São Paulo, domingo, 16 de maio de 2010

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Irã dá ao Brasil um polêmico protagonismo

Gestões de Lula conseguem reduzir isolamento de Teerã e adiar sanções na ONU, mas dificilmente resultarão em recuo iraniano

Esforços por acordo com país persa têm gerado críticas à política externa brasileira; presidente se reúne hoje com Ahmadinejad e Khamenei

Ricardo Stuckert/Presidência da República
O presidente Lula é cumprimentado por autoridades em cerimônia de boas-vindas a Doha, no Qatar; de lá, ele partiu para Teerã, onde chegou na noite de ontem

SAMY ADGHIRNI
ENVIADO ESPECIAL A TEERÃ

A despeito do discurso otimista, a mediação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva nas conversas sobre o programa nuclear iraniano provavelmente não surtirá efeito.
Mas ela já projetou o Brasil no papel de protagonista controverso da maior crise geopolítica atual.
Lula se reunirá hoje em Teerã com o colega Mahmoud Ahmadinejad e com o líder supremo Ali Khamenei após ter alcançado, graças à cadeira rotativa do Brasil no Conselho de Segurança da ONU, dois objetivos estratégicos: amenizar o isolamento do Irã e adiar novas sanções contra o país persa.
O Brasil espera que os iranianos retribuam com aceno positivo os esforços de Lula, que têm alimentado críticas severas à sua atual política externa.
Na contramão dos EUA e aliados, o Brasil passou as últimas semanas tentando aliviar a pressão sobre o governo iraniano, que afirma enriquecer urânio para geração de energia e pesquisa médica, não para fabricar a bomba atômica.
A aposta brasileira para evitar que o Conselho de Segurança adote uma quarta rodada de punições econômicas e comerciais contra o Irã está num plano da ONU elaborado no ano passado em resposta a um pedido do governo iraniano para repor o combustível do reator de Teerã que produz isótopos usados no combate ao câncer.
O plano previa que o Irã enviasse a maior parte de seu estoque de urânio pouco enriquecido para outro país e recebesse em troca um ano depois o combustível enriquecido a até 20%, nível adequado para uso médico, mas não para a bomba.
Temendo não receber o urânio de volta, o Irã exigiu que a troca fosse simultânea e acontecesse em território iraniano. No entanto, as potências rejeitaram as condições, abrindo caminho para que o Conselho de Segurança passasse a discutir as sanções.
A insistência do Brasil em ressuscitar a proposta ganhou o apoio de pelo menos 2 dos 10 membros rotativos do conselho: o Líbano, que preside o órgão até o fim do mês, e a Turquia, que chegou a se oferecer como depositária do urânio para satisfazer Teerã.
A frente pró-Irã não tem poder para barrar sanções, mas envia a mensagem de que não há unanimidade sobre o tema, o que contribui para pelo menos frear a adoção das novas punições.
A visita de Lula pode gerar uma retórica apaziguadora por parte de Teerã. Mas são ínfimas as chances de um entendimento concreto sobre troca de urânio, por causa do fosso de desconfiança mútua.
Para muitos governos e analistas, novas sanções ao Irã acabarão adotadas, deixando o Brasil do "lado errado" da história. Para os críticos, o presidente brasileiro está manchando a boa imagem global conquistada ao longo de oito anos no poder.

"Bobo útil"
O analista Jackson Diehl, do "Washington Post", afirma que Lula está fazendo papel de "bobo útil" de Ahmadinejad.
O ex-secretário-assistente de Estado americano James Rubin, que serviu na era Bill Clinton (1993-2001) e assessora o presidente Barack Obama, disse à Folha que a posição sobre o Irã desqualifica a candidatura do Brasil a um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU.
O apoio polido dado nos últimos dias por EUA, Rússia e França à ida de Lula a Teerã esconde uma mescla de ceticismo e resignação.
A diplomacia brasileira defende suas gestões usando argumentos em duas frentes.
Na primeira, insiste em que o Irã, na condição de signatário do Tratado de Não Proliferação, tem direito de enriquecer urânio para fins pacíficos e que anos de inspeções da ONU não conseguiram provar intenções ocultas de Teerã.
Na segunda, o Brasil diz que sanções só aproximariam o mundo de mais um desastroso confronto militar.
O presidente Lula cita com frequência o exemplo do Iraque, que acabou atacado em 2003 sob o pretexto -que se revelou falso- de que a ditadura de Saddam Hussein (1979-2003) mantinha armas de destruição em massa.


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