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Direitos humanos dividem islâmicos
Em conferência de intelectuais, universalidade do conceito provoca cisão; para alguns, defesa do tema encobre intervenção ocidental
Pensadores questionam uso de critérios díspares sobre
o que é respeitar direitos; relativização do conceito não é encampada por todos
UIRÁ MACHADO
ENVIADO ESPECIAL A AMÃ
A idéia de universalidade dos
direitos humanos é a premissa
da 15ª Conferência da Academia da Latinidade, que está
sendo realizada em Amã (Jordânia) entre os dias 14 e 17 deste mês. A proposta era debater,
a partir dessa noção universal,
as possibilidades de diálogo entre o Ocidente e o islã.
Porém é a premissa do evento que acabou sendo debatida.
Os 31 intelectuais reunidos ainda não chegaram a um consenso -nem parece que chegarão.
As divergências são complexas.
Vão da existência de valores
universais à manipulação desses valores para fins de colonização, passando pela incompatibilidade do islã com os direitos humanos universais.
A primeira dificuldade foi
apontada pelo primeiro intelectual muçulmano a falar.
Hassan Nafaa, secretário-geral do Fórum do Pensamento
Árabe e ex-chefe do Departamento de Ciências Políticas da
Universidade do Cairo (Egito),
afirmou que o "discurso dos direitos humanos pode ser só um
meio de intervir nos países árabes". Ele argumenta que, nas
ordens nacionais, os direitos
humanos funcionam e são importantes, mas, no contexto internacional, tendem a falhar.
"Comumente os direitos humanos são violados sob o pretexto da defesa de interesses
nacionais", afirma.
Uma das muitas referências
que tem em mente é a prisão de
Guantánamo, onde os EUA
mantêm presos em condições
que desrespeitam os direitos
humanos.
Incompatibilidade
Já o sul-africano Ebrahim
Moosa, professor da Universidade Duke (EUA), endossa a tese da manipulação dos direitos
humanos, mas aponta um problema mais profundo: na sua
opinião, são incompatíveis com
o islã -com o islã predominante, sublinha.
Moosa diz que há um problema de "tradução". Na tradição
islâmica, afirma, a noção de direito comporta uma certa reciprocidade, pois a base é a coletividade. Assim a transposição
dos direitos humanos, predominantemente individuais,
cria problemas práticos se não
há uma reinterpretação. Para
ele, a saída são os direitos humanos islâmicos, capazes de
dialogar com as particularidades dessas sociedades.
"Afirmar a existência de direitos humanos universais é
afirmar que um tipo de indivíduo deve ser o modelo, e os muçulmanos são os que têm de se
adaptar. Por que deveríamos?",
questiona Moosa.
Ele diz ser "fundamental entender que as sociedades têm
características distintas e que,
inclusive, as mulheres podem
ser feministas e lutar por um
papel diferente do do Ocidente". Ao ser questionado pelo repórter se acha que o Ocidente
consegue entender isso, responde: "Não podemos ajudar
com a cegueira, a ignorância, o
preconceito. Nós podemos informar vocês [ocidentais], mas
não vamos mudá-los, como
querem fazer conosco".
Universalidade
Aziz al Azmeh, professor da
Universidade da Europa Central (Hungria), também aponta
a incompatibilidade entre o islã
e o Ocidente. Mais do que Moosa, ressalta: "Estou falando da
forma que se apresenta hoje como predominante. Isso é essencial".
Contudo passa longe de relativizar os direitos humanos.
Por quê? "Não são relativizáveis. Pertencem à humanidade,
não ao Ocidente."
O diálogo entre as civilizações, para Azmeh, só pode se
dar se os conceitos abstratos de
"Ocidente" e "islã" forem deixados de lado em favor da heterogeneidade de um e de outro.
O principal defensor da tese
da universalidade dos direitos
humanos na conferência tem
sido o filósofo e sociólogo francês Alain Touraine.
Apesar de afirmar que as noções universalistas foram utilizadas por grupos hegemônicos
como instrumentos de dominação, diz que não é possível
abandonar certas noções fundamentais para a humanidade
em nome de um processo de
descolonização.
Touraine usa uma analogia:
assim como a matemática e astronomia foram desenvolvidas
em um momento histórico específico, também os direitos
humanos o foram -mas não
devem por isso ser vistos como
imposição de uma cultura.
O que Touraine propõe é que
os direitos humanos sejam
considerados dentro de um
processo histórico da humanidade. Lembra que, já no Iluminismo, quando se afirmaram
certos valores universais, persistia a escravidão e a ausência
de direitos políticos para as
mulheres.
Porém, sem valores universais, argumenta, não se estabelece uma comunicação possível
entre diferentes culturas. "A alternativa é a guerra."
Em contraste, o filósofo italiano Gianni Vattimo, professor da Universidade de Turim,
afirma não acreditar nessa universalidade justamente pelo
modo como tem sido utilizada.
"Não se trata de uma questão
filosófica, teórica."
Vattimo diz que não se deve
nem mesmo justificar os valores universais como um conceito abstrato. "Os conceitos são
úteis, concordo. Mas para
quem?"
O jornalista UIRÁ MACHADO viajou a Amã a
convite da Academia da Latinidade
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