ex-secretária de Estado dos EUA diz à Folha que os dois presidentes "não estão se comportando como adultos"

Para Albright, crise Bush-Chirac é infantil

FERNANDO CANZIAN
DE WASHINGTON

Madeleine Albright, 65, ex-secretária de Estado americana e ex-embaixadora dos Estados Unidos nas Nações Unidas durante o governo Bill Clinton (1993-2001), afirma que os presidentes George W. Bush (EUA) e Jacques Chirac (França) "não estão se comportando como adultos" na discussão sobre uma possível guerra contra o Iraque.
"O futuro da ONU está sendo colocado em xeque", diz. Para Albright, o cenário caminha para uma "tempestade diplomática perfeita". A consequência é que regiões como a América Latina devem sair do "radar dos EUA por um bom tempo".
Sobre a possibilidade de uma ação militar dos EUA contra Saddam Hussein, afirma: "Quando abrimos a caixa de ferramentas para tratar de política externa chegamos sempre à conclusão de que há pouquíssima coisa dentro. Se retórica e sanções econômicas não funcionam, ficamos emperrados. Sobra a força".
Nascida em Praga e filha de um diplomata, Madeleine Korbel Albright veio aos EUA aos 11 anos, quando os pais pediram asilo político aos americanos.
Favorável ao Partido Democrata, Albright trabalhou no Conselho de Segurança Nacional e na Casa Branca nos anos 70 e 80, até chegar a embaixadora dos EUA na ONU, em 93. Convidada por Clinton, assumiu o Departamento de Estado em 97. Foi a primeira mulher no cargo.
Leia a seguir a entrevista dada por ela à Folha após participar de uma palestra na última quinta-feira em Washington.

Folha - Qual será a reação do Oriente Médio à presença maciça de tropas norte-americanas na região, especialmente se os EUA atacarem e tiverem de administrar sozinhos a reconstrução e a transição do país? As tropas terão de ficar lá por um longo período, não?
Madeleine Albright -
Tropas americanas têm ocupado por longos períodos muitas regiões do mundo nas últimas décadas. Isso aconteceu na Alemanha e na Coréia. Desta vez não será diferente. Acho que teremos de manter nosso pessoal lá por um bom tempo. O Oriente Médio é um trabalho que ainda não foi terminado. Há muitas questões pendentes na região que devem ser resolvidas.

Folha - Como a sra. analisa a posição do presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva? Embora o Brasil não participe do Conselho de Segurança da ONU, o país se opõe à guerra.
Albright -
Cada país tem procurado demonstrar sua posição. Todos tem o direito de dizer o que pensam. Como o Brasil não participa do Conselho de Segurança, o presidente Lula, tenho certeza, deve estar tentando fazer valer a sua posição por meio dos presidentes do Chile [Ricardo Lagos" e do México [Vicente Fox".
Mas o lado triste da discussão de toda essa crise é que a América Latina, assim como outras regiões importantes do mundo, vai acabar ficando de fora da tela do nosso radar por um bom tempo.

Folha - Qual o futuro da ONU se os EUA atacarem o Iraque sem um amplo apoio?
Albright -
Este é um momento muito delicado para as Nações Unidas e para a sua credibilidade. Já houve ocasiões em que os Estados Unidos não foram à ONU para pedir autorização para usar a força. O problema é que, desta vez, nós fomos. E o Conselho de Segurança está dividido. O grande poder do Conselho e dos países que participam dele é a sua própria existência. Se atacarmos sem consentimento, perde-se o sentido de algo que demorou 50 anos para ser construído.

Folha - A principal divisão é entre os EUA e a França. O que está por trás do desacordo?
Albright -
Tivemos diferenças ao longo dos anos, mas nossa relação com a França é das mais sérias. Coisas estúpidas estão acontecendo agora, como quando alguns querem mudar o nome das ""french fries" (batatas fritas, em inglês) e outros desejam parar de tomar Coca-Cola. Mas é muito importante acordarmos para todo o risco dessa polêmica.
Creio que tanto o presidente Bush quanto o presidente Chirac estão se comportando terrivelmente. Os dois estão colocando a questão como se fosse preto ou branco, dizendo que vão fazer exatamente o que querem, não importa o que a ONU ou as suas resoluções digam. Esse não é um comportamento adulto.
Os dois deveriam fazer exatamente o contrário. Deveriam se falar diariamente e se encontrar para virem juntos a público, de mãos dadas, para apresentar uma solução e reforçar o quanto um país precisa do outro.
Mas precisamos levar em conta que, em todas as ocasiões em que tentamos aprovar resoluções para desarmar Saddam, nos últimos 12 anos, tivemos sempre a França como nosso maior obstáculo.
Saddam vem nos enganando há anos. Teve a sua chance e não cumpriu o que pedimos. Ele não se desarmou.
Agora, provoca uma divisão entre nossos aliados quando temos uma série de crises que deverão demandar uma ação internacional, onde o papel das Nações Unidas será mais importante. A Coréia do Norte é um exemplo perfeito. Por isso, todos os países envolvidos na atual discussão no Conselho de Segurança devem estar atentos ao efeito que um impasse agora poderá ter.

Folha - Que outras crises?
Albright -
Diria que nós estamos hoje no meio do que eu chamaria de uma ""tempestade diplomática perfeita". Há muitos problemas colocados -todos ao mesmo tempo- para a comunidade internacional. Cinco elementos fazem parte hoje desta ""tempestade perfeita", não necessariamente nessa ordem. O primeiro é a guerra ao terrorismo, que está nos consumindo. O segundo é obviamente o que está acontecendo no Iraque. O terceiro é a falta de iniciativas concretas para a paz no Oriente Médio. O quarto são as tensões entre Índia e Paquistão, duas potências atômicas fazendo ameaças mútuas cada vez maiores. O quinto é a Coréia do Norte.


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