São Paulo, domingo, 16 de abril de 2000


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ENTREVISTA

Crise andina pode reformular a democracia na região

LARISSA PURVINNI
da Redação

Os países da Comunidade Andina -Colômbia, Venezuela, Equador, Peru e Bolívia- vêm passando por um terremoto político cujo resultado pode ser uma nova fórmula de democracia, com maior participação das populações indígenas e aliando a atuação da sociedade civil à vigilância internacional.
Essa é a opinião do professor do Departamento de Economia da Unesp-Araraquara (Universidade Estadual Paulista) o peruano Enrique Amayo, pesquisador associado ao Instituto de Estudos Avançados da USP, onde coordena o grupo de pesquisas sobre a América Latina.
Os países da região, que abriga 109 milhões de habitantes, foram palco de crises políticas recentes, a última delas no Peru, onde se temia que o presidente Alberto Fujimori fraudasse as eleições para vencer no primeiro turno. Para Amayo, a forte presença da população, sobretudo indígena, nas ruas e a pressão internacional foram decisivas.
No Equador, o governo foi deposto por uma grande mobilização da população indígena, também importante na Bolívia, onde o Executivo decretou estado de sítio após protestos contra a privatização do abastecimento de água.
Completam o quadro a Venezuela, onde o presidente Hugo Chávez concentrou poderes afirmando combater a corrupção, e a Colômbia, onde o Executivo quer levar a referendo a dissolução do Congresso pela mesma razão.
Para Amayo, caso seja eleito presidente do Peru, Alejandro Toledo, de origem indígena, pode se tornar um líder na região, já que contaria, simultaneamente, com forte respaldo interno e externo, sem a pecha de autoritário que leva Chávez.

Folha - Há pontos comuns nas recentes crises ocorridas na Bolívia, Colômbia, Venezuela e no Peru? A democracia está em crise na América Latina?
Enrique Amayo -
O que há em comum entre esses acontecimentos, lembrando também o caso do Equador, é que eles se dão em países andinos, onde estão ocorrendo diferentes níveis de mobilização da sociedade civil, com peculiaridades: nesses países há uma enorme participação dos camponeses de origem indígena, muitos dos quais nem espanhol falam.

Folha - A democracia não resolveu os problemas sociais?
Amayo -
É preciso observar que os países andinos são os mais velhos da América do Sul, que fazem parte de uma história não exatamente igual à história ocidental. São países do Império Inca. A crise atual faz reaparecer toda essa presença indígena.
Também no Peru, nas manifestações contra Fujimori, a presença indígena é enorme. O próprio candidato Alejandro Toledo não é precisamente um ocidental. É um índio que fala muito bem os idiomas ocidentais, mas está vinculado a outra história. Nos países andinos, há um conjunto de problemas que não foram resolvidos no período republicano, e a globalização está fazendo com que eles reapareçam, com a participação de atores sociais muito antigos.
Também há o surgimento de uma nova personagem, que é a opinião pública internacional. Sem ela, teria sido difícil conseguir dobrar Fujimori.

Folha - Então, o sr. vê com otimismo a situação da democracia na América Latina?
Amayo -
O caso peruano mostra o amadurecimento da sociedade civil. A sociedade foi às ruas com força. As populações indígenas, que estavam esquecidas, estão reaparecendo. A globalização está permitindo, contra seus propósitos, que esses personagens reapareçam, porque não está resolvendo seus problemas. São novos atores que podem criar, talvez, um novo tipo de democracia.

Folha - Como será essa nova democracia?
Amayo -
É um novo conceito, que representa a igualdade na diferença. São povos diferentes em termos históricos e linguísticos, mas iguais em termos de direitos.

Folha - Como o sr. vê os exemplos de Chávez e Pastrana?
Amayo -
Colômbia e Venezuela são muito diferentes: Chávez é extremamente forte. Pastrana é fraco, está lá principalmente por causa do apoio dos EUA. É muito diferente da situação de Toledo, que, caso seja eleito presidente, terá um enorme apoio interno e grande respaldo externo. Na minha opinião, caso ganhe, é provável que Toledo se transforme no líder dos países andinos, porque contaria com apoio interno e externo, em um país pacificado, ao contrário da Colômbia, e que não tem a pecha que tem Chávez, de "autoritarismo democrático".

Folha - Mas Toledo chegou a conversar com o Exército, acenando com a possibilidade de conceder voto aos militares.
Amayo -
Na minha opinião, abrir essa possibilidade para os militares, para que, em vez de fazer as coisas escondidas nos quartéis, as façam publicamente, seria ótimo. É lógico que tinha de falar com os militares! Quem não fala com eles em nosso continente?
Se Fujimori sofreu essa derrota, é porque o apoio militar estava fragilizado. A mobilização popular levou os militares a imaginar que, para defender Fujimori, teriam de matar gente. Os planejadores da fraude fizeram vários panoramas, e o pior deles mostrava que teriam de fraudar no máximo meio milhão de votos. Mas os resultados mostraram que teriam de fraudar pelo menos 1 milhão.
Os EUA afirmaram que cortariam toda a ajuda militar, que integra o soldo de soldados. Toledo disse saber que ganhou com 57% dos votos, mas oficialmente tem 40%. Só com a mobilização da sociedade civil, sem a pressão externa, Fujimori teria ido em frente.


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