São Paulo, sexta-feira, 16 de maio de 2008

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Divergência sobre imigração enfraquece cúpula em Lima

Latinos rejeitam proposta da UE de pôr policiais europeus no controle do embarque na região

Texto final é vago ao propor "diálogo estruturado" sobre o tema; choque de opiniões sobre biocombustíveis joga discussão para junho


CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A LIMA

O tema da imigração tornou-se tão sensível na Europa que, durante as negociações para a cúpula de Lima com os países latino-americanos e do Caribe, os europeus chegaram a propor participação de policiais europeus, que chamaram de "colaboração", no controles de embarque na América Latina, como forma de evitar o uso de passaportes falsos ou outros meios de entrada irregular na Europa.
O Brasil tomou a liderança do bloco latino-americano e caribenho ao recusar o que considerou uma inaceitável invasão da soberania.
Os europeus queriam também devolver ao país em que embarcaram os imigrantes ilegais, mesmo que fossem de terceiros países. Um nigeriano que viajasse, por exemplo, de São Paulo para Madri seria devolvido ao Brasil, não necessariamente à Nigéria.
O que está por trás da idéia é o fato de que alguns imigrantes, depois de embarcar em aeroportos latino-americanos, jogam fora, até mesmo no avião, toda a documentação e recusam-se a dizer de que país são, com o que evitam a deportação.
A divergência entre o enfoque latino-americano e o europeu levou a que a Declaração de Lima, a ser emitida hoje pela cúpula, ficasse bastante aguada nesse tema (como de resto em praticamente todos os demais).
Faz, como a Folha já antecipou, um chamado a ambos os lados para "desenvolver um diálogo estruturado e abrangente sobre migrações, de forma a identificar nossos desafios comuns e as áreas de cooperação mútua".
O choque de posições foi assim resumido por um dos negociadores técnicos do texto, que pediu a preservação do nome: "Os latino-americanos querem apoio total e irrestrito aos imigrantes, sejam eles legais ou ilegais. Os europeus querem, ao contrário, a total e irrestrita cooperação dos países de origem dos migrantes e até dos países de trânsito no controle da emigração".
As duas posições atendem a diferentes realidades: na Europa, o eleitorado pressiona os políticos a tratar com dureza os imigrantes, acusados de responsáveis pelo aumento da criminalidade. Na América Latina, a pressão sobre os políticos se dá em razão da grande massa de emigrantes, especialmente em países como Equador, Colômbia e El Salvador.
Um segundo choque de pontos de vista se deu na questão energética, entre o Brasil e a União Européia. Os brasileiros queriam um aval ao etanol, pensando no etanol de cana-de-açúcar, em que o país tem produção e história. Os europeus preferem dizer que "a questão é complexa", como afirmou a comissária de Assuntos Exteriores, Benita Ferrero-Waldner. "Se os biocombustíveis forem geridos de forma adequada, podem atender tanto a segurança alimentar como reduzir a dependência do petróleo", diz ela.
Ou seja, os cultivos para os biocombustíveis não substituiriam plantios para alimentação mas substituiriam, sim, combustíveis fósseis, altamente poluente e não-renováveis.
Mas a comissária diz que pode haver interferência na segurança alimentar se grandes áreas forem tomadas para produzir biocombustíveis.
Por isso, a Comissão Européia "vai se fixar muito mais em biocombustíveis de segunda ou terceira geração", que são aqueles que usam, por exemplo, celulose ou até palha e, portanto, não interferem com o plantio para a alimentação.
A divergência levou, de novo, a um documento anódino nesse item. A declaração é tão vaga que só na quarta-feira, antevéspera da cúpula, entrou no comunicado o tema da disparada de preços de alimentos. Mesmo assim, diz pouco: "Profundamente preocupados pelo impacto do aumento do preço de alimentos, reafirmamos nosso compromisso com políticas para a erradicação da fome e de luta contra a pobreza."
Detalhes mais concretos foram deixados para a Cúpula sobre Segurança Alimentar, a realizar-se em junho em Roma, da qual o presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva já é presença confirmada.


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