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Irã dá ao Brasil um polêmico protagonismo
Gestões de Lula conseguem reduzir isolamento de Teerã e adiar sanções na ONU, mas dificilmente resultarão em recuo iraniano
Esforços por acordo com país
persa têm gerado críticas à
política externa brasileira;
presidente se reúne hoje com
Ahmadinejad e Khamenei
Ricardo Stuckert/Presidência da República
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O presidente Lula é cumprimentado por autoridades em cerimônia de boas-vindas a Doha, no Qatar; de lá, ele partiu para Teerã, onde chegou na noite de ontem
SAMY ADGHIRNI
ENVIADO ESPECIAL A TEERÃ
A despeito do discurso otimista, a mediação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva nas
conversas sobre o programa
nuclear iraniano provavelmente não surtirá efeito.
Mas ela já projetou o Brasil
no papel de protagonista controverso da maior crise geopolítica atual.
Lula se reunirá hoje em Teerã com o colega Mahmoud Ahmadinejad e com o líder supremo Ali Khamenei após ter alcançado, graças à cadeira rotativa do Brasil no Conselho de
Segurança da ONU, dois objetivos estratégicos: amenizar o
isolamento do Irã e adiar novas
sanções contra o país persa.
O Brasil espera que os iranianos retribuam com aceno positivo os esforços de Lula, que
têm alimentado críticas severas à sua atual política externa.
Na contramão dos EUA e
aliados, o Brasil passou as últimas semanas tentando aliviar a
pressão sobre o governo iraniano, que afirma enriquecer urânio para geração de energia e
pesquisa médica, não para fabricar a bomba atômica.
A aposta brasileira para evitar que o Conselho de Segurança adote uma quarta rodada de
punições econômicas e comerciais contra o Irã está num plano da ONU elaborado no ano
passado em resposta a um pedido do governo iraniano para repor o combustível do reator de
Teerã que produz isótopos usados no combate ao câncer.
O plano previa que o Irã enviasse a maior parte de seu estoque de urânio pouco enriquecido para outro país e recebesse
em troca um ano depois o combustível enriquecido a até 20%,
nível adequado para uso médico, mas não para a bomba.
Temendo não receber o urânio de volta, o Irã exigiu que a
troca fosse simultânea e acontecesse em território iraniano.
No entanto, as potências rejeitaram as condições, abrindo caminho para que o Conselho de
Segurança passasse a discutir
as sanções.
A insistência do Brasil em
ressuscitar a proposta ganhou
o apoio de pelo menos 2 dos 10
membros rotativos do conselho: o Líbano, que preside o órgão até o fim do mês, e a Turquia, que chegou a se oferecer
como depositária do urânio para satisfazer Teerã.
A frente pró-Irã não tem poder para barrar sanções, mas
envia a mensagem de que não
há unanimidade sobre o tema,
o que contribui para pelo menos frear a adoção das novas
punições.
A visita de Lula pode gerar
uma retórica apaziguadora por
parte de Teerã. Mas são ínfimas
as chances de um entendimento concreto sobre troca de urânio, por causa do fosso de desconfiança mútua.
Para muitos governos e analistas, novas sanções ao Irã acabarão adotadas, deixando o
Brasil do "lado errado" da história. Para os críticos, o presidente brasileiro está manchando a boa imagem global conquistada ao longo de oito anos
no poder.
"Bobo útil"
O analista Jackson Diehl, do
"Washington Post", afirma que
Lula está fazendo papel de "bobo útil" de Ahmadinejad.
O ex-secretário-assistente de
Estado americano James Rubin, que serviu na era Bill Clinton (1993-2001) e assessora o
presidente Barack Obama, disse à Folha que a posição sobre
o Irã desqualifica a candidatura
do Brasil a um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU.
O apoio polido dado nos últimos dias por EUA, Rússia e
França à ida de Lula a Teerã esconde uma mescla de ceticismo e resignação.
A diplomacia brasileira defende suas gestões usando argumentos em duas frentes.
Na primeira, insiste em que o
Irã, na condição de signatário
do Tratado de Não Proliferação, tem direito de enriquecer
urânio para fins pacíficos e que
anos de inspeções da ONU não
conseguiram provar intenções
ocultas de Teerã.
Na segunda, o Brasil diz que
sanções só aproximariam o
mundo de mais um desastroso
confronto militar.
O presidente Lula cita com
frequência o exemplo do Iraque, que acabou atacado em
2003 sob o pretexto -que se
revelou falso- de que a ditadura de Saddam Hussein (1979-2003) mantinha armas de destruição em massa.
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