São Paulo, domingo, 16 de maio de 2004

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SOCIEDADE

Estudo de Thomas Sowell sobre os riscos do favorecimento de minorias reacende debate nos EUA sobre o sistema

Livro de negro americano condena cotas

JOÃO BATISTA NATALI
DA REPORTAGEM LOCAL

Enquanto o Brasil discute a instituição de cotas para negros no ensino universitário, os EUA -que estão há mais tempo e foram mais longe nessa tentativa de integração- renovam agora o debate sobre um mecanismo que tende a permanecer eternamente controvertido.
O assunto está de volta com os 50 anos da decisão da Suprema Corte que julgou inconstitucionais as escolas "segregadas" -de ensino separado para negros e brancos. Foi o início do movimento dos direitos civis, que em 1964 obteria ampla lei federal com a garantia da igualdade racial.
Surgiam então as primeiras iniciativas de ação afirmativa. São sistemas de cotas ou preferências que favorecem minorias -negros, índios, hispânicos- explícita ou sutilmente segregadas pelas universidades ou no trabalho.
Para seus defensores, a ação afirmativa é um remédio necessário, apesar dos efeitos colaterais -"segregação inversa" contra os brancos preteridos.
Para seus adversários, ela é um fator que gera tensões dentro da sociedade ao criar problemas maiores que suas soluções.
O movimento editorial americano reflete essa opinião polarizada. Entre novas monografias e estudos, os adversários da ação afirmativa saíram na frente. Produziram um trabalho de impacto.
Seu autor é Thomas Sowell, pesquisador do Instituto Hudson, um centro de estudos conservador. Sowell pertencente a uma das minorias. Ele é negro.
O livro se chama "Affirmative Action Around the World, an Empirical Study" (ação afirmativa pelo mundo, um estudo empírico) e foi publicado há dois meses pela Yale University Press.
O autor estuda os casos de EUA, Índia, Nigéria, Sri Lanka e Malásia. Sua conclusão é a de que favorecer um grupo em detrimento de outros provoca até guerra civil, caso do Sri Lanka.
São situações que têm pouco a ver com o Brasil. Sowell (leia entrevista abaixo) aborda exemplos de ação afirmativa que protegem a maioria da sociedade contra uma minoria mais dinâmica, como os chineses na Malásia, que controlam a economia e a burocracia estatal locais.
Ou então, como na Nigéria, em que a guerra interna -nesta semana, 600 cristãos foram massacrados pelos muçulmanos- teria entre suas origens a tentativa de subtrair de uma etnia direitos entregues a uma outra.
O caso americano é paradoxal. Há bibliotecas inteiras que demonstram a melhoria das condições da população negra nas últimas quatro décadas. Mas são imprecisas ou controvertidas as informações sobre o que deriva diretamente da ação afirmativa.
Sheryll Cashin, defensora dessa política de integração e professora da Universidade Georgetown, em Washington, disse à Folha que ela própria não sabe quais dos seus alunos obteve matrícula por meio do sistema de preferências. Não é algo que se torne público.
"A ação afirmativa ajudou a criar uma classe média negra que inexistia nos anos 50", diz ela. Na época, era raro encontrar um negro em escritórios de advocacia, em empresas de consultoria.
Cashin diz ainda que, em meados do século 21, os EUA serão um país em que a atual maioria será minoritária. "Precisamos estimular a competitividade do país. Não podemos ser competitivos sem que todos façam parte da comunidade. A ação afirmativa ajudou o país a se preparar para esse momento", diz ela.
Ela ainda afirma que a ação afirmativa só provoca tensões na sociedade quando se baseia num sistema rígido de cotas. Os preteridos reagem, protestam.
Se a ação afirmativa não é objeto de um código ou de uma ampla legislação federal, suas aplicações têm sido normalizadas por meio de decisões da Suprema Corte.
Foi ela que, em 1998, determinou que o sistema de cotas era discriminatório e inconstitucional. Em 2003, também considerou inconstitucional um sistema de pontuação que dava aos negros 20 dos 90 pontos necessários para se matricular numa faculdade da Universidade de Michigan.
Ao longo dos anos, a ação afirmativa também tem sofrido recuos no plano regional. Dois exemplos: em 1996, em referendo, a Califórnia aboliu preferências no recrutamento de minorias para o funcionalismo ou na escolha de empreiteiras de trabalhos públicos. Dois anos depois, o mesmo ocorreria, também por referendo, no Estado de Washington.
Em 2000, a Assembléia da Flórida substituiu a ação afirmativa no sistema de acesso à universidade estadual por um sistema que beneficiaria só os 20% melhores alunos das escolas secundárias. Sistema parecido vigora no Texas.
É impossível concluir, no entanto, que haja um recuo do mecanismo no plano nacional. Há hoje mais empresas envolvidas, por questão de imagem ou porque é politicamente correto, na contratação de minorias.
Os adversários da ação afirmativa afirmam que a preferência para minorias põe por terra o sistema de seleção pelo mérito e torna a sociedade menos eficiente.
Terry Anderson, professor de história americana e autor de ""The Pursuit of Fairness: a History of Affirmative Action" (a busca da justiça, uma história da ação afirmativa), disse que o risco é quase sempre contornado pelo que os americanos chamam de "reach out" (buscar fora).
As universidades identificam nas escolas secundárias os estudantes mais brilhantes. Investe neles, dando-lhes cursos de verão. Ao ingressarem pelo sistema de preferência, será mínima ou inexistente a diferença de sua qualificação com a de um aluno branco.



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