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ARTIGO
O primeiro ano do papado de Bento 16
FERNANDO ALTEMEYER JÚNIOR
ESPECIAL PARA A FOLHA
Hoje o papa faz 79 anos de vida.
Nascido em Marktl am Inn, em
1927 (em um Sábado Santo), é
eleito em um dos mais rápidos
conclaves da história (quatro votações em 22 horas) e apresentado
ao mundo às 18h40 do dia 19 de
abril do ano passado. O 265º sucessor de Pedro assumiu o nome
de Bento 16. Isto representa sua
prioridade por recristianizar a
Europa. Os temas nevrálgicos serão o secularismo e o relativismo.
Este filho de agricultor e artesã
da Baixa Baviera ocupa há um
ano a função de bispo de Roma e
responsável primeiro pela unidade eclesial. O homem que nascera
em ambiente mozarteano, tornou-se intelectual de fino trato e,
por esta nomeação, emergirá como guia espiritual de um bilhão
de fiéis em todo o planeta.
Sua formação intelectual passa
por Santo Agostinho e São Boaventura, o que explica sua preocupação com a verdade, em chave
platônica e neoplatônica.
Seu lema como bispo é: "Colaborador da verdade"; e vale lembrar o que o então bispo Ratzinger dissera desta sua escolha. "Parecia-me, por um lado, encontrar
nele a ligação entre a tarefa anterior de professor e a minha nova
missão; o que estava em jogo, e
continua a estar, embora com
modalidades diferentes , é seguir a
verdade, estar a seu serviço. E, por
outro, escolhi este lema porque,
no mundo atual, omite-se quase
totalmente o tema da verdade, parecendo algo demasiado grande
para o homem; e, todavia, tudo se
desmorona se falta a verdade".
Desde seus primeiros anos como professor confirma uma visão
tradicional oposta ao marxismo e
ao niilismo sartriano e nietzscheano, fortemente presentes no
mundo estudantil dos anos 1960.
Isto não o impede, no entanto, de
propor a missa na língua local das
comunidades em lugar do latim e
sobretudo em pensar a Igreja como grande mistério de comunhão e sacramento vivo de libertação face a visão hierárquica e fixista vivida até o Papa Pio 12.
A ênfase profissional em sua vida será o ato de lecionar e o de ser
perito teológico. Isto talvez explique sua timidez e seus gestos singelos se comparados à grandiloqüência de seu antecessor, João
Paulo 2º, verdadeiro homem do
teatro e taumaturgo de multidões.
Entretanto, o apreciador de Mozart é hoje conhecido por sua
imensa capacidade e lucidez para
tratar, com poesia, de grandes temas bíblicos e teológicos. Esta sua
sensibilidade e clareza lógica, hoje
como papa, contrastam com a fama de homem autoritário e inflexível, construída enquanto prefeito da Doutrina da Fé nos vinte e
três anos de mandato, quando enquadrou cerca de duzentos teólogos católicos em todo o mundo.
Realiza neste seu primeiro ano
viagem até Bari, na Itália, em 29
de maio de 2005, dando ênfase ao
ecumenismo, o que foi grata surpresa face ao duríssimo texto por
ele anteriormente publicado, chamado Dominus Iesus, que praticamente sepultara o diálogo entre
os cristãos.
O novo papa alemão tem se
mostrado aberto e amigo de todas
as confissões com palavras de carinho e amizade explícitas aos judeus e muçulmanos além de gestos de proximidade e respeito face
aos cristãos de outras denominações. Como exemplo, podemos
citar sua decisão de abandonar o
título de patriarca do Ocidente
para favorecer a comunhão. Gesto simples, mas corajoso.
Faz uma viagem internacional
retornando a sua Heimat entre 18
e 21 de agosto de 2005, para celebrar a 20ª Jornada Mundial da Juventude. Aprova o Compêndio
do Catecismo em 28 de junho e
publica a primeira Encíclica de
seu governo, Deus caritas est, em
25 de dezembro de 2005. Em 31 de
agosto de 2005, aprova documento em que afirma que a igreja "não
poderá admitir no seminário e
nas ordens sagradas aqueles que
praticam a homossexualidade,
apresentam tendências homossexuais enraizadas ou apóiam o que
se chama a "cultura gay'".
Em 24 de março de 2006, convoca seu primeiro consistório. Nomeia quinze cardeais, entre os
quais o arcebispo de Hong Kong,
Joseph Zen Ze Kiun. Isto se situa
na estratégia central de estabelecer laços com a China e eventualmente em preparar um futuro papa oriental para sucedê-lo.
O que chamou a atenção negativamente foi o fato de não nomear
nenhum brasileiro, pois toda a comunidade católica internacional e
nacional esperava ansiosa que
dom Luciano Pedro Mendes de
Almeida e dom José Ivo Lorscheiter fossem reconhecidos pelo tremendo trabalho prestado por ambos em favor da igreja mundial e
do diálogo entre as religiões no
Brasil e no mundo. Os brasileiros
merecem que estes dois evangelizadores sejam reconhecidos pelo
tamanho de sua envergadura pastoral. Aqui houve uma omissão
que até agora nos permanece
inexplicável.
Além desta questão particular,
os católicos latino-americanos
aguardam que dois bispos assassinados em nosso continente,
dom Enrique Angelelli, pela ditadura argentina, e dom Oscar Arnulfo Romero y Gadamez, pelas
forças de direita organizadas pelos norte-americanos em El Salvador, sejam canonizados com a
máxima urgência.
A tradição religiosa da metade
dos católicos do mundo que aqui
vivem, aguarda este ingente e necessário reconhecimento canônico. Até porque a memória de ambos já fortalece e faz surgir igrejas
em todas as paragens. Pois como
lembra Santo Irineu, "sangue dos
mártires é semente de igrejas".
Neste ponto central, a igreja e
seus bispos não podem sofrer de
amnésia, para não ser desacreditada e para poder dar testemunho
fiel do Cristo em nossos dias.
É verdade que teremos, mui
provavelmente, em maio de 2007,
na vinda do papa ao Brasil (em
Aparecida), a canonização de Frei
Antonio Galvão, filho querido do
Vale do Paraíba, o que o tornará,
portanto, o primeiro brasileiro
elevado aos altares em 500 anos
de história.
Promete-se para breve também
a reavaliação histórico-crítica da
figura e dos eventos conflituosos
envolvendo o padre Cícero Romão Batista em Juazeiro, com a
sua provável beatificação, o que
mudaria totalmente o universo
religioso no Brasil, especialmente
no Vale do Cariri, no sertão pernambucano e em todo agreste
nordestino.
O papa Bento 16 poderá superar
um século de incompreensões e
preconceitos contra a fé verdadeira de nosso povo sertanejo.
Neste primeiro ano, suas propostas mantêm o cunho conservador de seus escritos mais recentes, mantendo a sintonia com o
pensamento moral de João Paulo;
restringe as pesquisas com células-tronco e reforça a visão naturalista sobre reprodução humana.
A inovação ficou por conta da
perspectiva com que o papa lê a
sexualidade ligada ao erotismo e
ao desejo do amor humano, como
parábola do amor divino.
Mas isto não permite ao papa
qualquer condescendência com o
casamento gay e com qualquer
mudança de postura no uso de
preservativos e de métodos anticoncepcionais.
O atual papa é contrario à ordenação de mulheres e é fiel defensor das novas comunidades cristãs, tais como a Renovação Carismática, os Focolares, a Comunhão e Libertação e o Caminho
Catecumenal, além de apoiar firmemente a organização esotérica
conhecida como Opus Dei.
Todos estão agradavelmente
surpresos com o pontificado de
Bento 16, pois esperava-se pelo recrudescimento do inverno e temos recebido suave brisa de primavera. Oxalá continue.
Fernando Altemeyer Júnior, 49, teólogo católico, é mestre em teologia dogmática pela Universidade de Louvain
(Bélgica) e ouvidor da PUC-SP.
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