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Divergência sobre imigração enfraquece cúpula em Lima
Latinos rejeitam proposta da UE de pôr policiais europeus no controle do embarque na região
Texto final é vago ao propor "diálogo estruturado" sobre o tema; choque de opiniões sobre biocombustíveis joga discussão para junho
CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A LIMA
O tema da imigração tornou-se tão sensível na Europa que,
durante as negociações para a
cúpula de Lima com os países
latino-americanos e do Caribe,
os europeus chegaram a propor
participação de policiais europeus, que chamaram de "colaboração", no controles de embarque na América Latina, como forma de evitar o uso de
passaportes falsos ou outros
meios de entrada irregular na
Europa.
O Brasil tomou a liderança do
bloco latino-americano e caribenho ao recusar o que considerou uma inaceitável invasão
da soberania.
Os europeus queriam também devolver ao país em que
embarcaram os imigrantes ilegais, mesmo que fossem de terceiros países. Um nigeriano
que viajasse, por exemplo, de
São Paulo para Madri seria devolvido ao Brasil, não necessariamente à Nigéria.
O que está por trás da idéia é
o fato de que alguns imigrantes,
depois de embarcar em aeroportos latino-americanos, jogam fora, até mesmo no avião,
toda a documentação e recusam-se a dizer de que país são,
com o que evitam a deportação.
A divergência entre o enfoque latino-americano e o europeu levou a que a Declaração de
Lima, a ser emitida hoje pela
cúpula, ficasse bastante aguada
nesse tema (como de resto em
praticamente todos os demais).
Faz, como a Folha já antecipou, um chamado a ambos os
lados para "desenvolver um
diálogo estruturado e abrangente sobre migrações, de forma a identificar nossos desafios comuns e as áreas de cooperação mútua".
O choque de posições foi assim resumido por um dos negociadores técnicos do texto,
que pediu a preservação do nome: "Os latino-americanos
querem apoio total e irrestrito
aos imigrantes, sejam eles legais ou ilegais. Os europeus
querem, ao contrário, a total e
irrestrita cooperação dos países de origem dos migrantes e
até dos países de trânsito no
controle da emigração".
As duas posições atendem a
diferentes realidades: na Europa, o eleitorado pressiona os
políticos a tratar com dureza os
imigrantes, acusados de responsáveis pelo aumento da criminalidade. Na América Latina, a pressão sobre os políticos
se dá em razão da grande massa
de emigrantes, especialmente
em países como Equador, Colômbia e El Salvador.
Um segundo choque de pontos de vista se deu na questão
energética, entre o Brasil e a
União Européia. Os brasileiros
queriam um aval ao etanol,
pensando no etanol de cana-de-açúcar, em que o país tem
produção e história. Os europeus preferem dizer que "a
questão é complexa", como
afirmou a comissária de Assuntos Exteriores, Benita Ferrero-Waldner. "Se os biocombustíveis forem geridos de forma
adequada, podem atender tanto a segurança alimentar como
reduzir a dependência do petróleo", diz ela.
Ou seja, os cultivos para os
biocombustíveis não substituiriam plantios para alimentação
mas substituiriam, sim, combustíveis fósseis, altamente poluente e não-renováveis.
Mas a comissária diz que pode haver interferência na segurança alimentar se grandes
áreas forem tomadas para produzir biocombustíveis.
Por isso, a Comissão Européia "vai se fixar muito mais
em biocombustíveis de segunda ou terceira geração", que são
aqueles que usam, por exemplo, celulose ou até palha e,
portanto, não interferem com
o plantio para a alimentação.
A divergência levou, de novo,
a um documento anódino nesse item. A declaração é tão vaga
que só na quarta-feira, antevéspera da cúpula, entrou no comunicado o tema da disparada
de preços de alimentos. Mesmo assim, diz pouco: "Profundamente preocupados pelo impacto do aumento do preço de alimentos, reafirmamos nosso
compromisso com políticas para a erradicação da fome e de
luta contra a pobreza."
Detalhes mais concretos foram deixados para a Cúpula sobre Segurança Alimentar, a
realizar-se em junho em Roma,
da qual o presidente brasileiro
Luiz Inácio Lula da Silva já é
presença confirmada.
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