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São Paulo, domingo, 16 de março de 2003

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IRAQUE NA MIRA

Autoridades iraquianas detêm jovens em idade militar; ação deflagra fuga de Província do norte do país

Bagdá prende curdos para evitar levante

PATRICK COCKBURN
DO "THE INDEPENDENT", EM QUSH TEPPA

Curdos começaram a fugir da Província de Kirkuk, no norte iraquiano, para escapar da prisão por autoridades iraquianas, que estão detendo homens em idade militar para impedir um levante curdo se os EUA invadirem o Iraque.
"Fugi porque o pessoal de Saddam está prendendo jovens que poderiam carregar armas num possível levante", contou na quinta-feira o lavrador Zama Fathi, 23, que acabara de chegar a Qush Teppa, no território sob controle curdo ao norte de Kirkuk.
Ao menos mil curdos já fugiram de Kirkuk desde que as prisões começaram, na terça-feira. Fathi contou: "Tarde da noite, uma pessoa me disse para não ficar na minha casa. Eu e meus dois irmãos nos escondemos num bairro árabe em Kirkuk, onde eles não iriam nos procurar. Subornamos soldados numa barreira policial para nos deixarem fugir".
As prisões são o primeiro passo do que deverá ser uma luta acirrada pelo controle de Kirkuk. Os curdos juram que vão restaurar sua maioria nessa Província iraquiana produtora de petróleo, revertendo décadas de limpeza étnica promovida por Bagdá.
O terror entre os curdos em Kirkuk foi intensificado por relatos sobre a presença na cidade de Ali Hassan Al Majid, um notório militar a serviço do ditador iraquiano, Saddam Hussein, conhecido como "Ali Químico", porque foi ele quem dirigiu o massacre de 100 mil curdos em 1988, muitos deles mortos com gás tóxico.
As prisões são efetuadas por homens armados do governista Partido Baath. Hajal, uma mulher de meia-idade que fugiu de Kirkuk, contou: "Muitos homens estão dormindo nos cemitérios locais".
As detenções não se limitam a Kirkuk. Hajad Bakr, de Dibis, cidade a oeste de Kirkuk, disse: "Cerca de 50% dos homens deixaram Dibis nos últimos dez dias. A situação vai piorar à medida que chegarmos mais perto da guerra".
Os refugiados curdos que chegam ao encrave, que desfruta de independência "de facto" desde 1991, se juntam a cerca de 300 mil outros que foram deportados ou obrigados a partir anteriormente. A maioria espera poder voltar para suas casas assim que a iminente invasão americana começar, expulsando os colonos árabes que as tomaram.
Em seu quartel-general no alto das montanhas em Salahudin, Massoud Barzani, o mais poderoso líder curdo, disse que todos os refugiados curdos devem retornar e tomar o lugar dos colonos, restaurando a maioria curda em Kirkuk. "Nosso objetivo sagrado é levar nosso povo de volta a uma área que foi arabizada."
A luta por Kirkuk, que se arrasta há mais de 40 anos, tem tudo para ser um dos mais explosivos subprodutos da invasão americana.
A Turquia afirmou que vai usar seu Exército para impedir que os curdos tomem Kirkuk à força. Barzani, líder do Partido Democrático do Curdistão, disse que os curdos devem ser autorizados a "desarabizar" as áreas que costumavam ocupar e que, se não puderem retornar, ele irá pessoalmente a Kirkuk.
Os EUA já deram a entender que vão tentar capturar Kirkuk e os campos de petróleo logo no início da campanha, para impedir disputas em torno do controle dos campos. Mas eles não poderão impedir os curdos de retornarem ao resto da Província. Mesmo na cidade de Kirkuk, seria embaraçoso para as forças americanas se elas fossem vistas empunhando armas para impedir curdos de retornar às suas casas.
O líder curdo negou que tenha dado aos EUA qualquer garantia de que não vai tentar capturar Kirkuk com seu exército de 62 mil homens, mas disse: "Não é nosso objetivo tomar a cidade militarmente". Ele afirmou que os turcomanos e outros grupos étnicos expulsos por Saddam também voltarão a suas casas -o que é uma questão importante, já que a Turquia afirma que a defesa dos direitos dos turcomanos é uma razão possível para uma invasão.
Barzani pode não lançar nenhum ataque direto a Kirkuk, mas isso seria praticamente desnecessário. Os comandantes militares curdos locais acreditam que os curdos da Província de Kirkuk, com a ajuda dos refugiados que estarão voltando, devem iniciar um levante assim que a invasão americana começar. É isso o que Bagdá já está tentando impedir.
Os comandantes militares curdos na linha de frente que passa logo ao norte da Província de Kirkuk são cautelosos quando se trata de falar de seus planos, mas acredita-se que a luta por Kirkuk não vai demorar a começar.
O comandante Nasrudin Mustafa, líder de uma força de "pesh merga" (soldados curdos) com seu quartel-general em Qush Teppa, comentou: "Muitos árabes se preparam para partir. Já enviaram sua mobília pesada para casa, para facilitar a fuga".


Patrick Cockburn é membro do Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais, em Washington, e co-autor de "Saddam Hussein: An American Obsession".

Tradução de Clara Allain


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