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ENTREVISTA
Crise andina pode reformular a democracia na região
LARISSA PURVINNI
da Redação
Os países da Comunidade Andina -Colômbia, Venezuela,
Equador, Peru e Bolívia- vêm
passando por um terremoto político cujo resultado pode ser uma
nova fórmula de democracia,
com maior participação das populações indígenas e aliando a
atuação da sociedade civil à vigilância internacional.
Essa é a opinião do professor do
Departamento de Economia da
Unesp-Araraquara (Universidade Estadual Paulista) o peruano
Enrique Amayo, pesquisador associado ao Instituto de Estudos
Avançados da USP, onde coordena o grupo de pesquisas sobre a
América Latina.
Os países da região, que abriga
109 milhões de habitantes, foram
palco de crises políticas recentes,
a última delas no Peru, onde se temia que o presidente Alberto Fujimori fraudasse as eleições para
vencer no primeiro turno. Para
Amayo, a forte presença da população, sobretudo indígena, nas
ruas e a pressão internacional foram decisivas.
No Equador, o governo foi deposto por uma grande mobilização da população indígena, também importante na Bolívia, onde
o Executivo decretou estado de sítio após protestos contra a privatização do abastecimento de água.
Completam o quadro a Venezuela, onde o presidente Hugo
Chávez concentrou poderes afirmando combater a corrupção, e a
Colômbia, onde o Executivo quer
levar a referendo a dissolução do
Congresso pela mesma razão.
Para Amayo, caso seja eleito
presidente do Peru, Alejandro
Toledo, de origem indígena, pode
se tornar um líder na região, já
que contaria, simultaneamente,
com forte respaldo interno e externo, sem a pecha de autoritário
que leva Chávez.
Folha - Há pontos comuns nas
recentes crises ocorridas na Bolívia, Colômbia, Venezuela e no
Peru? A democracia está em crise na América Latina?
Enrique Amayo - O que há em
comum entre esses acontecimentos, lembrando também o caso do
Equador, é que eles se dão em países andinos, onde estão ocorrendo diferentes níveis de mobilização da sociedade civil, com peculiaridades: nesses países há uma
enorme participação dos camponeses de origem indígena, muitos
dos quais nem espanhol falam.
Folha - A democracia não resolveu os problemas sociais?
Amayo - É preciso observar que
os países andinos são os mais velhos da América do Sul, que fazem parte de uma história não
exatamente igual à história ocidental. São países do Império Inca. A crise atual faz reaparecer toda essa presença indígena.
Também no Peru, nas manifestações contra Fujimori, a presença indígena é enorme. O próprio
candidato Alejandro Toledo não é
precisamente um ocidental. É um
índio que fala muito bem os idiomas ocidentais, mas está vinculado a outra história. Nos países andinos, há um conjunto de problemas que não foram resolvidos no
período republicano, e a globalização está fazendo com que eles
reapareçam, com a participação
de atores sociais muito antigos.
Também há o surgimento de
uma nova personagem, que é a
opinião pública internacional.
Sem ela, teria sido difícil conseguir dobrar Fujimori.
Folha - Então, o sr. vê com otimismo a situação da democracia na América Latina?
Amayo - O caso peruano mostra o amadurecimento da sociedade civil. A sociedade foi às ruas
com força. As populações indígenas, que estavam esquecidas, estão reaparecendo. A globalização
está permitindo, contra seus propósitos, que esses personagens
reapareçam, porque não está resolvendo seus problemas. São novos atores que podem criar, talvez, um novo tipo de democracia.
Folha - Como será essa nova
democracia?
Amayo - É um novo conceito,
que representa a igualdade na diferença. São povos diferentes em
termos históricos e linguísticos,
mas iguais em termos de direitos.
Folha - Como o sr. vê os exemplos de Chávez e Pastrana?
Amayo - Colômbia e Venezuela
são muito diferentes: Chávez é extremamente forte. Pastrana é fraco, está lá principalmente por
causa do apoio dos EUA. É muito
diferente da situação de Toledo,
que, caso seja eleito presidente, terá um enorme apoio interno e
grande respaldo externo. Na minha opinião, caso ganhe, é provável que Toledo se transforme no
líder dos países andinos, porque
contaria com apoio interno e externo, em um país pacificado, ao
contrário da Colômbia, e que não
tem a pecha que tem Chávez, de
"autoritarismo democrático".
Folha - Mas Toledo chegou a
conversar com o Exército, acenando com a possibilidade de
conceder voto aos militares.
Amayo - Na minha opinião,
abrir essa possibilidade para os
militares, para que, em vez de fazer as coisas escondidas nos quartéis, as façam publicamente, seria
ótimo. É lógico que tinha de falar
com os militares! Quem não fala
com eles em nosso continente?
Se Fujimori sofreu essa derrota,
é porque o apoio militar estava
fragilizado. A mobilização popular levou os militares a imaginar
que, para defender Fujimori, teriam de matar gente. Os planejadores da fraude fizeram vários panoramas, e o pior deles mostrava
que teriam de fraudar no máximo
meio milhão de votos. Mas os resultados mostraram que teriam
de fraudar pelo menos 1 milhão.
Os EUA afirmaram que cortariam toda a ajuda militar, que integra o soldo de soldados. Toledo
disse saber que ganhou com 57%
dos votos, mas oficialmente tem
40%. Só com a mobilização da sociedade civil, sem a pressão externa, Fujimori teria ido em frente.
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