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São Paulo, domingo, 16 de março de 2003

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IRAQUE NA MIRA

Eleito na onda anti-Le Pen, o francês ganha popularidade; já o britânico perde apoio, apesar de seu capital eleitoral

Chirac e Blair invertem papéis na crise

MÁRCIO SENNE DE MORAES
DA REDAÇÃO

A crise em torno do desarmamento iraquiano e da provável ofensiva dos EUA contra o Iraque tem efeitos domésticos diametralmente opostos sobre o presidente francês, Jacques Chirac, e sobre o premiê britânico, Tony Blair.
Em lados contrários do tabuleiro político global hoje, ambos viram sua popularidade sofrer uma dramática inversão de tendência desde sua última vitória eleitoral, e o modo como eles têm agido sobre a questão iraquiana foi vital para essa mudança.
"O triunfo de Chirac na eleição foi totalmente atípico, e os números do segundo turno não refletem a realidade da cena política francesa de maio de 2002. Na verdade, ele soube conquistar sua legitimidade atual graças a seu enorme tato político, e a posição francesa em relação a Bagdá tem muito a ver com isso", disse à Folha Dominique Reynié, do Instituto de Estudos Políticos de Paris.
"Blair foi o primeiro premiê do Partido Trabalhista a se reeleger. Sua legenda obteve mais de 60% da Câmara dos Comuns, enquanto os conservadores viram sua base desaparecer. Desde 11 de setembro de 2001, todavia, ele é visto como uma espécie de grande representante do braço europeu da política externa americana", analisou Rodney Barker, da London School of Economics.
"Isso já vinha minando sua popularidade desde o fim de 2001, e seu comportamento durante a crise iraquiana só agravou a situação. Boa parte dos britânicos não aprova esse alinhamento automático com os EUA", disse Barker.
Chirac chegou ao poder com 82% dos votos no segundo turno, porém seu adversário era Jean-Marie Le Pen, o maior líder da extrema direita francesa. Os meros 19,88% obtidos por ele no primeiro turno provam que sua clara vitória no segundo foi principalmente um voto anti-Le Pen. Ademais, se tivesse perdido, Chirac poderia ser processado, pois estava envolvido em escândalos.
A defesa da solução pacífica para a crise o catapultou, porém, ao posto de paladino do iluminismo. Sua atitude é diretamente associada à voz dos milhões de opositores à guerra no mundo. Segundo pesquisa divulgada nesta semana, sua popularidade atinge 69%.
Blair, por sua vez, decidiu alinhar o Reino Unido à política americana. Contudo a população britânica é majoritariamente contrária a uma guerra sem a anuência da ONU, e a cada vez mais forte possibilidade de a ofensiva ser lançada sem essa aprovação mina a popularidade do premiê.
De acordo com pesquisa desta semana, caiu de 50% para 43% o apoio dos eleitores trabalhistas à atuação de Blair na questão iraquiana. Sintomaticamente, subiu o dos eleitores do Partido Conservador: de 30% para 39%.
Eis outra característica importante da crise atual: a inversão das tendências políticas. O conservador Chirac é aplaudido pela esquerda francesa e provoca temores na direita. Blair tem mais apoio interno entre os conservadores que dentro de seu Partido Trabalhista. "De novo, isso prova que não há mais grande diferença entre a direita e a esquerda na Europa ocidental", avaliou Reynié.
No fundo, a oposição Blair/Chirac é um choque de duas visões distintas sobre o futuro da União Européia. Londres defende um bloco mais próximo dos EUA. Paris e Berlim buscam mais independência. Por enquanto, a esmagadora maioria da opinião pública apóia a França e a Alemanha.
Todavia, se a guerra for curta e sem muitas baixas, como prevêem os estrategistas de Washington, talvez Blair tenha a última palavra. O risco é que o futuro da UE seja realmente minado.


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